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Agricultura de precisão

Gestão de precisão

drone especial

A necessidade premente de produzir mais, melhor e com menos custos obriga a uma gestão cada vez mais profissional das empresas agrícolas e, para isso, é fundamental ter informação sobre tudo o que se passa no campo. Após a computorização das máquinas – que continua a evoluir –, a agricultura de precisão centra-se agora na recolha de informações no campo para dar aos agricultores todos os dados para tomarem as melhores decisões sobre as suas culturas. Sondas de humidade, imagens aéreas e estações meteorológicas são os meios mais utilizados.

Com as tecnologias de ponta que estão atualmente a ser aplicadas na agricultura, é possível ao produtor saber praticamente tudo sobre as suas plantas, podendo assim decidir quando e quanto regar em cada parcela ou setor específico; que quantidade de fertilizantes a planta precisa e quando; se é necessário aplicar fitossanitários, quando e quanto; qual a melhor altura para a colheita, entre muitas outras decisões. Quanto mais e melhor informação, mais precisa será a decisão.

Depois da ‘revolução’ que foi a incorporação de computadores nas máquinas e alfaias agrícolas, a precisão da agricultura é, cada vez mais, ao nível de cada planta, de cada fruto.

Ricardo Braga do Instituto Superior de Agronomia (ISA), que desde 1996 anda a ‘evangelizar a agricultura de precisão’, afirma que “estamos na fase da informação e do conhecimento” e salienta que “a ideia de que a agricultura de precisão é cara e que é só para grandes áreas, tem de ser desmistificada. Há soluções para tirar partido da agricultura de precisão com investimentos moderados. Não há barato nem caro, há custo versus benefício e a rentabilidade só é mesurável caso a caso”.

Sónia Garcia, diretora técnica da TerraPro Technologies (do grupo UaVision), empresa de prestação de serviços de otimização da gestão agrícola e apoio direto ao produtor, explica-nos que as imagens de satélite, com tratamento NDVI (espectro de infravermelho próximo que permite captar a radiação das plantas e, logo, o seu vigor – Ver Figura, com exemplo de três imagens de satélite), “podem custar ao produtor cerca de 3€ por hectare”, embora tenham resoluções de apenas cinco a 20 metros, sendo por isso utilizadas para áreas maiores. A responsável adianta que no caso dos aviões a resolução vai ao nível da planta (10/15 cm) e nos drones ao nível de cada folha.

Ricardo Braga refere o exemplo da vinha, onde “já são muito usadas as imagens NDVI de avião ou mesmo de drones, na fase do pintor ou pré-pintor, para a vindima segmentada e onde os custos podem rondar os 40/50€ por hectare, ou seja cerca de 40 kg de uva/40 garrafas de vinho, o que é claramente pouco significativo”.

O professor salienta que para se saber se vale a pena investir nestas tecnologias é sempre preciso um investimento inicial para se fazer, pelo menos, a caraterização do solo, “quanto maior a variabilidade, mais se justificam os investimentos”. Em explorações ou parcelas com solos ‘perfeitos’ a variabilidade é pequena, pelo que a evolução das plantas dá-se de maneira mais uniforme. Quanto maior a variabilidade, mais possibilidade existe de as plantas precisarem de estímulos (água, nutrientes, etc.) localizados para que a parcela produza uniformemente e no seu potencial máximo. Para isso, há que ter informação sobre as condições específicas em cada área da parcela.

FATORES IMPEDITIVOS

Para Ricardo Braga, há principalmente três fatores que criam estrangulamentos e impedem uma adoção mais generalizada da agricultura de precisão:

  1. Formação – As aplicações deveriam ser mais low tech porque, nesta altura ainda é preciso os técnicos serem formados para operarem as máquinas e interpretarem todos estes sistemas;
  2. Mudança de paradigma – É preciso haver formação, artigos, ‘evangelização’, para que a agricultura deixe de pensar em médias e passar a pensar de forma geográfica, isto é se o solo varia, a produtividade e a evolução da planta também varia;
  3. Não há garantias à partida – Não se pode garantir que, com o facto de ter informação sobre o que se passa no campo, se vai conseguir mais rentabilidade, produtividade, etc. Tem sempre de ser experimentado e analisado caso a caso.

