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Culturas

Medronho: uma cultura com grande potencial

Portugal pode vir a ser o maior produtor mundial de medronho, diz cooperativa
Depois de séculos de quase abandono, o medronheiro (Arbutus unedo L.) é agora o foco de uma ‘frente unida’, principalmente de várias academias do País em parceria com entidades oficiais e associações do setor, para conhecer melhor o potencial da planta e do seu fruto, o medronho.

Produtores, técnicos, investigadores e associações estão de mãos dadas para valorizar esta planta autóctone à qual, ao longo dos anos, foi dada muito pouca atenção. Hoje o medronheiro desperta o interesse de potenciais produtores de norte a sul do País, devido à possibilidade de utilizações alternativas, e mais rentáveis, à tradicional aguardente. A venda em fresco, para polpas, sumos e compotas, para cosmética ou farmacêutica, bem como para planta ornamental são algumas das opções, mas também integrado numa estratégia de prevenção aos incêndios, pela sua resiliência e rápida capacidade de regeneração.

Até a Assembleia da República aprovou em junho passado uma resolução onde recomenda ao Governo medidas de apoio à cultura do medronheiro e à produção de aguardente de medronho. “O Medronheiro devia ser considerado a Planta Nacional”, defende João Gama, técnico da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro, que tem sido um dos impulsionadores da promoção da cultura naquela região.

A par de João Gama, a ‘frente unida’ inclui Filomena Gomes, da Escola Superior Agrária de Coimbra (ESAC); Ludovina Galego, da Universidade do Algarve; Carlos Fonseca, da Universidade de Aveiro (UA), presidente da Cooperativa Portuguesa de Medronho (CPM) e produtor; José Paulo Nunes, presidente da Associação de Produtores de Medronho do Barlavento Algarvio (APAGARBE) e também produtor; bem como vários produtores, como José Martins, da Pampilhosa da Serra; Jorge Simões, de Oleiros, Tiago Cristóvão, de Proença-a-Nova, entre muitos outros agentes. A VIDA RURAL falou com quase todos estes, e outros, para perceber o potencial da cultura do medronho nesta altura.

A somar a estes agentes há também vários municípios da zona do Pinhal Interior, como Proença-a-Nova, Pampilhosa da Serra, Vila de Rei, Sertã e Fundão, e também Monchique, no Algarve, que têm tomado e participado em iniciativas de promoção do medronho e dos seus produtos.

Conhecer o medronheiro

A cultura está abrangida por financiamento e a área plantada de medronhal aumentou consideravelmente nos últimos dez anos, com várias plantações orientadas a entrar em produção nos próximos dois a três anos. Além das novas plantações houve também muitos produtores que começaram a intervencionar as suas áreas de medronhal espontâneo para melhorar e valorizar a produção.

João Gama, da delegação da DRAPC da Sertã e responsável pelo núcleo da Pampilhosa da Serra salienta que “esta é uma cultura ainda pouco estudada, sendo uma planta difícil de apreender porque tem um ciclo muito diferente do habitual, com a floração a ocorrer ao mesmo tempo da frutificação, só perde algumas folhas na primavera e o fruto leva 11 meses a amadurecer é, assim, muito diferente das outras fruteiras, não há mais nenhuma igual”. Além disso, o técnico da DRAPC lembra que “precisamos de mais informação acumulada porque as plantações organizadas mais antigas estão agora na terceira ou quarta colheita”.

Medronhal

Medronhal

A planta demora cerca de cinco a seis anos a entrar em produção, mas João Gama explica à VIDA RURAL que há algumas práticas que podem permitir antecipar a produção: “a maior parte das plantas entram em produção ao quinto ano, com a produção ‘a sério’ a dar-se ao sexto ano, mas o uso do tubo e a poda de formação podem ajudar a acelerar a frutificação para o quinto ano, e nas plantações de regadio há plantas já a produzir ao terceiro ano, sendo já significativa no quarto ano”.

