3550 milhões de euros é o valor gerado pelas fileiras onde são incorporadas as matérias primas fornecidas pelos produtores de cereais (inclui proteaginosas, trigo duro, girassol, cevada, trigo mole e cereais forrageiros). Estas fileiras, responsáveis pela produção de pão, farinha, baby food, massas, cerveja, óleo alimentar, legumes enlatados e rações totalizam cerca de 31% do total da indústria agroalimentar.
90% do volume de negócios da produção final destas fileiras é realizado no mercado nacional, mas a matéria-prima incorporada é maioritariamente importada. O peso dos cereais nacionais é de apenas 12% na procura destas seis fileiras. Apesar disso, a produção nacional de cereais tem vindo a decrescer cerca de 16% ao ano, em média, um decréscimo homogéneo em todas as culturas analisadas.
Onde está o valor?
Para perceber onde está o potencial de valorização das culturas, foi feita uma análise swot às características de cada matéria-prima (trigo mole e duro, cereais forrageiros, cevada, triticale, centeio, oleaginosas e proteaginosas), tendo em consideração quatro tipos de usos distintos: sementes, consumo humano, consumo animal e bioenergia. Numa segunda fase analisaram-se as cadeias de valor com o objetivo de identificar espaços de oportunidade para maximizar o valor da produção para os produtores. Foram assim identificadas 7 + 1 fileiras (baby food; fileira do pão/farinhas melhoradoras; fileira das massas alimentícias; fileira da cerveja; fileira do óleo alimentar; fileira dos vegetais enlatados e multiplicação de sementes + alimentação animal) para dois tipos de utilização principais (sementes e consumo humano) e cinco matérias-primas preferenciais: trigo mole, trigo duro, cevada, oleaginosas e proteaginosas.
A análise conclui que o potencial de valorização das matérias-primas para uso humano é o mais elevado, existindo procura por satisfazer e espaço para acrescentar valor à atual produção. A bioenergia fica excluída como prioridade.
Em relação às sementes, foram identificadas três vertentes com potencial: como matéria-prima a integrar na própria produção de cereais (reduzindo custos); como semente certificada para o mercado nacional e como potencial de exportação de algumas variedades. Quanto à fileira da alimentação animal, deve ser considerada recurso potencial para produtores que também se dediquem à pecuária (pode ser mais barato produzir os cereais forrageiros do que comprar no mercado) e explorações cujas condições edafoclimáticas não permitam produção de qualidade para consumo humano.
BTP são boa opção
Os chamados cereais btp (baixo teor de pesticidas) têm como finalidade a produção de baby food. O nosso país tem condições climatéricas e de solos que permitem a produção em condições competitivas deste tipo de cereal, que tem um valor de mercado superior ao do trigo panificável corrente. A produção nacional representa 25% das necessidades do mercado interno.
A cadeia de valor tem dois clientes principais, a Nestlé e a Danone, e a procura tem aumentado. Trigo e cevada são os principais cereais btp, com um prémio associado de +30 €/t, mas a certificação é obrigatória para comercializar junto da indústria. O estudo aponta como oportunidades de valorização o potencial de procura interna por satisfazer, uma vez que os players industriais pretendem incorporar uma maior percentagem de matéria-prima portuguesa nas farinhas produzidas em Portugal e existe capacidade para fornecer 100% da procura nacional. Para além disso, existe contratualização trianual, com fixação de quantidades e preços.
Como áreas de otimização, de referir a utilização de semente certificada, a formação técnica de produtores e a organização da produção (destaque para o planeamento da produção, de forma a garantir concentração em lotes homogéneos).
Trigo melhorador é a ‘estrela da companhia’
O trigo melhorador, utilizado pela indústria do pão, pastelaria e farinhas, tem um valor superior no mercado em comparação com trigo panificável. Portugal tem boas condições para a sua produção, embora a cadeia de valor deste cereal seja bastante fragmentada ao nível dos clientes finais. A produção nacional representa aproximadamente 10% das necessidades do mercado interno.
A produção destes cereais requer, para além da sementeira correta, a capacidade de análise do grão à entrada da Organização de Produtores para que sejam devidamente catalogados, assim como um circuito de armazenagem e transporte em separado.
