O balanço do projeto MechSmart Forrages – que ganhou este ano o Prémio Vida Rural ‘Investigação & Desenvolvimento Que Marca’ – é positivo, tendo tido bom rendimento e qualidade da forragem. No seminário final (que decorreu em Elvas na ESAE a 14 de maio) todos os participantes neste projeto, realizado apenas com financiamento próprio, apresentaram a sua contribuição e o coordenador, Luís Alcino Conceição, salientou que “temos agora muitos dados que podemos ler à distância e usar no futuro”.
O projeto MechSmart Forrages (MSF) pretendeu dar resposta ao facto de as alterações climáticas levarem a uma “necessidade de intensificação sustentável da produção de forragens para suporte dos sistemas extensivos de produção animal na região do Alentejo” e de esta obrigar “a rever os tradicionais itinerários culturais com novas propostas de base tecnológica assentes na monitorização do solo, das culturas e do uso racional de fatores de produção”.
Assim, criou-se um consórcio liderado pelo Instituto Politécnico de Portalegre (Escola Superior Agrária de Elvas – ESAE) e com a participação do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, da Associação de Criadores de Bovinos Mertolengos, da CNH Portugal, da Fertiprado, da AgroInsider, da Farming Agrícola, do Instituto de Ciências Agrária e Ambientais Mediterrânicas (Universidade de Évora), da Aposolo, da TerraPro e da Herdade Nave do Grou. Assente na trilogia – Agronomia, Ambiente e Energia – avançou-se, a 1 de agosto de 2017 e com um horizonte de 24 meses, com “um projeto exploratório de transferência de tecnologia à escala da parcela nas áreas de Mecanização e Agricultura de Precisão (AP), cujo campo experimental se situa na herdade experimental da Comenda em Caia, Elvas”.
Objetivo principal do MSF é “demonstrar uma visão integrada de diferentes tecnologias na produção de forragens em zonas marginais de regiões caracterizadas por clima Mediterrânico, nomeadamente o recurso a itinerários de sementeira direta, tecnologias sensoriais de análise de condutividade elétrica e do teor de água no solo, deteção remota e mecanização para aplicação de fatores de produção a taxa variável”.
Bom rendimento e qualidade de forragem
Luís Alcino Conceição resumiu o projeto, explicando que escolheu-se o Alentejo porque “é a principal região pecuária do país”, com 44% do efetivo de bovinos (INE, 2018) e em condições de sequeiro há uma limitação da produção e qualidade das pastagens. Sendo que “os alimentos para animais, os adubos, a energia e os lubrificantes representam 50%, 4% e 10% respetivamente dos consumos intermédios da atividade agrícola com grande volatilidade de preços e sem uma relação direta entre estes custos e o preço dos bens agrícolas”. Este cenário “implica a necessidade de produção eficiente de forragens” e com o crescente “risco de fenómenos acentuados (alterações climáticas) há uma necessidade de adaptação”, bem como de “correção e melhoria das condições de fertilidade do solo”.
Assim, optou-se por um itinerário cultural de acordo com a técnica de sementeira direta, com mecanização, semeando-se forragem biodiversa, (consociação 25 kg/ha gramíneas + 9 kg/ha leguminosas anuais) e com recurso a instrumentos de Agricultura de Precisão, com digitalização.
Fizeram-se três cortes, para fenossilagem, feno e palha, com a produção média de matéria seca a crescer nos dois anos do projeto de cerca de 7.800 kg/ha em 2017 para perto de 9.000 kg/ha em 2019. A composição botânica manteve-se em torno de 70% gramíneas, de 3% de leguminosas e de 27% de outras plantas.
No final, analisando a trilogia Agronomia, Ambiente e Energia, Luís Alcino Conceição referiu que houve “melhores condições da estrutura do solo e fertilidade pela não mobilização, maior número de dias disponíveis para a realização das operações mecanizadas”, bem como “mais biodiversidade pelo uso fracionado de herbicidas” e poupança de energia “pela redução do custo de operações mecanizadas, pela digitalização do processo de produção com atuação na cultura no momento desejado (eficiência de produção e conta de cultura)”.
