A intenção do Governo de transferir tutela dos animais de companhia (incluindo dos animais errantes) do Ministério da Agricultura para o Ministério do Ambiente e da Ação Climática “terá consequências graves para a saúde pública”. O alerta é da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV), que chama a atenção para a “possibilidade de ressurgirem em Portugal doenças já erradicas, como a raiva”.
Para Jorge Cid, bastonário da OMV, “separar as competências de saúde e bem-estar animal em dois organismos autónomos, um para os animais de companhia e outro para os animais de produção, […] é desastroso para a execução dos planos de controlo e para os sistemas de alerta de doenças, nomeadamente zoonoses”.
Num comunicado enviado às redações, a OMV refere que as oito doenças que representam maior risco para a saúde pública, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), são doenças transmitidas dos animais para os humanos (zoonoses). “Estas representam 70% das doenças infeciosas que surgiram nos últimos 30 anos, sendo o exemplo recente mais expressivo o da covid-19”.
O bastonário da OMV considera que esta transferência de competências “ignora a opinião, unânime, de técnicos especialistas nacionais e internacionais e coloca em risco a saúde das populações e dos próprios animais”. Jorge Cid argumenta que a intenção do Governo contraria, inclusivamente, “as orientações de instituições europeias e internacionais”, nomeadamente “a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) e a Comissão Europeia”, o que poderá pôr em causa “a reputação de Portugal enquanto Estado-membro da União Europeia e a sua relação com os restantes Estados-Membros”.
“Transferir a tutela dos animais de companhia para o ICNF fará Portugal recuar 50 anos relativamente às melhores práticas dos seus parceiros europeus”, afirmou o responsável.
No mesmo comunicado, Jorge Cid explica que pode estar em causa, por exemplo, o ressurgimento de casos de raiva em Portugal. “Esta doença foi erradicada do nosso país há décadas, mas mata 60 mil crianças por ano em todo o mundo. É expressiva, precisamente, nos países em que as populações de cães e gatos errantes não são controladas e vacinadas.”
Entre as doenças transmitidas por animais aos humanos e a outros animais que continuam a ocorrer em Portugal estão a Equinococose, a Leishmaniose, a Leptospirose, a Toxoplasmose, a Neosporose e a Sarcocistose.
A Ordem dos Médicos Veterinários defende que, “ao invés de desmembrar a autoridade existente, o Governo deve investir numa autoridade veterinária nacional única, competente e robusta, com independência técnica e dotada dos meios e recursos necessários ao desenvolvimento da sua missão”.