João Gama refere ainda que a colheita necessita de muita mão-de-obra, que tem de passar entre três a cinco vezes em cada planta, tendo muito cuidado, principalmente na produção para aguardente, para não colher flores junto com o fruto, uma vez que estas o contaminam.

A forte resiliência do medronheiro ao fogo e a sua rápida capacidade de regeneração, sendo que muitas vezes é o primeiro a rebentar depois de um incêndio, fazem desta planta uma grande aliada na prevenção dos incêndios florestais, dizem-nos todos com quem falámos, mas estranhamente ainda não faz parte de nenhum plano organizado neste sentido.

João Gama refere a importância e facilidade da sua utilização junto às eólicas, debaixo das linhas de alta tensão e junto às linhas corta-fogo primárias, “porque é um corta-fogo muito eficiente, reduz a velocidade do fogo e é das plantas que se regenera mais rapidamente depois do fogo, voltando a produzir em dois/três anos”. E lembra o que aconteceu depois dos grandes incêndios de 2006: “em 2008 toda a gente colheu medronho por todo o lado”.

Clones adaptados a cada zona

Filomena Gomes, em conjunto com outros colegas da ESAC, tem liderado nos últimos dez anos a investigação na área da micropropagação do medronheiro, tendo a sua orientação já dado origem a uma spin off, a GreenClon, que se dedica à propagação e melhoramento de plantas autóctones, nomeadamente o medronheiro e a oliveira galega, entre outras.

O trabalho de investigação abrange hoje todo o ciclo da planta, bem como as suas caraterísticas e potenciais utilizações do fruto, sendo o objeto de estudo de um ‘consórcio’ que inclui todos os principais investigadores que, de uma forma ou outra, se debruçaram sobre o medronho, bem como as várias instituições e empresas onde eles se inserem (ESAC, DRAPC, INIAV, GreenClon; Univ. do Algarve), tendo ainda o apoio de mais entidades como a FCT, a CPM e o Centro Ciência Viva da Floresta, entre outras, bem como de vários produtores em diversas regiões do País.

Uma das apostas atuais é a ‘alocação clonal’, ou seja a procura de clones perfeitamente adaptados a cada zona de produção, que leva, por exemplo, à instalação de vários ensaios com plantas selecionadas nessas regiões e que estarão sujeitas a diversas formas de condução, com rega ou em sequeiro, etc., como “fizemos recentemente em Penela e em Mértola e no início de fevereiro em Monchique”, conta Filomena Gomes.

A professora da ESAC salienta ainda que têm vindo já a ser feitos trabalhos com vários clones selecionados, pelo que “já sabemos quais os que resistem a piores solos e condições climáticas”. A par dos ensaios de campo nas principais regiões produtoras do País, “onde vamos ter de esperar, pelo menos cinco anos para ter algum resultado”, Filomena Gomes explica à VIDA RURAL que “estamos também a fazer ensaios in vitro, em cinco subculturas, com clones já selecionados e testados, onde podemos ter resultados bastante fiáveis em cerca de 15 dias, identificando assim os melhores e os piores para cada tipo de zona, e podendo fazer já uma primeira alocação clonal”, acrescentando que “a médio prazo, o objetivo é cruzarmos as melhores plantas de cada ‘característica’ para obtermos ainda melhores plantas, voltando a testá-las no campo”.

“O fruto é muito sensível, pelo que tem que ser apanhado no estado próprio de maturação, é o produto de uma garimpa.”

Outra área de trabalho tem sido a micorrização in vitro de vários clones, nomeadamente com cogumelos comestíveis Lactarius Deliciosus, “pretendemos com isso dar outra fonte de rendimento aos produtores – porque os cogumelos são comercializáveis –, bem como melhorar os clones, já que as micorrizas ajudam a planta a fixar os nutrientes e dão-lhe maior tolerância ao stress biótico e abiótico, funcionando como uma vacina ao ajudar a planta a proteger-se”, assim, resiste melhor a agentes patogénicos, bem como à falta de água. Nos vários ensaios instalados recentemente (Penela, Mértola e Monchique) já há vários clones micorrizados “para podermos perceber no campo se a associação simbiótica funciona de facto, se as micorrizas se mantêm e se produzem cogumelos comestíveis”.

