Ontem, 24 de setembro, foi dia de homenagem a Armando Sevinate Pinto. Seis meses volvidos sobre a data da sua morte, a Agrogés, a empresa do seu coração, e na qual trabalhou até ao fim, organizou uma cerimónia onde juntou amigos para recordar ‘o Armando’. E lembrá-lo com muito mais do que discursos elogiosos. Lembrá-lo discutindo agricultura e os temas que o inquietavam. Lembrá-lo com emoção, porque os homens também choram, mas com inteligência e com humor. Armando Sevinate Pinto não teria gostado de outra forma. E esteve lá a sorrir para nós, não duvidamos.
Os amigos e as histórias…
Fernando Gomes da Silva, ex-ministro da agricultura, recordou como lhe eram indispensáveis os conselhos do colega, e amigo, no tempo em que dirigia o Gabinete de Planeamento do Ministério da Agricultura. Álvaro Barreto, ministro na altura, dizia-lhe sempre que surgia um problema complexo nos serviços: “Oh Gomes da Silva, resolva lá isto com os seus Sevinates”… A verdade é que resolvia.
Gomes da Silva recordou a forma como Sevinate Pinto desmontava “os mitos que foram agravando a imagem da agricultura portuguesa”. Essa era, acrescento, uma das suas maiores qualidades. Perante uma notícia que considerava falsa ou inquinada, agarrava no telefone e, com aquela serenidade que lhe conhecemos, explicava educadamente aos brutos e incultos jornalistas (nos quais me incluo) que não era bem assim. Com factos, números e explicações fundamentadas, uma aula. Impossível ficar zangado, ‘viola no saco’. Era uma ânsia de esclarecer em permanência.
Francisco Avillez recordou a carta que dele recebeu no dia do seu aniversário e que se revelou uma despedida. Onde explicava que muitas vezes divergiram nas opiniões. Opiniões que respeitava, mesmo não concordando. Até porque, como costumava dizer, “As opiniões diversas são as melhores, porque obrigam a refletir”. E refletia.
O ‘gaio e o corvo’
João Soares, ex-secretário de Estado das Florestas no mandato de Armando Sevinate Pinto como ministro da Agricultura, recordou com humor o controverso episódio do calendário venatório, no ano em que os serviços colocaram na lista de espécies autorizadas para caça, a gralha, o gaio e o corvo. “Não percebia muito dessa matéria, achei estranho que se caçassem corvos e pedi explicações. Disseram-me que havia um excesso de população dessas espécies e que os agricultores se estavam a queixar porque os pássaros estavam a atacar ovelhas”. Acatou. Mas rapidamente estalou a polémica com os ambientalistas e com o partido coligado com o Governo, MPT, cujo deputado ‘desancou’ João Soares. Sevinate Pinto interveio e “foi a única vez que fui desautorizado por ele. Mas salvaram-se os gaios e os corvos…”, enfatizou, arrancando risos da plateia.
António Gonçalves Ferreira foi o amigo que se seguiu. Lembrou como Sevinate Pinto estava preocupado com o montado e com a mortalidade do sobreiro. Mas descansou-o: “estamos a trabalhar e a investir na investigação para tentar resolver este problema”.
Noutro registo, e geração, Francisco Gomes da Silva falou de regadio. Citou o artigo ‘Bendita água’, um dos últimos que Sevinate Pinto escreveu para o jornal Público. Antes de ser publicado, a incontornável questão que lançava em desafio: “Oh Gomes da Silva, ouve lá isto para dares a tua opinião!”. E ouvia.
Sobre sequeiro e agricultura de conservação falou Gabriela Cruz. Apontou a degradação e a erosão dos solos como uma grande preocupação de Sevinate Pinto, que motivou, aliás, o pacote de medidas agro-ambientais que promoveu no seu mandato, com vista à proteção deste recurso.
António Sevinate Pinto encerrou a cerimónia. Um discurso corajoso, pautado pela emoção e saudade que só um irmão conhece. Tempo para anunciar que vem aí um livro, ‘Cheiro da Terra’ que reúne os artigos escritos e publicados ao longo dos anos por Armando Sevinate Pinto. Este era um projeto em que estava a trabalhar e a preparar antes da sua morte. A família está na fase final de compilação dos escritos e a Agrogés vai dar à estampa esta obra que reúne o pensamento deste nome grande da agricultura nacional. Muito em breve.
Faz-nos falta
Armando Sevinate Pinto partiu cedo demais e faz-nos falta. A mim, fazem-me falta as conversas revigorantes e sempre, sempre, apaixonadas. Seis meses depois, continuo a não saber a quem vou ligar agora para saber mais. Por isso foi tão bom ouvir os seus amigos falar de agricultura, mesmo sabendo que era só uma boa desculpa para falar dele.
Ontem foi dia de homenagem a Armando Sevinate Pinto. Com palavras e lágrimas e sorrisos e saudade e, no final, cante alentejano e um brinde com o vinho do seu filho, Filipe. Haverá homenagem mais perfeita?