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Entrevista

Olivicultores de Moura reivindicam alargamento da área de regadio de Alqueva

Luís Saraiva Crisóstomo - Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos
A propósito do lançamento do novo e medalhado azeite premium da Cooperativa de Moura e Barrancos, falámos com Luís Saraiva Crisóstomo sobre o sucesso do azeite desta cooperativa que assenta numa estratégia clara de vender um produto de grande qualidade a um preço muito competitivo. Tempo ainda para perceber as perspetivas para a cultura do olival na região e os desafios para o futuro. Regadio e Rede Natura são algumas limitações mais urgentes a resolver.

Qual é o volume de produção atual da Cooperativa de Moura e Barrancos?

A Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos é a maior cooperativa de azeite em Portugal, recebe em média 35 milhões de quilos de azeitona e extrai cerca de 7 milhões de quilos de azeite. Para termos uma noção de dimensão, isto representa cerca de 20.000 hectares, essencialmente de olival tradicional. Muita Galega, Cordovil e Verdeal, estas três cultivares são a base do azeite Moura DOP, existem outras mas estas são as que têm mais representatividade.

Disse que o tradicional domina. Quanto representa o intensivo e super intensivo no vosso universo de associados?

Já há super intensivo, mas são situações muito residuais… O intensivo é que está a crescer muito, as novas plantações são praticamente todas em intensivo. No entanto, o tradicional ainda tem um peso esmagador, representa 80% da realidade dos nossos associados.

Há mais plantações a entrar em reconversão ou a aposta é em novos olivais de raiz?

Há de tudo, mas eu diria que são mais notórias as novas plantações de raiz. Basicamente os nossos sócios, atendendo à particularidade que existe o PDR2020, com possibilidade de financiamento, e tratando-se de uma aposta garantida, estão a plantar mais. Acaba por ser um investimento seguro porque a cooperativa garante o escoamento de toda a produção, e isso em termos de risco é muito bom e tem sido um estímulo para a plantação de novos olivais.

Convém referir que esta cooperativa surgiu por iniciativa de 45 sócios fundadores que tinham as suas produções e necessitavam de valorizá-las. E para que isso acontecesse da melhor forma era preciso transformar essas azeitonas em azeite e escoá-lo no mercado. E dos 45 sócios passaram para os 4.000, dos quais 1200 são olivicultores. O azeite é o core da cooperativa e representa 90% da nossa produção total.

“Os preços estão muito baixos em relação ao que deveriam estar, mas também é verdade que os produtores e os distribuidores têm assumido esse ‘prejuízo’ , chamemos-lhe assim, para não fazer disparar os preços e não provocar um retrocesso no consumo.”

Quais são as outras produções que também recebem?

Existem os cereais, que estão a diminuir, e há ainda a parte da pecuária. Mas a cooperativa presta um leque de serviços muito variados, desde a realização de candidaturas até questões de defesa sanitária, acaba por ser uma organização virada para satisfazer as necessidades do agricultor. Estamos a falar de uma região que engloba dois concelhos, Moura e Barrancos, e a missão da cooperativa é dar resposta às necessidades dos agricultores desses concelhos.

A cooperativa é hoje conhecida como um lagar. E acaba por ser uma das poucas marcas que está em todo o lado na grande distribuição, quase que não é possível não ter azeite de Moura nas prateleiras…

Sim, mas esse foi um trabalho que foi feito depois da aposta estratégica que a cooperativa tomou há alguns anos face à realidade existente. Tínhamos três opções: escoar o produto a granel, embalado ou fazer um mix. A estratégia que foi tomada vai no sentido de apostar no embalamento, criar valor e satisfazer essencialmente o mercado nacional.

Não vendem nada a granel?

Só vendemos a granel o chamado ‘lampante’, azeite de qualidade inferior que não embalamos, nem comercializamos, nem sabemos trabalhar com esses azeites… Primamos pela qualidade e é isso que queremos. Tudo o que não preenche os parâmetros de qualidade sai a granel.

Mas como é que se conseguiram impor na grande distribuição?

Acho que a principal razão é a relação qualidade/preço e o facto de termos um grande volume. Logicamente que também estarão atributos comerciais em causa, e uma visão estratégica que foi fundamental para esta tomada de decisão. A aposta é num produto de alta qualidade a um preço extremamente competitivo e isso faz toda a diferença. Atualmente toda a gente conhece o azeite Moura DOP da Cooperativa e fazemos tudo com total transparência. Promovemos muitas visitas à nossa cooperativa e temos inclusive dias abertos para mostrar às crianças na escola de onde vem o azeite.

Estamos no lançamento do vosso primeiro azeite premium. Isto significa uma nova estratégia para apostar em outros segmentos ou será sempre um nicho?