Fruto fresco tem maior rentabilidade

Outras linhas de investigação incidem sobre as características do fruto e sua melhor forma de conservação, bem como sobre as boas práticas na elaboração da aguardente, mas já lá vamos. Falemos agora um pouco da experiência dos produtores no campo.

José Martins, que tem hoje 50 hectares de medronhais plantados na Pampilhosa da Serra, diz-nos: “optei pelo medronheiro porque em 2006 os terrenos, principalmente eucaliptais, tinham sido, de novo, devastados por incêndios e apenas os medronhais mostraram resistência. Fui ler sobre a cultura, pesquisei e visitei explorações aqui e no Algarve, e escolhi plantá-la. Primeiro numa área até aos 25 hectares, mas depois fui aumentando gradualmente e este ano devo quase duplicar a produção, de 12 para 26 hectares”. O produtor adianta que “temos 12 hectares com rega, só três já a produzir, mas vale a pena o investimento porque produz mais cedo, tem mais produção e o fruto é maior”.

José Martins, que trabalha no ramo imobiliário, dividindo-se entre Lisboa e a Pampilhosa, afirma que “ao fim destes dez anos dá-me gosto ver que fiz algo pela minha zona porque fui dos primeiros a plantar medronheiro e isso despoletou o interesse de muita gente. Há hoje cerca de 300 hectares plantados e em desenvolvimento na zona do Pinhal Interior” e acrescenta: “é um fruto em que acredito, fazemos principalmente aguardente, com a marca ‘Lenda da Beira’, mas há três anos que também vendo o fruto fresco, para Portugal e Espanha, também com a nossa marca, e a aceitação tem sido muito boa”.

O produtor assegura que a sua grande aposta “é a venda do fruto em fresco”, porque permite maior rentabilidade, uma vez que o preço tem sido superior até aos outros frutos vermelhos, mesmo à framboesa e ao mirtilo. Todavia, José Martins não deixa de lado outras possibilidades participando igualmente nos estudos para polpas (iogurtes), fruto desidratado e outros projetos de investigação. Para concretizar a sua aposta, construiu um armazém com câmara de frio, onde se conservam as caixas de 2,5kg de medronhos cuidadosamente selecionados, destinados ao mercado espanhol, ou as cuvetes para o mercado nacional, porque “o fruto é muito sensível, pelo que tem de ser apanhado no estado próprio de maturação, é o produto de uma garimpa”, salienta.

ESAC com intervenção em área-piloto

ESAC com intervenção em área-piloto

Ali não muito longe, em Oleiros, também Jorge Simões decidiu plantar medronheiros há 11 anos, tendo hoje um pomar de 15 hectares, mantendo, no entanto, a tradição já que a sua produção vai quase exclusivamente para a produção de aguardente. “Plantei um ano antes do José e tenho uma visão diferente da dele do ponto de vista da plantação, compasso, forma de trabalhar o medronheiro, etc., mas ele também quer apostar mais no fruto fresco e o meu é para aguardente”, afirma o produtor.

‘Medronho do Algarve’

No Algarve também há produtores a apostarem na plantação de medronheiros. José Manuel Afonso plantou 200 hectares há três anos, na Serra do Caldeirão, e o destino principal será a aguardente, vendida sob a marca ‘Medronhito do Caldeirão’. Ainda não está a produzir mas já está a montar a destilaria, tendo chegado recentemente o alambique, e até já pediu adesão à recente Indicação Geográfica Protegida (IGP) ‘Medronho do Algarve’ referindo que “é um processo demorado e complicado, uma vez que tudo tem de ser certificado, desde a plantação ao produto, passando pela destilaria”. O produtor refere, todavia, que “ainda temos um grande caminho a percorrer para a valorização da aguardente de medronho. Temos de apostar cada vez mais na qualidade e marketing da nossa aguardente”.

