Por formação e por experiência profissional, sempre me fez confusão porque é que a partir dos anos 80 do seculo passado a cultura do eucalipto e a indústria da celulose começaram a ser alvo de “contestação” por parte de profissionais ligados ao “Ambiente” (na sua maioria funcionários públicos). Provavelmente esta contestação tenha como finalidade obterem protagonismo político, depois de criada a Secretaria de Estado, que mais tarde passou a ser o Ministério do Ambiente. Há que considerar igualmente as manifestações algo primárias a que assistimos (por exemplo pessoas amarradas com correntes às máquinas para impedir as florestações), protagonizadas pelos “grupos ambientalistas” que entretanto começaram a surgir.
A cultura intensiva do eucalipto e o seu aproveitamento pela indústria para o fabrico de pasta de papel vem muito detrás. Basta recordar que muitos dos ensaios de plantações com eucaliptos foram iniciados, nos anos 50 em Moçambique, pela então Junta do Ultramar, e foram posteriormente continuados em Portugal continental pela empresa CUF-Companhia União Fabril, que recrutou para os seus quadros alguns dos técnicos vindos de Moçambique. Foi no Centro de Estudos Agronómicos da CUF em Sacavém que se iniciaram e desenvolveram os primeiros ensaios em vasos com o Eucalipto, visando a determinação da sua adaptação a diversos tipos de solos e foram também levado a cabo ensaios de fertilização que determinaram o aparecimento das normas de adubação da cultura. De tal modo os resultados foram interessantes que a CUF estabeleceu uma sociedade com a empresa sueca Billerud AB, tendo surgido em 1965 a Celulose Billerud, SARL (mais tarde a CELBI – Celulose Beira Industrial, SA), onde a CUF detinha 23 % do Capital, a Billerud AB 71 % e um grupo de produtores florestais 6%. Esta unidade industrial foi construída junto à cidade da Figueira da Foz porque apresentava as seguintes vantagens: proximidade de área florestais, abundância de água, indispensável ao processo produtivo, proximidade do Oceano Atlântico e de um Porto Comercial e disponibilidade de mão-de-obra qualificada. E assim se deu início à transformação da madeira de eucalipto que começou a ser plantado, inicialmente nos terrenos junto à fábrica, como uma cultura agrícola intensiva, considerando o número de plantas por hectare (entre 1.200 e 1.400), com a tecnologia utilizada na agricultura – escolha de solos, análise de terra, preparação do terreno, normas de adubação, etc.
Durante quase 20 anos que não se ouviu qualquer tipo de contestação à cultura do Eucalipto propriamente dita, verificando-se sim alguma resistência e protesto contra o mau cheiro que era típico de todas as unidades de celulose do país. Os eucaliptos sempre foram vistos como árvores decorativas magníficas pelo seu rápido crescimento e porte, existindo vários exemplares em quase todos os montes alentejanos. Apareciam também em jardins, nas bermas das estradas (com a sua lista branca), como cortinas de protecção contra ventos, protecção de taludes, etc.
Não é pois uma árvore desconhecida da população portuguesa e quando nos anos 60 começou a ser plantada como uma cultura agrícola para a produção de madeira, que era utilizada por uma indústria de sucesso (já nessa altura), e que dava trabalho a muitos milhares de portugueses, não se registavam contestações ao nível das que começamos a assistir nos finais dos anos 80.
Por vezes as empresas como os homens são vítimas do seu próprio sucesso e neste caso a indústria da pasta de papel, que sempre apresentou resultados positivos apesar das convulsões políticas e socioecónomicas que se seguiram ao 25 de Abril, começou então a ser “contestada” por grupos de cidadãos associados em organizações ditas “ambientalistas” e também pelas recém formadas instituições públicas ligadas ao “Ambiente”. Procuravam protagonismo ou se possível cortar alguma fatia do bolo em troca de moderar posições? Nunca o saberemos.
Na verdade nos anos em que trabalhei no terreno, junto dos proprietários agro-florestais, nunca estes se queixaram dos “malefícios” da cultura do eucalipto, a não ser em situações de extremas de propriedades ou de vizinhança.
A verdadeira mudança verificou-se quando foi atribuida uma cobertura exagerada e desproporcionada aos protestos dos “ambientalistas urbanos”, que animados dum espirito algo mesquinho e de inveja pelo sucesso, transmitiram ao “público” urbano uma ideia errada do que na verdade é e representava a cultura do eucalipto para a produção de pasta de papel. Ideias que infelizmente ainda perduram, apesar dos resultados da investigação científica e que, em meu entender, deveriam ser correctamente desmistificadas.
