Félix Gonçalves Siqueira, investigador e coordenador de projetos da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) falou à Vida Rural sobre o futuro da produção agrícola. E este vai passar necessariamente por um sistema mais sustentável, que aponta para o uso de elementos já existentes na terra. Ou seja, a proteção de plantas será feita a partir dos micróbios do solo.
Porque é que o futuro da agricultura depende de entender a interação microbiana?
O futuro, que na verdade nem podemos mais chamar de futuro, pois já é presente, são as técnicas agrícolas que favoreçam os grupos de microrganismos que tem uma relação simbiôntica com a agricultura. Precisamos entender que o solo é vivo. Essa é a primeira coisa que a devemos entender. E quais são os benefícios que o microbioma vai trazer para o solo, ou seja, os microrganismos daquele bioma que moram junto às plantas.
A rotação de culturas, amplamente adotada no Brasil, é exatamente isso – quando você coloca um determinado grupo de plantas intercaladas, você favorece grupos de microrganismos diferentes, então os processos biológicos passarão a ser cada vez mais intensivos.
Isso significa o fim dos agroquímicos?
É claro que os químicos vão continuar, mas no sentido mais amplo. A nossa relação, dos microrganismos, do ser humano com as plantas, é a relação dos químicos, eles é que nos nutrem, eles é que nos protegem. Agora, o mundo microbiano está a ser descoberto nestes muitos processos já em andamento. E virão muito mais.
A diferença, acredito, é que nos próximos dez, 20 ou 30 anos nós vamos estar a falar muito mais de qual é o tipo de material, de matéria-prima que eu vou colocar no solo para favorecer determinados grupos de microrganismos.As grandes empresas passarão a questionar-se: eu preciso de nutrir os microrganismos que moram no solo, que é onde eu vou colocar as plantas. Então, com as técnicas ômicas, como parte da genômica, consegue-se saber quais os grupos de bactérias existentes, de fungos e famílias, e começamos a comparar isso. Então esse Big Data, essa quantidade de dados que você gera, destas interações entre microrganismos e planta, serão cada vez mais utilizados pelas empresas.
Isso cria um novo perfil de pessoas a trabalhar com agricultura, certo?
Isso é uma coisa muito interessante, porque as disciplinas, ou seja, as áreas de conhecimento, estão literalmente a fundir-se. Pessoas que trabalham com programação, softwares, que nunca foram ao solo para plantar um pé de qualquer coisinha de planta – elas serão fundamentais para analisar esses dados, ou seja, quem são os microrganismos que nós queremos favorecer no nosso solo, para nossa cultura, para interação com aquele microrganismo, para que ela responda ao seu sistema imunológico precisando de menos defensivos químicos.
Qual é o próximo desafio, e como o vamos vencer?
Conhecermos mais esse universo, que é realmente um universo, uma galáxia de coisas: quem comunica com quem, quem é aliado do quê. Decifrar esses códigos de comunicação química entre os microrganismos, nessa ‘cidade populosa’ que é a rizosfera da planta, é o grande desafio, seja aqui, seja na China, seja nos Estados Unidos, poque a casa da planta e a casa dos microrganismos é o solo, então solo é vivo. Precisamos de entender essa dinâmica cada vez mais.
As ferramentas são boas e vão ficando cada vez maiores: bioinformática, ou seja, extraem DNA, extraem RNA, extraem proteínas eu consigo processar isto. Big Data, computadores, sistemas de software, vão ficar cada vez mais sofisticados para que possamos criar esses algoritmos. Vamos saber que carboidratos suprir, que proteína, que mineral favorece um determinado grupo de microrganismos. Com isso, automaticamente eu favoreço a produção de novos compostos químicos e a resposta da planta é essa. Se eu tenho o favorecimento desse grupo de microrganismos e esse outro grupo de compostos químicos eu desfavoreço a planta, essa vai ser a dinâmica do momento e das próximas décadas, entender as esferas populacionais da rizosfera das plantas.