Segundo o professor da ESAE, o MSF mostrou que há oportunidades ao nível da “circularidade e da digitalização (máquinas), bem como da criação de novos produtos”.
Sustentabilidade: agricultura responsável e segurança alimentar
Na sessão I – “Fórum Empresas, A Agricultura na Era Digital”, apresentada pela Vida Rural, falando de agricultura digital e sustentabilidade, o orador convidado, André Barriguinha, da Agri-Ciência, salientou que a definição mais amplamente aceite de sustentabilidade tem por base “o desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades”, assim, defendeu que sustentabilidade é praticar uma agricultura sustentável, mas preocupar-se também com a segurança alimentar.
André Barriguinha lembrou assim que temos que ser mais eficientes, tendo em atenção “onde cultivamos, o que cultivamos e como cultivamos”, mas enumerou igualmente vários desafios: Necessidades Alimentares; Redução de custos; Alterações Climáticas; Pegada Ecológica; Agricultura Circular e Biodiversidade. Pelo que defendeu que “a revolução digital não é apenas uma oportunidade, mas uma necessidade”.
Assim, André Barriguinha referiu que “a AP é um tema abrangente, sistémico e pluridisciplinar”, sendo por isso um “sistema de gestão integrado de dados, informação e tecnologias, centrado no conceito de que a variabilidade de espaço e tempo influencia os rendimentos das culturas”. Assim, “o objetivo é gerir de forma inteligente, como um todo, cada processo envolvido no sistema de produção agrícola, e não apenas por exemplo as aplicações de fatores de produção ou o mapeamento de outputs”, acrescentando que “o novo paradigma é de facto a informação, a forma como tratamos essa informação e de que forma ela nos permite colher benefícios a jusante”.
E concluiu: “O grande desafio continua a ser transformar os dados, que as atuais tecnologias de informação e comunicação recolhem, em informação útil a ser disponibilizada à administração e aos decisores, no campo e no escritório, de forma a serem tomadas decisões mais inteligentes”.
Agricultura de precisão em funcionamento
Seguiram-se depois apresentações dos vários participantes do projeto que mostraram o que fizeram no MSF e/ou noutros projetos idênticos, usando várias tecnologias de Agricultura de Precisão.
João Serrano do Instituto de Ciências Agrária e Ambientais Mediterrânicas (UÉvora) falou sobre a aplicação destas tecnologias no maneio e gestão de pastagens no montado, referindo vários projetos em que a Universidade de Évora tem participado desde 2004 até ao atual, o INNOACE. O professor disse que o primeiro objetivo destes projetos, com recurso a AP, no montado é “otimizar a produção de pastagem”, de forma “sustentada (baseada no equilíbrio do ecossistema: solo, pastagens, árvores e animais)”, sendo que “ o objetivo final é rentabilizar a produção animal” e salientou que “é num contexto de imprevisibilidade (climática) e de variabilidade (espacial e temporal) que temos que tomar decisões” agronómicas, daí a grande importância de toda a informação que possamos obter a partir de todos os instrumentos e tecnologias de AP, a partir de sensores, satélites, câmaras, sondas e outros, medindo o maior número possível de parâmetros, como produtividade/qualidade, temperatura, caraterísticas físicas/químicas do solo, humidade e compactação do solo, entre outros.
Por seu lado, José Luís Paixão, também da Universidade de Évora, foi falar do projeto INNOACE, que usa imagens de satélite do programa Copernicus, mostrando imagens (nomeadamente, mas não só) do MSF na Herdade da Comenda que mostram a qualidade do solo e o potencial produtivo.
