A agricultura moderna tem de ser competitiva, produtiva, rentável e sustentável… numa palavra: Eficiente. Para isso, os agricultores recorrem cada vez mais à tecnologia para mitigar custos e também medir inúmeras variáveis – clima, humidade, solo, estado vegetativo, necessidades da planta, produtividade… – tudo para tomarem a decisão certa na altura certa, poupando recursos e maximizando o resultado. Mas, como explica o investigador Ricardo Braga: “agricultura de precisão não é tecnologia, mas a forma de ver a gestão e a vontade de querer melhorar”.
Se há dez ou, talvez, cinco anos dissessem aos agricultores que hoje estariam a usar drones para avaliar o estado vegetativo das suas plantas, muitos diriam que era ficção científica… A verdade é que essa é apenas uma das ferramentas que os produtores têm hoje para serem mais eficientes. Os ‘agrorrobôs’ começam já a ser uma realidade, embora ainda pouco por cá, mas Ricardo Braga, professor do Instituto Superior de Agronomia (ISA) e especialista em agricultura de precisão, salienta que “isso não é mesmo o mais importante, o que interessa é a postura do agricultor que, de facto, tem vindo a mudar”, principalmente com a chegada de novos empresários ao setor, muitos vindos de áreas que nada têm a ver com a agricultura, mas imbuídos de uma cultura de gestão para a melhoria e eficiência.
Reconhecendo que a ‘revolução’ robótica na agricultura “vai mesmo acontecer, é apenas uma questão de quando”, Ricardo Braga frisa: “enquanto vem e não vem há muito que pode ser feito e com custos moderados”.
Este novo modelo de gestão da exploração agrícola, explica o professor, implica quatro fases básicas: recolha/medição de dados (sondas, estações meteorológicas, cartas de NDVI, condutividade elétrica do solo, levantamento das parcelas, cartas de produtividade, etc.); interpretação e análise da informação; decisão e, finalmente, aplicação no terreno.
Tudo gira em torno da informação: quanto mais e exata for, melhor será a decisão do agricultor e, previsivelmente, a produtividade e rentabilidade da exploração.
João Coimbra, produtor de milho do Ribatejo, e que tem sido pioneiro no uso de novas tecnologias, defende que “a agricultura tem de enveredar por um caminho de intensificação sustentável”, económica, ambiental e socialmente. Para isso, “temos de saber tudo o que se passa, onde se passa e, melhor ainda, tudo o que se vai passar para podermos agir por antecipação”, aproveitando os melhores momentos, corrigindo e evitando reveses, para conseguir uma produção melhor e o mais alta possível, apenas com os recursos necessários, sem desperdício.
Aceder e gerir a informação
Mas com cada vez mais dados disponíveis, provenientes de fontes diversas e, quase sempre, em ‘linguagens’ diferentes, os agricultores começam hoje a ter um problema de falta de tempo e capacidade de ‘digerir’ toda essa informação. Por isso, o professor do ISA diz que há espaço para empresas analíticas, que fazem a gestão da informação” e existem já várias empresas e projetos em curso para a criação de plataformas integradas, onde o produtor possa ter uma ‘radiografia’ o mais completa possível da sua exploração, com a leitura de todos os dados num mesmo local.
José Rafael, professor da Universidade de Évora e gerente da empresa de consultoria Agro Insider, criada em 2015, explica à VIDA RURAL, que “o problema de gestão da informação é complexo e caro. Os empresários agrícolas têm hoje tudo separado em vários sistemas, por isso na Agro Insider criámos uma plataforma onde estão as informações do solo e da planta, integradas com dados do sistema de radares Sentinel, que deteta vários indicadores como humidade e rugosidade, até de germinação da planta, e recebemos diretamente informações de sensores IoT [Internet of Things – Internet das Coisas] da rede Sigfox, que cobre já todo o país”.
O gerente da empresa adianta: “não queremos médias, mas precisamente mapear as diferenças dentro da parcela. Por exemplo, numa medição em 80 hectares encontrámos desde barros a quase areia da praia, pelo que é óbvio que a gestão da aplicação dos nutrientes tem de ser feita de forma muito diversa”. Para isso, José Rafael está também a fazer análises que, em função das classes de condutividade elétrica do solo mostram os nutrientes do solo, “numa mesma parcela encontrámos níveis de fósforo que vão das 50 ppm [partes por milhão] às 200 ppm, pelo que podemos também fornecer ao agricultor cartas de nutrientes, como potássio, fósforo e outros”. E como já há equipamentos que permitem aplicações diferenciadas destes nutrientes, usados nomeadamente por prestadores de serviços, os produtores podem depois fazer as aplicações localizadas.