Gestão de precisão

João Coimbra, produtor de milho do Ribatejo e que tem sido pioneiro no uso de novas tecnologias, afirma: “temos de fazer sobretudo uma gestão de precisão e para isso, a informação é fundamental”. O agricultor salienta que “a gestão da rega está no centro” de toda a intensificação da produção que se tem vindo a realizar nos últimos anos, mas frisa que é necessário, principalmente, ter uma visão sustentável (económica e ambiental) da exploração. Por isso, este agricultor utiliza todos os meios à sua disposição: sondas de humidade, estações meteorológicas, imagens NDVI de satélite, avião e drone (próprio), produção de energia através de painéis solares, uso de tratores e outras alfaias (semeadores, pulverizadores, espalhadores, ceifeiras, etc.) com GPS e vários sistemas computorizados. “Registamos e fazemos assim a gestão informática de tudo o que se passa no campo. Não é por acaso que somos dez pessoas na empresa, sendo que cinco estão no escritório, quando há 25 anos havia 60 pessoas no campo” diz João Coimbra, frisando que “mais recentemente, a cloud permitiu-nos ainda mobilidade no acesso a todos os dados. Não é preciso estar no escritório, por isso, praticamente não trabalhamos ao fim de semana”, o que é um aumento fantástico da qualidade de vida do agricultor.

"Temos de fazer uma gestão de precisão e a informação é fundamental", afirma João Coimbra

“Temos de fazer uma gestão de precisão e a informação é fundamental”, afirma João Coimbra

O produtor diz-nos que construiu várias plataformas de monitorização em tempo real do consumo de energia, entre outras. “Podemos monitorizar quase tudo em tempo real, o que nos permite, por exemplo, regar em antecipação se sabemos que vem aí um golpe de calor”.

João Coimbra utiliza todos os meios à sua disposição: sondas de humidade, estações meteorológicas, imagens NVDI de satélite, avião e drone, produção de energia através de painéis solares, etc.

João Coimbra utiliza todos os meios à sua disposição: sondas de humidade, estações meteorológicas, imagens NVDI de satélite, avião e drone, produção de energia através de painéis solares, etc.

Também Alexandre Castilho, diretor-geral da Hidro Ibérica e com muitos anos de experiência em regadio, considera que para uma “gestão eficiente da cultura é imprescindível a gestão da água, regando de forma eficaz, ou seja apenas quando é necessário para a planta” e lembra que as sondas de humidade, por exemplo, são instrumentos já muito precisos e que fornecem informação fundamental para esta gestão, mas refere que “o agricultor ainda não está muito sensível ao custo da água”.

Mas Ricardo Braga, do ISA, admite que nos últimos anos o interesse na agricultura de precisão tem crescido muito, “as pessoas já perceberam que têm de se profissionalizar, para aumentarem as margens”. E todos, com quem falámos, salientam o papel que as Organizações de Produtores (OP) têm tido, e continuam a ter, neste avanço.

Agromais aposta na agricultura de precisão

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Precisamente sobre um projeto estratégico da Agromais fala-nos Pedro Santos, administrador de uma das empresas desta OP. O responsável explica que a Organização – com um universo de 1200 produtores e cerca de dez mil hectares – “tem dado passos nomeadamente na área da gestão da rega, com utilização de sondas de humidade”. Mas, refere o também diretor-geral da Consulai, “o desafio principal é na produtividade, por isso estamos a apostar mais na agricultura de precisão. Fizemos uma parceria com a equipa de agricultura de precisão do ISA e selecionámos um conjunto de diferentes parcelas de agricultores que estavam predispostos a começar esta jornada connosco e foi feito um primeiro voo de avião, para tirar imagens, depois passadas a NDVI, e que a equipa do ISA nos ajudou a interpretar”.

São mais de 20 parcelas no Ribatejo e Alentejo e as culturas abrangidas são principalmente o milho, mas também a batata, a cebola e o tomate e Pedro Santos salienta que “agora vamos analisar os padrões de produtividade, para vermos o que podemos fazer para melhorá-la, bem como aumentar a rentabilidade dos produtores”. Na próxima campanha a Agromais quer alargar este estudo a ainda mais parcelas. “O nosso objetivo é que os nossos técnicos ganhem competência nesta área, para podermos oferecer aos associados um serviço integrado”, adianta o administrador.