Já Sónia Garcia mostrou o trabalho da TerraPro na monitorização da água do solo neste projeto, explicando que a informação está disponível na Coud, a partir de qualquer local com acesso WEB (Sem necessidade de instalação), estando acessível a qualquer hora e em tempo real, sendo que a empresa oferece “uma visualização de dados integrados: humidade do solo, meteorológicos, mapas NDVI e condutividade elétrica do solo”.
As sondas fazem uma monitorização contínua do teor de humidade no solo a diversas profundidades, permitindo uma leitura mais completa do campo, em conjunto com os mapas de vigor vegetativo, por exemplo e servindo de base para a decisão de como e quanto regar.
Digitalização na pecuária extensiva
O secretário técnico da Associação de Criadores de Bovinos Mertolengos, José Pais, mostrou o importante papel que desempenha hoje a agricultura de precisão, neste caso a digitalização, na pecuária extensiva, como é o caso das explorações de bovinos mertolengos.
Desde a identificação eletrónica aos sistemas de gestão do livro genealógico, passando pelos leitores dos vários sistemas de identificação, toda a informação de cada animal e de toda uma exploração pode estar agora acessível na mão do agricultor no seu smartphone ou tablet permitindo-lhe uma visão integrada da sua exploração e da evolução ao longo do tempo.
Um novo exemplo de digitalização na pecuária extensiva é o colar Digitanimal que Margarida Branco apresentou de seguida e que foi testado pelos bovinos mertolengos que participaram no MSF. O colar permite monitorizar diversa informação de cada animal, como trajetos percorridos, temperatura, atividade, distância e localização. Podem também ser definidos vários alertas a enviar ao produtor: entrada/saída de cercas (virtuais que podem ser criadas), alta/baixa atividade, alerta de parto e alerta de cio.
Ainda antes do almoço, João Pedro Rego, da New Holland Portugal, e Rayco Lorenzo, da CNH Industrial apresentaram algumas novidades da empresa também participante do MSF. O foco esteve nos novos tratores de tecnologia eficiente e sustentável, nomeadamente no trator de energia a metano, que é um dos passos fundamentais para o conceito Energy Independent Farm, sendo “alimentado pela energia produzida na herdade oferecendo vantagens ambientais, incluindo 80% de emissões médias menos poluentes e 10% menos de CO2 do que um trator padrão a diesel. Ao usar o biometano, o impacto do carbono é praticamente zero e a economia média anual de até 40% pode ser alcançada quando comparada a combustíveis convencionais”.
Sustentabilidade e alterações climáticas
Na sessão da tarde, outros participantes do projeto José Freire, da Fertiprado, Maria São Luís Centeno (DGADR) e Pedro D’Orey Manoel, da APOSOLO, debateram como se pode ter uma agricultura sustentável no atual quadro de alterações climáticas, com moderação de João Alves e Almeida do jornal Linhas de Elvas.
Pedro D’Orey salientou que “a sustentabilidade ambiental é importante mas não podemos esquecer a sustentabilidade económica e social” e sobre o uso da água, referiu que “é um bem escasso, pelo que deve ser gerida de forma eficiente”.
Sobre a produção bovina, o também produtor, referiu que há muito trabalho que pode ser feito para uma melhor gestão, nomeadamente ao nível da genética porque “por exemplo, já se consegue selecionar animais que apesar de comerem menos são mais eficientes, ganhando mais peso”.
José Freire salientou, por seu lado, que “a sustentabilidade está desde o início na estratégia da Fertiprado, porque começou a usar leguminosas nas suas misturas biodiversas para pastagens, porque estas fixam o azoto atmosférico.
Já a responsável da DGADR sublinhou que “o Ministério tem vindo a incentivar a agricultura de conservação”, referindo que “o PDR tem medidas para a agricultura sustentável” e lembrando a Estratégia Nacional para as Alterações Climáticas. Maria São Luís Centeno anunciou também que foram lançados alguns cursos de formação sobre agricultura de conservação e de precisão, mas que precisam de ser mais divulgados porque a adesão ainda não foi muita.