José Manuel Afonso não afasta a possibilidade de aproveitar outras alternativas de comercialização, nomeadamente do fruto fresco, estando também a participar de vários estudos que, nomeadamente, a Universidade do Algarve está a realizar neste âmbito.

Sobre a aguardente de medronho do Algarve falámos também com José Paulo Nunes, produtor com a marca ‘Monte da Lameira’ e presidente da Associação de Produtores de Medronho do Barlavento Algarvio (APAGARBE), que gere a IGP ‘Medronho do Algarve’: “Temos feito muito trabalho de divulgação da cultura e das melhores práticas junto dos produtores, mas também de promoção da nossa aguardente e, só na Serra de Monchique, há cerca de 50 marcas. Abrimos a loja do Mel e do Medronho onde 28 dos nossos associados já têm os seus produtos à venda, estando sempre um produtor destacado para lá estar em cada dia”, explica o presidente da APAGARBE, adiantando que “trabalhamos também em conjunto com a Universidade do Algarve, principalmente com a professora Ludovina Galego, no melhoramento da qualidade da aguardente, realizando análises periódicas, porque se produzirmos em qualidade não temos problemas em escoar o medronho”.

Para José Paulo Nunes “a criação da IGP valoriza o produto, sendo uma escolha do produtor aderir ou não à IGP porque certifica a qualidade. Já temos três pedidos de adesão e sabemos que há mais interessados. À parte disso, as aguardentes que estão à venda na nossa loja têm todas de ter a análise química para garantir que estão dentro dos parâmetros definidos, pelo que o cliente pode consultar o livro onde estão todas as análises e escolher que ser uma aguardente mais ou menos ácida, etc.”.

Em termos de constrangimentos à atividade, José Paulo Nunes destaca o elevado imposto sobre o álcool e os procedimentos burocráticos, nomeadamente a alteração que “obriga ao preenchimento praticamente diário do documento de introdução ao consumo (DIC) de cada vez que fazemos uma venda. Anteriormente fazíamos um documento mensal, mas agora tem de ser no dia a seguir ao pagamento”.

Venda em fresco é principal alternativa

O presidente da APAGARBE refere ainda que as novas alternativas de comercialização do medronho, já disponíveis (como o fruto fresco, para compotas, confitado ou seco e na culinária “onde dá um sabor exótico”) ou em estudo (polpas para iogurtes, por exemplo, ou em snacks e barritas) “tornam a produção ainda mais atraente porque quando o caminho já está aberto outros vão a seguir e, por isso, há vários produtores a aumentar a sua produção”.

João Rafael, produtor de medronho e aguardente biológica em Alte, não prevê aumentar, para já, a sua produção, porque foi crescendo gradualmente, e apesar de já estar “a vender medronho fresco há cerca de três anos para supermercados e lojas gourmet”, salienta que “ainda não há muita procura, vamos ver como o mercado vai evoluir. É preciso mais divulgação para aumentar a aceitação do público”.

O produtor tem 50 hectares plantados e vende cerca de 2.000 litros de aguardente “não ultrapasso os 2.040 litros para não perder o estatuto de pequena destilaria. Cerca de 19 toneladas são para a aguardente, o restante fruto vendo para outros produtores de aguardente e também para pessoas que fazem compotas e tenho um protocolo com a Escola Profissional de Alte. A venda de medronho fresco será de cerca de 100kg, ainda tem pouca expressão, mas é uma boa alternativa à aguardente”.

João Rafael explica à VIDA RURAL que plantou os primeiros medronheiros em 2007, mas que a exploração, que tem um total de 100 hectares, já é biológica desde 2004/2005, “uso clones para a plantação, adubo e faço podas quando os medronheiros estão muito fechados, para abrir e deixar entrar o sol. Já tenho cerca de 1 hectare que é regado, para o fruto ser mais homogéneo e maior, numa zona mais junto à casa, para ser mais fácil de apanhar e transportar”.

