A Casa do Arroz está a preparar uma campanha para promoção do arroz Carolino junto dos consumidores. Com as novas variedades nacionais já em fase de teste, João Reis Mendes, diretor desta interprofissional, falou à VIDA RURAL sobre as oportunidades para a cultura do arroz e as perspetivas desta campanha.
A Casa do Arroz está a apostar fortemente numa campanha para promover o arroz Carolino. Quais são os objetivos?
Enquanto organização de fileira, a Casa do Arroz agrupa os principais operadores, a produção, a indústria e o comércio. Do lado da produção representamos 70% do volume produzido, do lado da indústria 60% e, na distribuição, mais de 50%. Constituímos a interprofissional e o objetivo inicial era promover e defender o nosso arroz, o arroz produzido em Portugal, e por isso só poderíamos escolher o Carolino, que é aquele que é cultivado em maior área e que tem características específicas que o podem diferenciar dos outros Agulhas, que temos sempre de importar porque somos grandes consumidores.
Os maiores consumidores da Europa…
Sim, consumimos 17/18 kg per capita/ano. A média europeia anda nos 4,5/5… E temos de importar 40% das nossas necessidades.
Mas também somos produtores de variedades de Agulha…
Sim, mas o Agulha europeu não tem um aspeto tão longilíneo como o da América do Norte ou do Sul…
Mas isso tem a ver com o facto de ainda não termos encontrado a variedade certa para as nossas condições?
A União Europeia tem uma lista de variedades autorizadas e só essas podem ser cultivadas. O problema é que, em termos de investigação varietal, Portugal parou a seguir ao 25 de abril. Recomeçámos há 10 anos e nesta fase estamos quase a conseguir variedades nacionais que possam ser interessantes para os produtores, porque neste momento estamos dependentes das variedades italianas…
Há praticamente um monopólio dos italianos…
Eles são os principais fornecedores de semente para Portugal. E, portanto, depois de termos as variedades portuguesas, espero que estejamos em condições de dar outro salto, porque estamos a estudar quer Agulhas, quer Carolinos. Em relação à campanha do Carolino, defendemos que tem de ser institucional, tem de envolver toda a gente, não pode ser marca A ou B ou região A ou B. Tem de ser uma campanha para promover o arroz nacional, tem de ser forte e duradoura, três anos pelo menos… Até aqui não havia suporte legislativo que apoiasse este tipo de iniciativas no âmbito das organizações interprofissionais, mas o novo Quadro Comunitário já prevê um apoio para estas organizações.
Que tipo de ações estão planeadas para esta campanha?
O foco será no consumidor, com um filme publicitário em prime time nas televisões. Vamos envolver os chefs, fazer festivais regionais com a sua participação, eles são fundamentais neste processo de comunicação. A comida está na moda, temos de usar a nossa sabedoria nacional, que temos muita e boa. Vamos ter uma música própria, participar em programas televisivos e nas novelas. Será uma campanha forte e com continuidade. Está tudo preparado, é só ter o click para avançar…
O click é financeiro?
Sim, isto é caro, custa muito dinheiro. O PDR 2020 e o Portugal 2020 também apoiam estas iniciativas. Nós já concorremos no último Quadro, mas fomos no final e já não havia dotação orçamental suficiente, já não conseguimos. A medida está para abrir e estamos com as baterias apontadas.
Disse que a investigação parou durante alguns anos, mas neste momento estamos prestes a encontrar as variedades… Será para breve?
A investigação genética de variedades novas parou nos anos 70. Nessa altura estava centrada na Estação Agronómica, antigo INIA, e em determinado momento foi criado o Centro de Orizicultura em Salvaterra de Magos, que tinha como objetivo passar a assumir o papel de motor da investigação relacionada com o arroz, associando todos os intervenientes e diversos agentes. Na altura foi possível fazer essa concessão a um grupo que envolveu a AOP [Associação dos Orizicultores de Portugal], a CAP, a ANIA [Associação Nacional dos Industriais de Arroz], as universidades. Mas esse Centro de Orizicultura não foi dotado dos recursos necessários e ao fim de 12 anos de protocolo o Ministério da Agricultura entendeu que devíamos revitalizar o setor da orizicultura e reformular os parceiros e a envolvente associada.