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Pensamos que seria uma maldade da nossa parte se não colocássemos este azeite no mercado. Este azeite foi distinguido internacionalmente com a medalha de ouro na categoria frutado maduro no Concurso Internacional Mário Solinas, que é um dos concursos internacionais mais prestigiados, por isso tínhamos de o dar a conhecer. Quando fomos receber o prémio há duas semanas atrás na sede do COI [entrevista realizada em dezembro de 2016], foi um orgulho enorme. Ganhou também a medalha de ouro em Los Angeles, duas estrelas de ouro no ITQI (Internacional Taste and Quality Institute) em Bruxelas e também uma menção honrosa no Concurso Internacional de Pequim. E isso fez com que nós, perante uma situação destas, tivéssemos de lhe dar destaque e visibilidade. Agora, a estratégia passa por todos os anos apresentarmos um premium, que é o nosso melhor dos melhores? Talvez passe por aí… É o primeiro premium da cooperativa, mas esperamos que não seja o último.

Que produção estamos a falar deste azeite?

Temos uma produção limitada de 12.000 garrafas.

Como é que está a olhar para o mercado da azeitona, a nível de preços, e para este desafio da volatilidade?

Eu não falaria do preço da azeitona, mas sim do preço do azeite. Para nós isso é um fator diferenciador, porque recebemos as produções, não compramos a azeitona, temos uma filosofia diferente. E este é um fator competitivo no mercado e é um trunfo.

Enquanto cooperativa recebemos as produções dos nossos cooperantes e transformamos em azeite e remuneramos as produções que nos são entregues ao melhor preço.

Mas há uma segmentação de qualidade por cultivares ou pela qualidade da azeitona?

A azeitona biológica e cultivares como a Galega são mais valorizadas. A valorização tem em conta a quantidade entregue, como é lógico, mas é o resultado do total das produções que se receberam. Daí resulta uma receita que será distribuída pelos sócios. Sempre que existem entradas de azeitona fazemos análises laboratoriais das amostras de azeitonas, verificamos a qualidade, enviamos amostras para um laboratório independente e em função do rendimento e da acidez assim fica a classificação da azeitona. É um processo transparente. E é atribuída uma pontuação ou um valor às quantidades entregues.

Como é que olha para as flutuações deste mercado?

O mercado é muito volátil. Não estamos a falar de fábricas de parafusos, tudo depende das condições climatéricas e não só, mas essencialmente são as condições climatéricas que têm muita influência. Em Portugal, esta campanha há muita quebra de produção e logicamente vai fazer com o preço tendencialmente suba. Há notícias de que o azeite em Itália já subiu na ordem dos 70%. Mas os preços não vão poder aumentar muito.

Luís Saraiva Crisóstomo, CEO da Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos

Luís Saraiva Crisóstomo, CEO da Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos

Não tem existido um grande aumento de preços como se fala…

Na minha opinião os preços estão muito baixos em relação ao que deveriam estar, mas também é verdade que os produtores e os distribuidores têm assumido esse ‘prejuízo’, chamemos-lhe assim, para não fazer disparar os preços e não provocar um retrocesso no consumo. Esta é a única explicação. Houve em tempos outras políticas, com uma promoção dos óleos em detrimento dos azeites, mas a situação está a inverter-se e neste momento assistimos a uma grande aposta no azeite. É um produto com cada vez mais aceitação em termos mundiais, para o agricultor é uma cultura rentável, mas tem de existir um grande controlo para que o preço não suba mais do que o razoável para não assustar o consumidor.

Que grandes desafios vê a médio prazo?

Para os agricultores da região de Moura e Barrancos existe um grande desafio que é o regadio. Nós gostávamos que se concretizasse o alargamento do perímetro de rega de Alqueva. Estão em causa mais 10.000 hectares de regadio para aquela zona, Moura, Póvoa, Amareleja. É um concelho que ficou prejudicado com a construção da barragem, viu as suas terras alagadas, inundadas e expropriadas, ficou desprovido dessas mesmas terras e, por outro lado, e não ficou infraestruturado ou ficou muito residualmente.

Há muita necessidade de água para regadio, as condições edafoclimáticas são excelentes, temos solos argilo-calcários ótimos para o olival. O que ansiamos, e fazemos pressão nesse sentido, é que esse projeto se concretize o mais rápido possível. O estudo já está feito e a única coisa que falta é o financiamento… esperamos que vá para a frente.

A outra situação, que é um desafio para nós, é a rede Natura 2000, que abrange dois terços do concelho de Moura, ou seja, limita muito a agricultura. Mas se as limitações continuarem as pessoas vão começar a sair dos campos e sem agricultura não há abetardas nem outras aves… Queremos que haja um entendimento diferente e que que seja permitida a utilização da água dentro da rede Natura, até porque sabemos que existem outros países onde existe rede Natura e é permitido o regadio. Estamos a tentar que esse plano de gestão exista e seja concretizado, porque a área foi definida mas as regras para os agricultores não. E o financiamento que é dado ao agricultor, como compensação por ficar desprovido da possibilidade de criar valor, não justifica de maneira nenhuma, estamos a falar de 40€/hectare para uma obrigação muito limitante. Queremos uma alteração de paradigma. Com introdução de regadio poderíamos abrir outras possibilidades produtivas, e isto é válido tanto para o olival como também para outras culturas que estão a surgir, como é o caso da amêndoa.

Artigo publicado na edição de dezembro 2016/janeiro 2017 da revista VIDA RURAL