O produtor adianta: “vendo a aguardente para o Vila Vita Parc e para os Supermercados Jafers aqui no Algarve, tenho a aguardente em três distribuidores nacionais e depois em algumas lojas gourmet em vários pontos do País e vendo online para todo o lado, inclusive para o estrangeiro”.

CPM prepara terreno para a comercialização

A Cooperativa Portuguesa de Medronho (CPM) é uma instituição recente com cerca de dois anos e meio e surge quando vários jovens se interessaram pela cultura do medronho e decidiram associar-se para terem maior representatividade, estimularem o conhecimento e a divulgação da cultura do medronheiro e do medronho e prepararem a fase de comercialização, uma vez que a maioria dos 40 associados só deverá ter produção dentro de três/quatro anos.

Carlos Fonseca, produtor, professor da Universidade de Aveiro e presidente da CPM, explica-nos que “temos associados deste Torre de Moncorvo até ao Algarve, mas a maior fatia é do Pinhal Interior”. O responsável diz ainda que “a CPM tem vindo a preparar o caminho para alternativas à aguardente em ternos de comercialização, falando com empresas de iogurtes, sumos, compotas e outras”. A CPM tem vindo também “a estabelecer parcerias com municípios locais, para estimular a promoção do medronho, e convidámos as principais academias para o nosso Conselho Consultivo, para centralizar e apoiar o conhecimento sobre o medronheiro”. Carlos Fonseca acrescenta que “há muito interesse do tecido científico e vários projetos de investigação a decorrer, mas com a nossa participação pretendemos ajudar a definir prioridades e a não haver sobreposições”.

Carlos Fonseca lembra que a CPM estabeleceu já também um protocolo com as Aldeias do Xisto e que muito em breve o medronheiro vai ter a imagem associada e vai fazer parte do plano de ação e marketing daquela rede de aldeias cujo território coincide com a zona do Pinhal Interior.

“No Algarve, o maior potencial é da aguardente, por isso estamos a tentar melhorar a qualidade global do produto. E já há aguardentes de muito boa qualidade, os produtores têm mais cuidado e tem vindo a melhorar.”

A CPM tem também uma parceria com a Cerfundão, “uma vez que o presidente, Paulo Fernandes, é também nosso vice-presidente, e assim podemos aproveitar a grande experiência deles com a cereja e tentar transpô-la para o medronho e até dar alguns passos em conjunto, beneficiando do facto de as épocas da cereja (verão) e do medronho (outono/inverno) serem diferentes, além disso a Cerfundão é OP, pelo que estamos a ver a possibilidade de os nossos associados poderem beneficiar também desse estatuto nas suas candidaturas aos PDR2020, mas ainda estamos a analisar as questões legais”, explica Carlos Fonseca.

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Espera-se boa colheita este ano

O também produtor, na empresa Medronhalva com cerca de 20 hectares, espera que “depois de dois anos muito maus – 2015 que seria normalmente de contrassafra, e 2016 que se esperava bom mas devido à muita chuva da primavera e ao verão muito quente a produção foi muito reduzida –, 2017 parece prometedor, vamos ver”. E salienta que “nestas zonas rurais, as pessoas vivem principalmente do rendimento do eucalipto, mas nós queremos mostrar que o medronheiro pode ter benefícios, a vários níveis, superiores, mas ainda estamos a trabalhar nesses números”.

Medronhal

Medronhal

Metade da exploração são de medronheiros espontâneos que o produtor limpou e tratou para melhorar a produção, “mas ainda tenho pouca produção, este ano é que já devo ter para comercialização, até agora tenho usado principalmente para congelar e disponibilizar para os vários projetos de investigação à medida que me vão pedindo”.