Depois de algum período de negociação, foi criado o COTArroz que é um centro operativo já de acordo com a legislação da altura, com o objetivo de fazer alguma investigação e experimentação. E essa experimentação passou a ser feita em Salvaterra de Magos, porque o COTArroz utiliza terras cedidas, do Ministério da Agricultura e da Companhia das Lezírias, por protocolo. E nós, enquanto associações, e falo pela AOP e pela ANIA, tentámos conseguir recursos alternativos aos tradicionais, que são as quotizações e os subsídios, e conseguimos envolver alguns parceiros, empresas e agrupamentos de produtores. A Aparroz, a Orivárzea, a Benagro, a Lusosem… e este grupo dispôs-se a fazer um investimento maior para além daquilo que está estabelecido nos estatutos do COTArroz, que implica uma verba anual para financiar o processo de procura de variedade.
Nessa altura conseguiram-se técnicos especialistas afetos ao projeto e começámos o processo de melhoramento e de escolha de variedades. Juntamente com a indústria e com a produção, definimos as características que deviam ser procuradas, o que os agricultores queriam para as suas plantas no campo e o que o industrial queria para o grão. Conseguimos identificar a questão da produtividade, a questão da resistência à acama e da resistência às doenças, e do lado do grão conseguimos identificar que o Carolino seria a aposta maior, mas não podíamos descurar o Agulha porque também somos consumidores. Foram estes os parâmetros que o melhorador foi procurar.
A ideia foi encontrar o que os produtores queriam ou o que estaria mais adaptado ao mercado?
As duas coisas. Enfim, talvez a parte agronómica seja mais importante, a aptidão cultural tem de ser real, tem de acontecer em Portugal. Estamos completamente dependentes das sementes italianas, que são caras por natureza e que têm um circuito comercial que as torna mais caras ainda e isso pesa na conta de cultura. A maioria dos agricultores está a produzir arroz em modo de produção integrada, que obriga à utilização de semente certificada, e essa semente certificada só está disponível nos mercados espanhol e italiano, porque cá não existem. O objetivo é melhorar a qualidade intrínseca da semente, temos necessidade de ter variedades adaptadas às nossas condições edafoclimáticas, e por isso estamos à procura de Agulhas e Carolinos. O processo é feito através do cruzamento de variedades existentes com variedades da nossa base que o INIA ainda tinha. Já estamos na fase de experimentações nas três regiões produtoras, o processo é um pouco complexo.
Ou seja, as variedades estão encontradas?
Temos várias linhas que são consideradas muito boas, talvez umas oito entre Agulhas e Carolinos, que respeitam os parâmetros definidos e têm bons resultados. Agora é uma questão de tempo, penso que mais dois anos… Já estão inscritas no catálogo para poderem ser registadas e depois temos de encontrar uma forma de comercialização e distribuição dessas variedades junto da lavoura. E da manutenção do processo, porque isto não se esgota quando encontrarmos as variedades, não paramos, porque a todo o momento temos de procurar melhorar, é mesmo assim, isso implica um compromisso de todos os agentes do COTArroz para esse trabalho. Mas daqui a dois anos, com a chegada destas variedades, teremos algumas receitas e royalties que daqui resultam, porque vamos registá-las em nome daqueles que as procuraram, e vamos ter alguma receita que vai alimentar o futuro da investigação e experimentação. É isto que se pretende…
Em que é que isso pode realmente trazer mais valor para os produtores? O preço da semente vai baixar?
Na nossa expectativa, os custos finais da semente serão mais baixos com toda a certeza. E por essa via vamos melhorar e dar um apport aos nossos agricultores. O objetivo é produzir algo que toda a gente quer: que o produtor gosta, que a indústria quer e que o consumidor aprecie. Mas só depois de termos as variedades fixadas na sua totalidade poderemos perceber…
Disse que estão a testar nas regiões…
Sim, estamos a testar todas as variedades nas regiões de produção para ver como se comportam em extensão. Eu acompanho de perto a parte de Alcácer e o ano passado teve um sucesso assinalável… Este ano estamos com uma primeira fase muito boa também, esperamos que o projeto tenha os resultados esperados.