Trigo duro com muito potencial
Matéria-prima para as massas alimentícias, o trigo duro tem um valor médio no mercado superior à sua principal alternativa, o trigo forrageiro. A cadeia de valor é muito concentrada, praticamente monopolista, e existe muito potencial de incorporação de matéria-prima, uma vez que a produção nacional representa uns modestíssimos 5% das necessidades do mercado interno.
O estudo revela que existe uma fraca colaboração entre a produção e o principal player da indústria (grupo Cerealis). Também pesa o facto de a indústria estar sediada no norte do país, longe dos principais núcleos de produção, no sul. Existe assim a possibilidade de instalação de uma semolaria no sul, gerida pelos produtores, mas só depois de organizada a produção e como forma de aproximação à indústria. Refira-se ainda que o trigo nacional tem a vantagem, face ao importado, de ter uma menor percentagem de água.
Cevada dística é o exemplo a seguir
Matéria base para a produção de cerveja, a cevada dística tem uma cadeia de valor bem organizada, onde a produção, transformação e indústria trabalham de forma colaborativa. A indústria privilegia a cevada nacional e Portugal é competitivo neste cereal, embora a produção nacional represente perto de 30% das necessidades do mercado interno. Existe contratualização plurianual da produção e uma lista de variedades definida em colaboração.
Como oportunidades de valorização é apontada a possibilidade de colocar o selo ‘100% português’ na cerveja e desenvolver a cevada dística como cultura complementar para rotação com outros cereais, oleaginosas e proteaginosas.
Girassol alto oleico com procura
Para produção de óleos alimentares, existe interesse por parte dos players industriais em girassol alto oleico, devido às melhores características do óleo e com um valor superior em 30 €/t em comparação com o girassol corrente. A cadeia de valor está bem organizada, muito concentrada num player, a Sovena, mas onde a colaboração com a produção nacional é muito reduzida. Esta empresa já anunciou a intenção de adquirir mais matéria-prima nacional como forma de reduzir o risco associado ao aumento da humidade nas sementes importadas do Mar Negro e às colheitas tardias noutros países, com muitos problemas logísticos associados.
A produção nacional representa 7% das necessidades do mercado.
Proteaginosas distantes da indústria
Grão, feijão, fava e ervilha são os produtos base para a produção de vegetais enlatados. Esta é uma área onde existe por parte da produção um reduzido conhecimento sobre a organização da cadeia de valor e é muito provável que exista um potencial para aumento de incorporação da produção nacional nos produtos finais, mas para isso terá de haver uma aproximação ao principal player nacional, a Compal.
Apesar disso, são culturas que podem ser relevantes para a rotação dos cereais, aumentando a rentabilidade em cada hectare. A produção nacional representa 14% das necessidades do mercado interno.
Produção de sementes aumenta
A semente certificada tem uma utilização tendencialmente crescente em Portugal devido à aposta de outras fileiras em produtos de maior qualidade e que respondam aos requisitos das respetivas indústrias. Um exemplo identificado: a produção de semente de girassol aumentou bastante nos últimos dois anos devido ao investimento dos players mundiais, Syngenta e Pioneer. A percentagem de semente certificada na produção de trigo em Portugal é de 20%, enquanto em França este número é de 35/40%. Nesta cadeia de valor os produtores assumem o papel de multiplicadores de sementes, sendo essencial o papel dos produtores na concentração e comercialização.
Existe ainda o potencial de aumento das exportações de certos perfis de sementes, aquelas em que, pelas suas condições climáticas, Portugal é distintivo.
A produção nacional de semente certificada representa cerca de 18% das necessidades do mercado interno.
Como valorizar a produção?
O estudo apresenta seis pilares para a valorização da produção: o aumento da produção; a rentabilização das áreas cultivadas (com substituição de culturas de baixo valor por culturas de maior valor acrescentado e introdução de culturas de rotação que tragam rentabilidade adicional); o aumento da colaboração nas cadeias de valor, com mais proximidade entre produção e indústria; melhor organização, gestão e planeamento da produção (com maior profissionalização do planeamento e gestão) e finalmente partilha de conhecimento, informação e boas práticas.
Nas oportunidades de aumento de valor, o estudo avança três tipos de estratégias recomendadas: explorar novas áreas semeadas, substituir culturas de menor valor acrescentado e apostar em rotação com culturas de maior rentabilidade.