E adianta que “tenho ainda uma parceria com um apicultor para a colocação de 90 apiários, até 2020, em três das parcelas. De forma a poderem ser também visitáveis”. Carlos Fonseca explica-nos ainda que o mel de medronho é muito valorizado (1kg pode chegar aos 30€, versus 5/6€ para o mel de urze, por exemplo) porque é utilizado não para consumo humano porque é mais ácido e amargo, mas pela sua composição é valorizado na cosmética e perfumaria.

Sendo biólogo, o produtor, lembra também todo o papel ecológico e de ajuda no ordenamento do território e prevenção dos incêndios que o medronheiro pode desempenhar, salientando que a sua produção está em Modo de Produção Integrado mas em transição para o Biológico.

Bom para a saúde

Voltando agora às descobertas das outras linhas de investigação, referidas acima, na Universidade de Aveiro (UA), Daniela Fonseca, orientada pela professora Sílvia Rocha, na monografia ‘Valorização do Medronho (Arbutus Unedo L.) desenvolvimento de novos produtos alimentares descobriu que o medronho tem a capacidade de evitar os radicais livres responsáveis por doenças como o cancro, de controlar os níveis de colesterol e de melhorar a saúde da pele e dos ossos.

Pelo que deve valorizar-se o seu consumo “em fresco, porque tem vitamina C e mais fibra dietética do que maçã, por exemplo”, explica-nos Sílvia Rocha, do Departamento de Química da UA.

O trabalho desenvolvido em colaboração entre as unidades de investigação Química Orgânica, Produtos Naturais e Agroalimentares (QOPNA) do DQ e o Centro de Investigação em Materiais Cerâmicos e Compósitos (CICECO) da UA, já resultou na incorporação da polpa do medronho em vários alimentos comuns, sejam biscoitos, iogurtes, barras energéticas ou bombons.

A caracterização química detalhada do medronho realizada pelos investigadores da UA destaca a presença de ácidos gordos insaturados, nomeadamente ómega 3 e 6, fitoesteróis e triterpenóides, compostos com importante atividade biológica. “Os ómegas 3 e 6 são ácidos gordos essenciais que têm de ser obtidos a partir da dieta uma vez que o nosso organismo não os sintetiza”, explicava Sílvia Rocha, em dezembro de 2014 quando o estudo foi divulgado.

Os resultados do estudo desenvolvido mostram ainda que os medronhos da Serra da Beira, que os investigadores têm usado no trabalho, “apresentam uma atividade antioxidante superior à de frutos de outras proveniências, tanto de Portugal como de outros países europeus”.

Conservação do medronho e qualidade da aguardente

Já Adriana Guerreiro, orientada pela professora Dulce Antunes, da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade do Algarve, centrou a sua investigação nos melhores processos de conservação do fruto em fresco e também noutras utilizações do fruto (geleias, snacks, etc.). “Esta investigação tem sido desenvolvida ao longo dos últimos sete anos”, conta-nos Adriana Guerreiro, adiantando que “mais recentemente estamos a trabalhar a embalagem de forma a podermos aumentar o shelf life e também novas forma de transformação do fruto, como a sua inclusão em snacks ready to eat”.

O problema do consumo em fresco do medronho prende-se com a sua fragilidade, pelo que a comercialização requer cuidados especiais. Para o estudo sobre a conservação do fruto, foram colhidos na Serra do Caldeirão que, depois de selecionados foram armazenados em cuvetes de polistereno expandido, ficando 15 frutos em cada cuvete, sendo então armazenados em câmaras de refrigeração a 0, 3 e 6 graus. Concluiu-se que o fruto se pode conservar durante, pelo menos, 15 dias a temperaturas entre os 0 e 3 graus, mantendo a aparência e propriedades inalteradas.

Na UAlgarve, também a professora Ludovina Galego estuda há muito o medronho e, particularmente, a aguardente e licores, quando à sua qualidade e melhores formas de produção. Esses estudos culminaram no lançamento, no ano passado, a meias com a professora Goreti Botelho, da ESAC, do ‘Manuel de Boas Práticas de Fabrico de Aguardente de Medronho’.