Contamos com um especialista que nos tem apoiado sempre com muita força que é o engenheiro Benvindo Maçãs, que está em Elvas. E agora temos a engenheira Ana Sofia Almeida que agarrou o projeto mais de perto. E, na realidade, agora temos alguns recursos que nos deram uma ajuda para desenvolver o projeto, mas o melhoramento é um processo longo.
Como é que olha, nesta conjuntura, para o mercado do arroz? Continua a ser aliciante produzir?
Este ano a produção vai ter o primeiro ano com a experiência da nova PAC. Houve uma alteração substancial dos apoios, e o arroz, juntamente com o tomate, foram as culturas mais penalizadas com o desligamento das ajudas, porque tinham ajudas por hectare muito altas, justificadas pelos altos custos de produção em relação a outras culturas. Mas a PAC diz que tem de existir uma normalização do pagamento-base ao agricultor e, portanto, até 2020 vamos reduzir o nosso pagamento-base. Foi possível, com alguma força da produção e da indústria, conseguir que em Portugal fosse aplicado um apoio associado, uma ajuda ligada a quem produz, para minorar este impacto negativo que tínhamos. Mas o arroz tem uma série de contingências que o diferencia dos outros, está em zonas completamente planas, com infraestruturas e investimentos fundiários preparados para isso, é feito em grande parte, cerca de 30 a 40%, em zonas salgadas onde não é possível ter outra cultura que seja tão resistente ao sal, e tem por essa via algumas dificuldades de encontrar alternativas culturais, uma parte da área é possível reconverter mas outra não é. A atividade está normalmente integrada em reservas naturais onde há uma simbiose quase perfeita com o aspeto ambiental, por causa da fauna específica que acompanha o arroz, porque são quatro meses de água na altura em que está calor e desenvolvem-se uma fauna e flora específicas. O arroz convive bem com a natureza e como fazemos tudo, ou quase tudo, em produção integrada, estamos a ajudar o ambiente.
Quando esta ajuda transitória acabar, como é que vamos conseguir que seja o mercado a resolver esta questão? Como é que a fileira vai conseguir valorizar mais este produto?
O setor do arroz é um dos que está mais organizado e, efetivamente, já há um conjunto de agrupamentos que conseguem concentrar a oferta e por essa via conseguir melhor receita na venda. Mas ainda há muito por fazer… Estou convencido que os pequenos agricultores são os que estão menos organizados, e na zona do Mondego há essa carência de associações que possam representá-los e vender e concentrar, porque têm áreas muito pequenas. Há ainda muito trabalho por fazer para se agruparem, porque uma OP cria uma estrutura que pode desenvolver outras áreas, para além de vender o arroz, e valorizá-lo através deste circuito das organizações e da indústria. Porque o agricultor não é, por vocação, um comercial, ele não sabe vender e procurar mercado. Curiosamente, em Itália, visitei uma exploração de arroz em que o produtor fazia o processo todo, fazia a produção, a secagem, a transformação, o embalamento, exportava e estava completamente autossuficiente. Evidentemente que este não é um exemplo para todos, mas é um exemplo curioso e não era uma exploração assim tão grande. Tinha marca, uma embalagem giríssima, exportava para Portugal para o El Corte Inglés, para Nova Iorque, e só fazia aquelas variedades e nem se preocupava com os custos de produção ou com as ajudas. Os custos são parecidos com os nossos, mas tem as mais-valias na venda pelo valor acrescentado que conseguiu…
É essa a questão…
Do lado da produção temos a questão da organização de produtores. Do lado da indústria, não quero falar em nome deles, mas são tão poucos que deveria haver maior facilidade de entendimento no sentido de encontrar pontos comuns, porque guerras ou divergências permanentes resultam em desvalorização do produto, a competição para ganhar competidores resulta em desvalorização. Tem de existir uma mentalização de todos os agentes no sentido de ver os pontos comuns, para defendermos o nosso arroz.
A exportação é uma aposta viável?
É uma saída, não tenho dúvidas. Hoje o mundo é o nosso mercado e não produzimos assim tanto que possa inundar o mercado. Podemos colocar o nosso produto no estrangeiro, nas comunidades portuguesas que consomem arroz ou nas comunidades que comem arroz de qualidade e que querem algo diferente. Mesmo para a América! Parece que todos têm medo de exportar para lá, e as exportações para a América são iguais a tantas outras, a diferença é que há maior potencial…
É uma amálgama de raças e de culturas, têm muitos latinos, europeus, judeus, consumidores… Há acordos que têm de ser respeitados, mas há que tentar encontrar mercados alternativos.
