A injecção é o método recomendado para aplicação ao solo de efluentes pecuários, nomeadamente chorumes. No entanto, esta técnica apresenta várias limitações pelo que são aqui avaliadas, em termos de produtividade das culturas e impactos ambientais, duas práticas alternativas – aplicação em bandas de chorume tratado por separação mecânica ou por acidificação.
Em Portugal, as explorações agro-pecuárias de bovinicultura leiteira e suinicultura produzem anualmente cerca de 15 milhões de toneladas de chorume (efluente líquido) que são maioritariamente aplicadas ao solo como fonte de nutrientes e matéria orgânica, o que pode constituir uma mais-valia económica e sobretudo ecológica. No entanto, aquando da sua aplicação ocorrem importantes perdas de azoto sob a forma gasosa (amoníaco – NH3) que se podem prolongar até 48 horas se o chorume não for imediatamente incorporado no solo. Estas emissões podem conduzir a problemas ambientais decorrentes da sua amplitude nomeadamente a chuvas ácidas. Por outro lado, as emissões de amoníaco representam uma perda muito significativa de azoto podendo chegar aos 50% do azoto mineral do chorume (azoto imediatamente disponível para as plantas).
Quando ocorre forte precipitação nos dias seguintes à aplicação, parte do azoto aplicado ao solo através do chorume é sujeito a lixiviação sob a forma de nitratos. O ião nitrato é uma das formas de azoto disponíveis para as plantas mas, acima de determinada concentração, torna-se tóxico para os humanos pelo que a contaminação das águas para consumo com este elemento pode representar um problema de saúde pública.
A aplicação de chorume em Portugal é feita essencialmente por aplicação superficial com prato espalhador (Figura 1) seguida de incorporação (designado aqui como aplicação tradicional). No entanto, esta prática dá origem a grandes perdas de NH3 além de requerer duas passagens de máquinas, uma para aplicação e outra para incorporação o que pode originar problemas de compactação dos solos além dos elevados custos associados. Por todas estas razões, a injecção é a prática actualmente recomendada (Figura 2) mostrando-se eficiente na redução de odores e de emissões de NH3. Contudo, exige um importante investimento em maquinaria, um aumento de consumo de energia durante a aplicação e pode não ser viável em certas zonas do país devido à textura dos solos e dimensão das parcelas.
No âmbito do projecto “Gestão agronómica e ambiental de chorumes: práticas sustentáveis de aplicação ao solo” financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (PTDC/AGR-PRO/119428/2010), a aplicação superficial em bandas de chorumes pré-tratados está a ser avaliada em termos agronómicos e ambientais relativamente à aplicação tradicional e injecção no solo de chorume não tratado.
Os dois pré-tratamentos de chorumes considerados são a separação das fases sólida/líquida por via mecânica (prensa) e a acidificação.
Tratamento de chorume
A separação do chorume em duas fracções, fracção líquida (FL) e fracção sólida (FS), por via mecânica (com tamisador, centrífuga, ou prensa) é uma prática bastante utilizada em Portugal, principalmente em suiniculturas (Figura 3). A FS assim obtida é um material com alguma humidade rico em matéria orgânica e nutrientes como o azoto e o fósforo. A FS pode ser aplicada directamente ao solo ou pode ser sujeita a compostagem com o fim de se obter um material seco higienizado e estabilizado que poderá ser vendido como correctivo orgânico para outras explorações agrícolas.
A FL é um material rico em nutrientes numa forma imediatamente disponível para as plantas (azoto, fósforo e potássio), podendo ser usada em fertirega ou aplicada ao solo com os métodos convencionais.
A acidificação é outro tratamento do chorume utilizado para minimizar as emissões de amoníaco tanto durante o período de armazenamento como durante a aplicação ao solo. Este tratamento consiste em adicionar ácido concentrado ao chorume sendo o volume de ácido adaptado às características do chorume. Esta prática é utilizada maioritariamente nos países do Norte da Europa (20% do chorume aplicado ao solo é já acidificado na Dinamarca) mas tem demonstrado um grande potencial. Como veremos mais adiante, a aplicação ao solo de chorume acidificado traz mais benefícios para além de reduzir em quase 100% as emissões de amoníaco. No entanto, este tratamento deve ser efectuado por pessoal devidamente treinado para o efeito dado os riscos associados ao manuseamento de ácidos concentrados. Estão actualmente a ser desenvolvidos estudos no âmbito do projecto ReUseWaste (n.° 289887) financiado pelo sétimo programa-quadro da União Europeia [FP7/2007-2013], com o fim de optimizar este tratamento, nomeadamente encontrar alternativas à utilização de ácidos concentrados, o que permitiria que este tratamento pudesse ser realizado directamente pelo produtor. Algumas características dos produtos obtidos após tratamento de chorume de porco por acidificação e/ou separação apresentam-se na tabela 1.