“No Algarve, o maior potencial é da aguardente, por isso estamos a tentar melhorar a qualidade global do produto. E já há aguardentes de muito boa qualidade, os produtores têm mais cuidado e tem vindo a melhorar”, considera Ludovina Galego, adiantando que “a criação da IGP era uma obrigatoriedade porque desde 1989 que a aguardente de Medronho do Algarve está registada no Jornal das Comunidades e se não criássemos a IGP perdíamos o reconhecimento internacional. Esta certificação irá também certamente ajudar a aumentar a qualidade do produto, embora esteja convencida que poucos produtores vão aderir”. A professora acrescenta que “a nossa aguardente é muito aromática, por isso tem muito potencial”.

Além da aguardente muitos produtores utilizam o medronho para fazer licores, como a Melosa de Monchique, que é dos mais conhecidos e apreciados, “que já tem cerca de 20 produtores, a fazerem este licor que lava aguardente, mel, canela e limão, tendo-se já tornado num licor típico de Monchique”.

Representa 15.500 hectares em Portugal e aparece numa larga gama de solos desde o xisto do Algarve e do Centro, no calcário na Serra da Arrábida até ao granito no Minho.

É uma espécie de origem mediterrânica que está distribuída por todo o País, à exceção de habitats muito frios ou secos.

  Tem porte arbustivo (1-3m) ou arbóreo (até 12 m).

Possui resistência ativa a incêndios florestais.

Tolera condições de stress hídrico e solos degradados mas não vegeta em boas condições aquando de geadas intensas ou verões secos e longos.

Prefere solos siliciosos ou descarbonatados, tem uma boa tolerância ao teor de acidez, cresce em solos ácidos a alcalinos (pH 5-7.2).

As flores aparecem no outono até ao inverno e o fruto em baga coexiste com as flores, o que torna a espécie importante para a produção de mel e aumenta o seu valor como ornamental.

A plantação, principalmente se for de sequeiro, deve ser feita no outono.

O compasso aconselhado é de 4/2,5m, o que dá cerca de mil plantas por hectare.

Deve-se utilizar tubo microperfurado de proteção de, pelo menos, 60cm, que deve ser tapado com filme transparente na boca para a planta ficar mais protegida no inverno e crescer dentro do tubo durante aqueles meses.

 O tubo deve ser retirado em março/abril, sendo primeira poda realizada em maio, escolhendo-se cerca de cinco pernadas para ficarem.

A adubação de dispersão lenta é a mais adequada – adubar ou não, nos primeiros anos, faz toda a diferença na produção.

Normalmente há necessidade de aplicar potássio, azoto e fósforo, mas por vezes também zinco, boro e cálcio.

Os apiários garantem uma polinização mais homogénea, uma maior produção de semente, frutos maiores e melhor produção.

A exposição a sul tem mais polinização e produção de fruto, mas a exposição a norte sobrevive melhor.

Na instalação do pomar, se o solo for imperme, deve ser ripado, para as raízes se desenvolverem mas as camadas inferiores não devem ser trazidas para a superfície. Depois não se deve mobilizar o solo.

As ervas nas entrelinhas devem ser controladas, cortando-as e/ou usando produtos, se necessário, principalmente nos primeiros anos da planta para não haver competição pelos nutrientes.

Devem-se intercalar as plantações com sebes e abrigos para os auxiliares naturais que ajudam a combater as pragas do medronheiro.

Para cada praga há possibilidade de luta biológica (com auxiliares) ou física (retirada dos insetos, larvas, etc.), bem como com produtos biológicos ou químicos.

A única doença (referida pelo técnico da DRAPC) é a Mancha Negra, que pode ser combatida com luta cultural (ex: podas específicas) ou produtos biológicos;

Fontes: João Gama, técnico da DRAPC; Filomena Gomes, da ESAC) e outras.

Artigo publicado na edição de fevereiro de 2017 da revista VIDA RURAL