Também João Coimbra sentiu a necessidade e está integrado num projeto com Ricardo Braga do ISA e outros parceiros, “com o objetivo final de mitigar os efeitos das alterações climáticas – o smartcrop –, e que implica a criação de uma plataforma onde estará toda a informação da exploração, por camadas, para que o produtor possa aceder-lhe rapidamente e sobrepor as camadas necessárias em cada momento”, afirma o agricultor.
Toda a informação no mesmo local
Outro produtor, João Cortez de Lobão – que tem 575 hectares de olival (1,1 milhão de oliveiras) na Herdade Maria da Guarda, em Serpa –, procurou também soluções de gestão mais eficiente para a sua exploração e não encontrou. Por isso juntou-se ao Instituto Politécnico de Bragança e à Send It para a desenvolverem. O administrador da herdade, Carlos Martins explica o projeto que teve início em fevereiro de 2015: “precisávamos de ter uma gestão mais rigorosa da atividade para podermos ser mais eficientes, em termos de rentabilidade e também ambientalmente. E como as tarefas têm de ser todas encadeadas, queríamos ter acesso a tudo num mesmo local, mas a informação estava dispersa por colaboradores, plataformas e sistemas informáticos. O que encontrámos não cobria totalmente as nossas necessidades e os que se aproximavam exigiam muito tempo administrativo para a introdução de dados e nós queríamos algo que fizesse o upload direto ou em que os operadores pudessem fazer introdução ‘automática’ no sistema”. O responsável adianta que “a nossa ferramenta é, simultaneamente, um caderno de encargos online, integrado com gestão de stocks, de tarefas, da frota, dos colaboradores e de incidências, entre outras”.
O SIGA – Sistema Integrado de Gestão Agrícola – já tem algumas funcionalidades operacionais, como a gestão de incidências – “um operador vai num trator no terreno e vê uma fuga numa fita de rega, com dois ou três cliques comunica a ocorrência e a informação georreferenciada é de imediato transmitida à equipa de manutenção que avança para resolver o problema”, conta Carlos Martins, e deve estar a operar a 100% no verão.
A plataforma inclui também dados do sistema de rega, fertirrega e das sondas de humidade, mas “ainda não é ‘inteligente’, tem de haver alguém a analisá-los e de os introduzir, porque nós preferimos assim. Queremos que se mantenha o ‘patrulhamento agrícola’ porque o colaborador que faz a ronda pelas sondas duas vezes por semana para fazer as medições acaba sempre por detetar alguns problemas na rega ou nas plantas…”. O administrador adianta que a Herdade está a pensar acrescentar também uma estação meteorológica.
A gestão dos stocks e das tarefas também já estão em parte operacionais. Dá-se entrada das matérias-primas (adubos, agroquímicos, etc.) e o sistema vai dando baixa diretamente de cada uma delas quando se fazem os ‘cocktails’ de tratamentos, adubações, etc. que já estão disponíveis na plataforma, na altura de realizar cada tarefa. Depois, “à medida que o tratamento ou a adubação vai sendo feito pelo trator, com GPS, a cor da parcela vai mudando no mapa na aplicação”, revela Carlos Martins. No escritório, em Lisboa, “está instalado um dashboard, que faz a aglomeração de toda a informação, onde podemos ter uma visão global da herdade e do estado de cada tarefa. Os tablets e smartphones só têm acesso ao que necessitam”.
O responsável frisa que “assim conseguimos ter uma gestão muito mais rigorosa de tudo. A rega, por exemplo, que é fundamental, não é indiferente regar às 8 h ou às 12 h, seja pelo preço da água, que pode ser três vezes mais, ou pelas condições climatéricas e de absorção da planta”.
Tudo se mede
Carlos Martins refere igualmente que “a eficiência e a poupança estiveram na base da criação do SIGA, porque precisávamos de medir para gerir, e hoje tudo se mede. Já conseguimos ter números dos nossos gastos anuais em combustível, por exemplo, pelo que podemos estabelecer objetivos de X redução de ano para ano”. Ao nível do consumo de energia elétrica, a Herdade Maria da Guarda já tem toda a iluminação exterior através de painéis solares e “o lagar, onde produzimos 1,6 mil toneladas de azeite que exportamos na totalidade para Itália, já é muito eficiente pois queima o caroço da azeitona para produzir energia calorífica”.
A premissa de que ‘tudo se mede’ é precisamente o que motiva produtores como João Coimbra, ou Rui Veríssimo Batista, da Herdade de Conqueiros, mas também a Sogrape, o ‘gigante’ da produção vitivinícola nacional, a avançarem com sistemas e projetos para uma gestão mais eficiente.