Destacam-se as maiores concentrações de fósforo e azoto na fracção sólida de chorume relativamente ao chorume bruto e um aumento da concentração de fósforo na fracção líquida quando o chorume foi previamente acidificado.
A acidificação do chorume permite ainda obter um material mais homogéneo ao longo de todo o período de aplicação ao solo, uma vez que não ocorrem perdas de azoto. Isto permite adequar com maior rigor a quantidade de chorume a aplicar às culturas para satisfazer as necessidades das plantas em azoto.
Eficiência da aplicação ao solo de chorumes tratados
Quando a fracção líquida é aplicada ao solo em bandas sem posterior incorporação, observa-se um aumento das perdas de azoto na forma de amoníaco em relação à injecção ou aplicação tradicional. No entanto, quando é aplicado chorume acidificado as emissões de amoníaco são praticamente nulas tanto durante a aplicação como nos dias seguintes.
Se considerarmos as perdas de azoto por lixiviação, os resultados obtidos nos ensaios realizados indicam que pode ocorrer maior lixiviação de nitrato quando a fracção líquida é aplicada. No entanto, as perdas por lixiviação após aplicação de chorume acidificado são similares às perdas observadas com o método tradicional ou injecção. É de salientar que a acidificação do chorume poderá induzir um aumento da lixiviação de alguns elementos como o fósforo, cobre, zinco ou manganês provocando assim uma possível contaminação das águas e empobrecimento dos solos.
O valor agronómico do chorume acidificado e da fracção líquida foi avaliado com 2 culturas, milho forrageiro e aveia, considerando vários tipos de solo representativos da área agrícola portuguesa. Na cultura de milho, a aplicação de fracção líquida originou produções superiores ou iguais às produções obtidas com aplicação tradicional ou injecção de chorume não tratado. No entanto a aplicação de chorume acidificado permitiu sempre obter produções superiores às obtidas com aplicação tradicional ou injecção.
No caso da cultura de aveia, as diferenças entre produções não são tão evidentes sendo de destacar o facto da aplicação de chorume tratado nunca ter conduzido a qualquer diminuição da produção. Estudos realizados em vasos indicam que o chorume acidificado poderá ter um efeito “starter” na cultura do milho devido à sua maior concentração em fósforo disponível para as plantas. Este efeito foi observado nos trabalhos realizados em campo, mas é necessário realizar mais ensaios experimentais para poder confirmar esta mais-valia.
Conclusões
A aplicação em bandas de chorume acidificado surge como uma alternativa forte à injecção de chorume. Além do potencial aumento da produção de forragem, esta técnica pode ser utilizada em qualquer tipo de solo e em parcelas com dimensões reduzidas. O custo do estabelecimento de tal prática em Portugal é difícil de avaliar dado não existir actualmente nenhuma empresa a fornecer este serviço. No entanto, à semelhança do que acontece noutros países europeus, acreditamos que possa a vir a constituir uma solução preferencial em muitas explorações agro-pecuárias portuguesas.
Agradecimentos
Este trabalho foi financiado pelo Estado Português através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projecto “Animal slurry management: sustainable practices at field scale” (PTDC/AGR-PRO/119428/2010), do projecto (ProjectPEst-OE/AGR/UI0528/2011) da UIQA e de uma bolsa de pós-doutoramento atribuída ao Dr. David Fangueiro (SFRH/BPD/84229/2012).
O trabalho que conduziu aos resultados aqui apresentados foi financiado pelo programa People (Marie Curie Actions) do sétimo programa-quadro da União Europeia FP7/2007‑2013/ – REA grant agreement n° [289887].
Este documento reflecte apenas as opiniões do autor e a União Europeia não pode ser responsabilizada pelo uso da informação aqui apresentada.
Os autores escreveram este texto de acordo com a anterior grafia
Figura 1 – © Mark Edwards, Hard Rain Picture Library
Figura 2 – © http://news.cision.com
Figura 3 – © David Fangueiro
Figura 4 – Sistema automático de acidificação de chorume na fase de aplicação. © Frank Bondgaard
Figura 5 – Sistema automático de acidificação de chorume em estábulo. © Lone E. Haargaard. Knowledge Centre for Agriculture
Artigo publicado na edição de dezembro de 2013 da revista VIDA RURAL