As ONGs Zero e a Almargem denunciam que existem cerca de 6 500 hectares, com o conhecimento das autoridades, a usar águas públicas da Barragem de Alqueva sem autorização. A área é superior à dimensão da cidade do Porto e o uso ilegal para regadio ultrapassa em escala os aproveitamentos hidroagrícolas do Roxo, Vale do Sado e Campilhas e Alto Sado.
Segundo explicado em comunicado, grande parte das situações correspondem a projetos agrícolas de grande dimensão que estão parcialmente dentro dos perímetros de rega do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA), ou em áreas fora destes, mas autorizadas pela entidade gestora (áreas precárias).
“Apesar de os promotores serem já beneficiários do investimento público, decidiram ainda assim expandir mais a sua área, para zonas não autorizadas, não sujeitas a avaliação de impactes”, denuncia a Zero.
De acordo com a ONG, o uso desta água entra em conflito com áreas de proteção de águas públicas, está em áreas da Rede Natura 2000 e em possível violação dos planos diretores municipais (como em Beja e Serpa), “causando a destruição de charcos temporários mediterrânicos e a degradação de bosquetes de quercíneas que haviam sido excluídos dos blocos de rega oficiais após procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA)”.
As denúncias têm chegado à EDIA desde 2019, com ocorrências que foram identificadas já em 2018. Segundo a EDIA, apenas a partir de março de 2022 é que a entidade formalizou queixas junto à DGADR – mas apenas 35% da área identificada foi reportada.
“Num cenário em que a água é um bem tendencialmente mais escasso, tem de se garantir o estabelecimento de limites claros para o uso, que se pautem por princípios de equidade e que, no mínimo dos mínimos, garantam o cumprimento das Declarações de Impacte Ambiental e os regulamentos aplicáveis”, defende André Pinheiro, da Almargem.
Regras aplicadas ao regadio
Nesta campanha de rega, a EDIA irá restringir a água a ceder aos usufrutuários, usando valores de referência para a rega das culturas declaradas. A entidade gestora remeteu para a DGADR a instauração dos processos de contraordenação.
Segundo a autoridade nacional do regadio, em resposta ao ofício da ZERO, só em abril de 2023 foi proposta nomeação de um instrutor de processo de acusação, e estará em constituição uma equipa para dar resposta às situações conhecidas “no último ano”.
“A postura pouco decidida face a situações de abuso por parte das entidades competentes revela que não está garantida uma gestão sóbria e equilibrada das águas públicas. Como se explica a cedência de água para áreas que estão em violação ao ordenamento do território? Como se admite o regadio em áreas não autorizadas, de grandes dimensões, durante anos?”, denuncia Pedro Horta, da ZERO.
As áreas precárias eram, em 2021, quase 36 mil hectares, mais de 30% da área regada pelo EFMA. Apesar da EDIA ter manifestado, em 2019, que não iria atribuir água a título precário para culturas permanentes, entre 2019 e 2021 registou-se um aumento de mais de quatro mil ha nas áreas precárias, o que corresponde a quase exclusivamente novas áreas de culturas permanente, explicam as ONG.
Ambas as organizações denunciam ainda que “esta opção de gestão se generaliza a vários outros regadios coletivos de iniciativa estatal geridos por associações de regantes e beneficiários. Nas bacias hidrográficas do Guadiana, do Mira e do Sado a área regada a título precário mais que quadruplicou, sem que tenha sido feita avaliação de impactes”.