O gerente da Conqueiros Invest explica-nos que a principal produção da herdade é milho, mas tem igualmente pastagens, arroz e gado bovino e que está agora a trabalhar com José Rafael, da Agro Insider, para ter uma plataforma onde consiga ter acesso às diversas variáveis e poder decidir melhor. “Ainda estamos no início, pois temos apenas um ano de resultados de produção, mas estamos agora a fazer também o levantamento geoelétrico do solo, que nos dará as características do solo e os seus nutrientes, para que possamos fazer uma adubação localizada, logo mais eficiente”. E acrescenta: “espero baixar as aplicações de fósforo e potássio, por exemplo, ou até usar a mesma quantidade, mas sabendo que estou a colocar nos sítios onde é mesmo preciso e onde vale a pena, onde a produção pode ser aumentada, pelo que o objetivo último é também ter ganhos de produtividade”.
O estudo do solo está a ser feito para poder sobrepor às cartas de produção e perceber se a variação tem a ver com diferenças no terreno, para as poder corrigir, ou não sendo possível, aplicar apenas o necessário para não ter os mesmo gastos com zonas onde a produtividade não pode crescer”.
Suporte à decisão
João Coimbra explica, por seu lado, que “o objetivo do smartcrop é medir tudo e validar todas as operações que fazemos ao longo do ano num sistema informático para que sirva de suporte à decisão”. Por isso, adianta, “estamos a unificar todas as bases de dados em camadas para poderem ser trabalhadas separadamente ou sobrepostas”.
O agricultor revela que um dos parceiros do projeto é uma empresa de consultoria agrícola que “vai funcionar como assessor agronómico, que é como quando levamos os exames ao médico, ele analisa, identifica o problema e recomenda a ‘cura’” e frisa: “queremos também que os resultados sejam extrapoláveis para possibilitarem que organizações de produtores (OP) e prestadores de serviços adiram a estas plataformas e possam depois disponibilizar informação a outros agricultores”.
João Coimbra alerta ainda que “há muito hardware no campo com muita informação disponível, mas da qual se tira muito pouco partido” e lembra a mudança que tem havido nos sistemas de rega: “no sistema convencional, mesmo já com equipamentos de medição, regávamos depois do ‘acontecimento’, mas hoje com os equipamentos de medição e a elaboração de cartas de rega, podemos regar por antecipação, o que é uma ferramenta muito importante para mitigar as alterações climáticas. Além de também já ser possível medir os consumos elétricos de cada equipamento”.
E devido a estas mudanças de clima, os pressupostos também têm de ser adaptados. João Coimbra explica que “para sermos mais rigorosos estamos a transformar os coeficientes culturais (KC), que são fixos e foram determinados pela FAO há 50 anos, em graus/dia, pois temos de nos preparar para sermos eficazes em qualquer tipo de clima” e conclui: “temos de levar ao máximo de eficácia cada setor de produção, porque todos podem influenciar, para podermos otimizar o processo produtivo”.
Vitivinicultura de precisão
A Sogrape, o maior grupo nacional do setor vitivinícola, também tem acompanhado a evolução em termos de tecnologias disponíveis para que a produção de vinho nas suas explorações seja mais eficiente. António Graça, responsável pelo departamento de Investigação e Desenvolvimento da empresa, conta-nos que “o departamento foi criado há 13 anos para aperfeiçoar os processos de produção, de marketing, de organização interna, vitícolas e industriais para obter melhores resultados com um mínimo de recursos e gerar valor a partir do conhecimento”.
Ao longo dos anos, aumentou-se consideravelmente a sensorização nas vinhas e em plataformas aerotransportadas “para podermos olhar para a vinha planta a planta e decidir intervenções na mesma escala. Há 20 anos faziam-se intervenções exploração a exploração, depois bloco a bloco e hoje estamos ao nível da planta”. A empresa tem 20 estações meteorológicas, conseguindo ter previsões a cinco dias de distância, centradas na própria vinha.
A viticultura de precisão da Sogrape está suportada em sistemas de informação geográfica, e isto também “como conceito de gestão. A unidade de gestão é a videira e temos uma plataforma onde todos os dados estão integrados, atuais e históricos, para termos um apoio à decisão muito mais rigoroso”.
E os resultados têm sido visíveis: “na exploração que temos perto da Vidigueira fomos adequando as dotações hídricas aos resultados enológicos pretendidos e, ao fim de cinco anos, conseguimos reduzir em 20% as necessidades de água mantendo a produtividade e a alta qualidade do vinho”, adianta António Graça.