Já começámos a exportar nos últimos anos?
Alguma coisa, mas muito pouco, não passa de 5 a 10% da produção. Mas temos capacidade para crescer. Acontece que os nossos colegas produtores também colocam cá o arroz deles para competir com o nosso, estamos a ser progressivamente invadidos, principalmente pelo arroz espanhol. O mercado é completamente aberto e, se o é, funciona para os todos os lados, mas não podemos ficar a chorar que o consumidor prefere o arroz estrangeiro.
Há muito potencial para valorizar, começando pela gastronomia…
Sem dúvida que a moda da comida, da cozinha e da gastronomia está num ponto alto. Há canais de TV, programas específicos, concursos, temos de apanhar esta onda e transformar o arroz num produto de excelência para a cozinha portuguesa e aliá-lo à cozinha inovadora.
Como é que está a correr esta campanha?
A campanha começou bem, sem grandes perturbações climatéricas, que é sempre o fator mais complicado, ao contrário do ano passado que foi uma campanha complicadíssima, de pouco calor, com baixa produtividade e produção de baixa qualidade. Este ano há calor, que o arroz gosta porque é uma cultura tropical, e estamos com uma perspetiva, nesta fase, de que o resultado será melhor. Esperamos que depois haja procura do produto, há canais de exportação abertos para arroz em casca, e pode ser uma boa campanha para a produção e para a indústria. Tenho de realçar um grande trabalho feito com a Direção-Geral de Agricultura e Veterinária no sentido de encontrar soluções de combate às infestantes, que é sempre um problema porque estamos cada vez com menos soluções em termos de agroquímicos.
A redução da lista de substâncias autorizadas prejudicou a cultura?
Sim, sim. Muito.
Estão a contornar esta questão com o mecanismo dos usos menores?
Sim, temos algumas soluções dos usos menores no caso do combate aos afídeos, à lagarta, mas o problema principal são as infestantes. Os produtos disponíveis não estão a ter resultados, recorremos de alguma forma a autorizações extraordinárias de produtos que são um pouco mais complicados em termos ambientais, mas são autorizações provisórias que nos estão a ajudar nesta fase, enquanto as empresas que estão a desenvolver novas moléculas não colocam no mercado novos produtos. Daqui a mais dois anos já haverá soluções, já temos essa informação, mas o facto é que sem estes instrumentos torna-se complicado fazer arroz, que é uma cultura em meio aquático, é uma concorrência quase desleal com as infestantes. Temos de compreender que as exigências alimentares são cada vez maiores e temos de encontrar alternativas.
A evolução a esse nível foi enorme, não é comparável a forma como se trata o arroz hoje ou há 15 anos…
Mas isso não é igual em todas as zonas da Europa… os espanhóis usam produtos que nós já não usamos, como o Ordram, por exemplo, que é um molinato, que já não usamos e está fora da nossa lista de utilização… os italianos usam outros, há aqui alguma descoordenação que devia ser melhorada, o reconhecimento mútuo entre os países da mesma zona devia estar mais afinado. Não se percebe bem, há produtos homologados em Itália que cá não estão, mas isso também passa pelas políticas comerciais das empresas, pelos obtentores e distribuidores, esperamos que melhore também nesse aspeto. Do lado da produção de arroz estamos satisfeitos com a colaboração que tivemos este ano com a DGAV, como referi. Do ponto de vista da utilização do avião, este é também um processo que está a ser acompanhado. O uso de avião não é permitido a partir da nova diretiva, mas excecionalmente é permitido para o arroz. Em Portugal, praticamente só utilizamos no sul e nas sementeiras e adubações. Nos fitofármacos não é tão problemático, embora seja necessário usar nalguns casos, quando o tempo para fazer o tratamento é muito curto e a área é muito grande o avião é o meio ideal para fazer um tratamento eficaz.
Artigo publicado na edição de julho/agosto de 2015 da revista VIDA RURAL