A cereja em cima do bolo da querela apareceu quando alguns governantes dos sucessivos governos e também alguns autarcas, viram uma janela de oportunidade se aderissem de forma directa aos protestos anteriormente referidos, que lhe poderiam angariar votos. Assim foram criando leis atrás de leis, que não proibindo a cultura do eucalipto, a dificultava burocraticamente, principalmente para os pequenos proprietários, impedindo-os de rentabilizar os seus terrenos, à falta de melhores alternativas. Neste cenário, paulatinamente, foram sendo criados inicialmente os chamados “estudos de impacte ambiental”, depois as RAN, REN, Natura 2000, os Parques Naturais, etc. Enquanto este verdadeiro impedimento de rentabilizar a propriedade privada ocorria ninguém reclamou… Pelo menos não recordamos quaisquer reportagens de rádios, jornais ou televisões e muito menos de grupos de cidadãos ligados ao ambiente insurgirem-se contra a apropriação de um direito fundamental da democracia que é a existência da propriedade privada, nem contra o crescente despovoamento do território, associado à quebra de rendimento da actividade agroflorestal. Ao mesmo tempo utilizavam-se por exemplo os regadios do Ribatejo ou da Beira Interior para produzir tabaco (porventura subsidiado) e nunca se ouviu nenhum protesto sobre esta questão. Julgamos ser muito mais pernicioso para a saúde pública o tabaco do que as plantações de eucalipto. Passeando pelo zonas rurais não é invulgar encontrar plantações de vinhas e pomares em zonas de encostas sem qualquer protecção contra a erosão (as linhas das culturas são perpendiculares às curvas de nível). Não conheço protestos ambientalistas nesta área. As descargas dos efluentes das unidades pecuárias e dos próprios municípios para as linhas de água, devido à inexistência, degradação ou mal funcionamento das ETARs, constituem um verdadeiro atentado à saúde pública e ao ambiente. Nunca assistimos a protesto de ambientalistas junto dessas unidades ou os poderes públicos, centrais e locais, exercerem as suas competências punitivas e restritivas nesta matéria.
Pelo exposto e tendo em conta as poucas alternativas que restam aos proprietários agro-florestais, em especial do minifúndio do litoral português, a actual proposta de alteração da legislação, apesar de não ser perfeita, é mais do que justa e necessária. Contudo existe, em meu entender, um factor que é determinante para o êxito deste grande progresso legislativo e que passa pela extensão, de modo a “ensinar” como produzir mais quantidade, melhor produto final e a melhor preço.
A este propósito é paradigmático e mesmo surpreendente o que se passa com a fileira do pinho, em especial com a sua industria tradicional – a serração. Verifica-se que em certas zonas do país estas indústrias basicamente desapareceram (basta analisar o numero de unidade que fechou nos últimos 5 anos), verificando-se um vazio de aproveitamento da madeira de pinho que valorize os investimentos realizados pelos proprietários. A madeira para serração sempre foi valorizada, uma vez que a sua utilização estava ligada principalmente à industria do mobiliário, sequencialmente para o fabrico de paletes e finalmente para a industria dos aglomerados. O interessante é que os grupos ambientalistas, que deveriam estar preocupados com o desaparecimento de indústrias a jusante, que realizassem o aproveitamento do material lenhoso de uma fileira com impacto directo no meio rural, nada dizem e não apresentam nem soluções nem alternativas para as populações.
Mas o mais surpreendente é que se verifica a utilização de madeira de pinho para serração, com mais de 40 cm de diâmetro, da maneira mais primária possível (ao nível da serradura) para a produção de peletes energéticas e nem os grupos ambientalistas, nem os meios de comunicação social, nem os próprios serviços públicos, que autorizam estes investimentos (centrais e autárquicos) e que devem supervisionar estas actividades, nada dizem… Porque será?
A verdade é que em diversas regiões do país já estão instaladas unidades produtoras de peletes com capacidades próximas das 100.000 t / ano, comportando-se como verdadeiros predadores da floresta local, uma vez que não possuem 1 ha de terreno e não fomentam a reflorestação, deixando o país bem mais pobre do que as plantações de eucalipto.
João Paulo Mourato
Engenheiro Agrónomo – Consultor
Membro Sénior da Ordem dos Engenheiros