Esta é uma área onde a gestão da matéria-prima tem de ser muito diferente das outras culturas agrícolas, salienta o responsável pelo departamento de I&D da Sogrape, porque “o valor do produto final é derivado da perceção sensorial”, assim, no futuro, a empresa quer conseguir fazer “a integração de toda a gestão em função do objetivo da perceção sensorial que querem ter, condicionando os itinerários técnicos e enológicos. Poderemos assim olhar para uma videira e dizer que tem potencial para produzir um vinho de 5€ ou de 100€”.
Integrar tecnologias e serviços
Helga Soares, gerente da Precision Land, conta à VIDA RURAL que “o core da nossa empresa é precisamente a integração de tecnologias e serviços num sistema de informação geográfico, analisar os dados e o terreno e fazer um mapa de prescrição de aplicação diferenciada de nutrientes/agroquímicos para uma otimização económica e ambiental, não gastando recursos para além do necessário”, adiantando que a empresa trabalha com agricultores, mas também com prestadores de serviços e várias organizações de produtores.
Uma OP que se preocupa cada vez mais com a eficiência e em passar informação e conhecimento aos seus 120 associados, que representam cerca de 6000 hectares, é a Torriba. Gonçalo Escudeiro, diretor executivo, diz-nos que “o nosso objetivo é não deixar o produtor sozinho, porque para ser um bom gestor tem de ter informação” e acrescenta que já “criámos um software acessível ao produtor para que ele possa fazer inputs por parcela ou subparcela, estando tudo identificado por código de barras com todas as informações da campanha do tomate, por exemplo, no balanço final que fazemos”.
O responsável afirma ainda que a OP faz também periodicamente a avaliação dos sistemas de rega “para ver se estão afinados e não sobredimensionados e recomendámos a instalação de baterias de condensadores para os equipamentos elétricos das explorações para eliminar a energia reativa”.
A Torriba decidiu também avançar com um projeto de miniprodução de energia com painéis fotovoltaicos, num investimento de 300 mil euros, “que já vai no quarto ano e está correr tão bem, que pensamos que conseguiremos ter retorno em cerca de seis anos e meio e não sete anos como previsto”. Este projeto também teve um ‘efeito de contágio’ nos associados, uma vez que cerca de 8% apostaram também neste sistema de produção de energia. “O nosso papel é precisamente sensibilizar os agricultores para todas as questões fundamentais para a eficiência da produção e das suas explorações, como a rega e a energia”, afirma o responsável acrescentando que “evoluiu-se muitíssimo nos sistemas de rega nos últimos cinco anos, pelo que considero que hoje o maior problema de eficiência está nas adubações”.
A Herdade dos Lagos, em Mértola, à semelhança da Torriba (ver texto principal) decidiu aproveitar o abundante sol da região e instalar painéis fotovoltaicos para a produção de energia, e vender à rede.
Dietmar Ochsenreiter, sócio-gerente da herdade explica-nos que “temos uma microgeração e três minigerações, num investimento total de 245 mil euros, de que esperamos ter retorno do investimento em sete anos e que deverá render 5% do capital investido quando os contratos terminarem”. Carlos Delgado, técnico da exploração, adianta que “optámos por este investimento porque havia precisamente o objetivo de eficiência energética, para que os custos energéticos fossem colmatados com a produção, que está a correr como previsto”. A Herdade dos Lagos tem 174 hectares de alfarroba, 80 ha de olival e 25 ha de vinha.
Já a Atlantic Growers, que produz duas variedades de pimento e tomate cherry em sistema de hidroponia em estufas de vidro, na zona de Odemira, optou por fazer uma central de cogeração, que “produz 3,350 kW, que vendemos à EDP, através de um motor que funciona a gás natural, num sistema muito eficiente que produz eletricidade, mas também calor e CO2 que são aproveitados para as estufas”, revela Ferry Enthoven, sócio-gerente da empresa.
Este investimento de cerca de três milhões de euros, feito em 2009, veio juntar-se ao já elevado investimento das estufas (cerca de um milhão de euros/hectare), que cobrem hoje 12,4 hectares, estando prevista uma nova área a ser construída em 2017 e que elevará o total para os 19 hectares. “Foi uma forma de baixar os custos energéticos”, produzindo energia e armazenando a água quente para o aquecimento das estufas à noite, através de tubos que circulam no chão, junto às plantas, e ainda aproveitar o CO2 necessário para a fotossíntese das plantas.
“O que vendemos em energia cobre os custos com a amortização e manutenção do equipamento – 30 €/hora – bem como o preço de compra do gás natural”, adianta o responsável.
Artigo publicado na edição de abril de 2016 da revista VIDA RURAL