Qual o papel da fotografia de vinhos?
Costumo dizer a brincar que numa prova o primeiro sentido que usamos é a visão. Olhamos para ver a cor e transparência no copo… Só que antes disso o olhar já está a funcionar na garrafa, no rótulo. Portanto a prova começou antes. Se virmos a fotografia do vinho numa revista já começámos a prova-lo, já fomos chamados para ele…
Uma boa fotografia transmite o espírito do vinho?
É o que chamo a fotografia “de conceito”, tem de ter a ver com o produto e o produtor. Um vinho com um rótulo como “.com”, é para um publico jovem, muito especifico. Portanto a fotografia desse vinho à partida não vai ser bucólica, nem de pipas rústicas.
As fotografias de conceito são aquelas que param os olhos, chamam a atenção. Se estamos numa feira de vinhos, onde visualmente há muita coisa – ruído, luz, garrafas, pessoas – e, de repente, há uma imagem que nos faz parar…. essa é a imagem que vende. É a filosofia da publicidade, por isso existem outdoors e mupis na rua. Para as pessoas pararem a olhar. Quanto mais apelativa é a fotografia, obviamente mais resultados terá…
Essa sensibilidade vem da sua experiência na fotografia publicitária?
Vem dos meus primórdios – com o João Palmeiro e Miguel Fonseca da Costa – com quem aprendi bastante. O João Palmeiro costumava dizer que a fotografia de publicidade é a Fórmula 1 da fotografia. Trabalha ao detalhe, porque vai estar na rua, numa paragem de autocarro enorme, onde a pessoa tem tempo para reparar em tudo – temos de ter rigor absoluto… Se um produtor vai gastar dinheiro com o stand para estar numa feira, tem de recuperar a vender. Esse é o objetivo. Se tiver uma fotografia que possa chamar a atenção, levar ao stand isso é o princípio.
A fotografia do Alorna Branco é um exemplo disso?
Queriam uma coisa fresca. Sabia que seria para outdoor ou rodapé de revista, portanto teve de ser uma imagem horizontal – isso é importante definir, vertical não funcionaria – então fiz aquela proposta, fotografada num aquário, onde trabalhei em pós produção várias camadas de fotos. No verão pediram o branco, no inverno o reserva, no outono o abafado. Seguiu-se Natal da Alorna. Hoje é uma galeria de imagens de conceito interessante.
Falou na pós-produção. O que é isso?
As pessoas pensam que fotografei e já está. O cliente vem ao estúdio, olha para a minha máquina e computador e não vê a diferença de antes, com máquinas de grande formato, chapas e revelação. Era mágico.
Isso acabou, mas só aparentemente. Depois de fazer a fotografia, vou trabalhar no computador: limpo impurezas, suavizo as linhas, uniformizo a luz… Às vezes passo mais tempo aí do que a fotografar. Nas fotografias da Quinta da Alorna nota-se esse trabalho: têm várias camadas: brilho, reflexos, transparências. Num packshot (fotografia da garrafa) não salta à vista que tem tanto trabalho, mas tem. Tudo é tratado para usar desde a net, o catálogo ou outdoor. São muitas horas. No orçamento vêm fotografia e pós-produção e não percebem. Saber modelar a luz, compor a imagem, tratá-la: este trabalho é onde fazemos a diferença…
Em que fase os produtores chegam ao fotógrafo? Como é que faz, o produtor faz o pedido e depois cabe a si resolver?
Tem sido o fotógrafo a chegar aos produtores…porque ainda há pouca cultura visual. Geralmente dizem “gostava de fazer uma fotografia neste espírito” e parte de mim a iniciativa. Por exemplo a fotografia de Vale de Lobos, que tem muitas referências (parece fotografada num bosque) é completamente diferente da Herdade dos Coteis, que foi pensada para uma loja recente, muito “clean”.
O que aconselharia a produtores que têm um orçamento curto?
Devem começar pela foto de conceito do seu melhor vinho, pois é uma maneira de se apaixonarem por ele. Vão ter orgulho em mostrá-lo nos stands, nas feiras, nos sites, no que entenderem… Depois o packshot, que faz imensa falta – já vi fotografias de vinho onde não conseguia ler o rótulo – para usar em catálogos. E por fim um banco de imagens da quinta. Tento que o meu pacote de fotografia seja isso: fotografia de conceito, packshots e fotografias de banco de imagens.
Disse que os “packshots” (fotografia de garrafa) também têm muita técnica. Como?
Não acho agradável ver uma garrafa iluminada de uma maneira, no ano seguinte de outra. Uma vista de cima, outra de baixo… Um catálogo de vinhos é como uma prateleira: se um vinho está diferente é estranho. Mais: se enviar para críticos, supermercados, revistas sempre a mesma imagem, só tem a ganhar: terá muito mais força do que aparecer de cada vez diferente. É o branding: fica gravado na memória do consumidor…
Se fotografo agora uma garrafa, para o ano para outro vinho reproduzo o set para ter coerência. Nos rosés e brancos a mesma coisa: se faço um degradé na transparência da garrafa para dar volume, vou fazer o mesmo para que tudo tenha alguma limpeza visual. E tento que cada produtor tenha uma assinatura de luz própria na garrafa: aquela risca de luz ao longo da garrafa, de maneira que no site ou brochura estejam todas iluminadas da mesma maneira.
E o banco de imagens, qual o seu papel?
Um cliente externo – por exemplo na China vê a quinta e é como se visitasse o terroir. E cada vez se dá mais importância a isso. Por outro lado essas fotografias da quinta, de banco de imagem, podem servir para ilustrar o que entender. Se um jornal faz um artigo, podem utilizá-las: ficam com total direito de utilização.
Uma boa fotografia é um investimento no futuro?
Os tempos não estão para grandes investimentos. Quando fazem uma fotografia é para durar algum tempo. Acho que os produtores terão essa filosofia: compram a imagem a pensar no futuro. Podem espreme-la bem em muitos sítios. Por isso é frequente pedirem-me que o ano de colheita não apareça.
Mas as fotografias ainda ficam datadas…
Na fotografia de comida vê-se mais isso. Nos livros da Maria de Lurdes Modesto dos anos 80 era uma mesa cheia de coisas, tudo focado: desde o olho do peixe na frente, à santola lá atrás. Agora é o garfo que pega num bocadinho de peixe, só um detalhe focado e o resto etéreo… São fases diferentes da fotografia. Em Portugal evoluiu muito com as estilistas de comida, o Miguel Fonseca da Costa e os trabalhos para o Pingo Doce.
Olhando para as revistas, fica contente com as fotografias que vê?
Eu acho que há coisas que parecem caseiras. Mas nunca sei em que condições trabalhou o fotógrafo. Vejo às vezes grandes campanhas que, com certeza, envolvem dinheiro e penso que faria diferente. Algumas coisas fazem pensar: porque é que não completou um reflexo, não diferenciou o lettering do rótulo pondo a garrafa noutra posição, não apostou na transparência, já que tem paisagem por trás?… Quase sempre faria diferente.
O que diria a um produtor, para o convencer a fotografar?
Uma das coisas de que gosto no mundo do vinho é que os produtores gostam mesmo do que fazem. Então diria: já que teve este trabalho todo, tratou tão bem as vinhas, fez a colheita à mão, comprou barricas francesas e rolhas de flor de cortiça, fez um belo rótulo… então dê ao seu vinho uma boa fotografia!