Sónia Garcia e Ricardo Mendanha junto de uma estação meteorológica com vários sensores

Sónia Garcia e Ricardo Mendanha junto de uma estação meteorológica com vários sensores

Sónia Garcia, da TerraPro, afirma que a empresa trabalha com várias OP do Ribatejo, principalmente na produção de tomate, mas não só. A diretora técnica da empresa do grupo da UAVision explica-nos que “o facto de usarmos tecnologia nacional permite uma resposta muito mais rápida, em caso de avaria, por exemplo, mas também soluções mais adaptadas às necessidades dos agricultores”.

Sondas podem ir até um metro

Num campo de tomate que visitámos com a responsável e também Ricardo Mendanha, comercial da empresa de Samora Correia, pudemos ver as sondas de humidade e as estações meteorológicas em ação. Sónia Garcia explica que “as sondas fazem a monitorização contínua da humidade no solo, usam o método capacitivo de leitura, medindo o teor em volume que existe no solo para cada sensor. Têm seis sensores que, neste caso estão colocados dos dez aos 60 cm, mas podem ir até um metro, e fazem as medições de 30 em 30 minutos, podendo ser ajustados de acordo com a cultura e tipo de solo”. A diretora técnica adianta que “os sensores estão ligados a uma caixa que tem um data logger que recolhe a informação e, de X em X horas, envia os dados para a cloud”.

A TerraPro – que tem instaladas nesta campanha 140 sondas, fora as que vendeu – trata os dados e envia os relatórios para o produtor, mas este também pode aceder diretamente aos dados e que qualquer lado, desde que tenha internet. “Pode saber o que se passava na sua exploração ao nível das raízes, há três horas atrás”, diz Sónia Garcia.

Drone usado pela TerraPro

Drone usado pela TerraPro

O ideal é que sejam colocadas sondas em diferentes áreas da exploração/parcela, principalmente se os solos tiverem características diversas. “A água é responsável por cerca de 50% da conta de cultura no tomate, por exemplo, mas não só, por isso o nosso objetivo com estes equipamentos é aumentar a eficiência da rega, fazendo também crescer e melhorando a produção”. E no novo Quadro Comunitário de Apoio existe uma medida específica para o uso eficiente da água.

As sondas de humidade só precisam de estar instaladas três meses no caso do tomate e quatro no milho, mas na vinha estão no solo o ano inteiro.

No caso das estações meteorológicas, a estação-tipo tem, normalmente, sensores para medir a temperatura, radiação, humidade relativa, vento (velocidade e direção) e precipitação.

A empresa vende equipamentos, mas também os aluga e presta serviços completos de consultoria agronómica. O software permite cruzar todos os dados disponíveis sobre determinada parcela ou setor, provenientes de sondas, estações meteorológicas, cartas de NDVI, etc.

Sonda de humidade na cultura do tomate

Sonda de humidade na cultura do tomate

Viticultura de precisão

O uso de equipamentos de precisão está já disseminado há muito na vinha, com alguns produtores “como Esporão, Sogrape, Ravasqueira, Adega Mayor, entre outros, a fazerem já uma utilização consolidada das tecnologias, nomeadamente de NDVI”, afirma Ricardo Braga. Mas milho, tomate, batata e cebola, principalmente no Ribatejo, são culturas onde os equipamentos de precisão têm também vindo a ser cada vez mais utilizados. O professor do ISA diz-nos ainda que “temos vindo também a fazer estudos, com cartas de NDVI, em olival e pomares de pera rocha, para perceber no terreno se serão viáveis, nestas culturas”.

Ricardo Braga considera que “é recomendável que qualquer produtor que queira começar a trabalhar com estas tecnologias, o faça passo a passo, que pesquise no mercado e contrate inicialmente um prestador de serviços que faça cartas de produtividade num primeiro ano, para poder estabelecer o seu índice de oportunidade, isto é, saber se vai ou não tirar partido do investimento em tecnologia”.

Já Alexandre Castilho afirma que “o que me fascina, nesta altura, é que gastando pouco dinheiro se pode obter informação que permite poupar muito e que é um grande apoio à tomada de decisão”.

Artigo publicado na edição de setembro de 2014 da revista VIDA RURAL