A crise que afeta o setor do leite assume proporções ainda maiores nos Açores, devido à importância que o setor tem no arquipélago. José Romão Braz, vice-presidente do grupo Finançor, o principal da área agroalimentar na Região e que detém a Altiprado, a maior exploração de bovinos de leite, considera que “nos Açores, a produção de leite é sustentável com as forragens adequadas”, mas “precisamos também de mais qualificação na agricultura, mais produtos com valor acrescentado, de imagem e marca e de reforçar o marketing”.
O setor do leite é o pilar da agricultura açoriana, representando 70%, e é ainda mais importante em São Miguel, que produz cerca de 65% do leite dos Açores, Região que é responsável por aproximadamente 1/3 do total nacional, quase 600 milhões de litros (abril 2014/março2015). Assim, a reportagem da VIDA RURAL visitou a Altiprado, a maior exploração do arquipélago, com uma média 400 vacas leiteiras da raça Holstein-Frísia.
A exploração pertence maioritariamente ao grupo Finançor, um dos maiores da Região (Ver Caixa), está incluída no Programa Leite de Vacas Felizes – Puro Leite de Pastagem, lançado pela BEL em janeiro do ano passado, e tem uma área total de 550 hectares, sendo que 350 ha são dedicados à produção de leite através de pastagem e produção forrageira (silagem de erva e silagem de milho) e 200 ha de floresta para a produção de madeira.
“As vacas estão todas em pastoreio, pois na exploração temos pastagens permanentes, mas também fazemos silagem de milho e erva para as alturas em que não há pasto e esta é uma área onde temos apostado cada vez mais”, afirma o vice-presidente da Finançor.
Sobre a grave crise que afeta o setor leiteiro, o responsável diz-nos que “a conjugação do fim das quotas, com a conjuntura económica internacional negativa e o embargo russo, entre outros fatores, causou uma queda brutal dos preços do leite colocando os produtores açorianos numa situação muito difícil. Os bons ainda estão a ganhar dinheiro e os médios estão na linha de água, mas os maus produtores estão a perder dinheiro. Por isso, temos de produzir bem, de forma eficiente, produzir mais com menos e todos os anos melhorar um bocadinho”. E José Romão Braz defende que “nos Açores, a produção de leite é sustentável com as forragens adequadas”, mas “precisamos também de mais qualificação na agricultura, mais produtos com valor acrescentado, de imagem e marca e de reforçar o marketing”.
Ordenha vai ter com as vacas
Deixado para trás o escritório do vice-presidente da Finançor, já na Altiprado o diretor de produção, João Pacheco, e Sofia Cabral, veterinária do grupo responsável pela alimentação, acompanham-nos. Aí, ficamos a saber que as vacas estão sempre a pasto, “os vitelos nascem no campo mas depois são recolhidos para o viteleiro, para terem melhor acompanhamento”, explica João Pacheco.
O efetivo leiteiro da exploração está dividido em três grupos: o primeiro compreende o período entre o início da lactação e os 150 dias, o segundo daí até ao fim da lactação, e o terceiro o período em que estão secas, num total de 400 animais. “Esta é a melhor altura para preparar a pastagem”, afirma o diretor de produção da Altiprado adiantando que “temos prados permanentes e biodiversos, já que aqui nasce muito trevo. Fazemos azevéns e trevos e intercalamos com o milho, numa rotação de cerca de cinco/seis anos”. Para a alimentação suplementar há manjedouras em vários pontos, “estamos a fazer estruturas novas com 60 metros, cobertas, onde os animais também se podem abrigar” e que estão colocadas a curtas distâncias dos silos onde se armazena o milho e a erva.
“Como elas estão sempre a campo, temos duas máquinas móveis de ordenha, com capacidade para 14 animais de cada vez, que vamos deslocando entre os sete locais específicos que temos na Altiprado, junto das pastagens onde os animais andam, duas vezes por dia: às seis da manhã e às seis da tarde e cada uma dura cerca de duas horas”, conta o responsável, acrescentando que “esta forma implica mais mão de obra, por isso temos 14 colaboradores”.
O diretor de produção adianta ainda que “os machos são vendidos à exploração de carne do grupo – a Noviçor” (Ver Caixa) enquanto Sofia Cabral refere que “também as vacas com alguma idade ou dificuldade em ficarem gestantes são usadas para cruzamento para a produção de carne”.
A exploração, a maior dos Açores num só local, produz mais de três milhões de litros por ano, com uma média diária de produção por vaca de 27,6 litros, em 2015, ou seja “7/9 mil litros por dia, que a Bel vem buscar, porque temos um posto de leite- Temos dois tanques, um para cada grupo, onde o leite recebe um choque térmico, baixando para 4°/5°”, explica João Pacheco.
“As vacas de alta produção são separadas depois da parição (1ª fase da lactação), para lhes podermos proporcionar a melhor alimentação. Escolhemos as melhores pastagens e concentrado melhor, bem como silagem de milho e de erva, que é colocada no unifeed duas vezes por dia”, revela.
Floresta de corte e manutenção
Devido às características do terreno e à sua extensão, a exploração tem também uma grande área de floresta, principalmente nas zonas mais altas e com maior declive, bem como junto às linhas de água, “onde temos espécies endémicas, como azevinho, urze e pau branco, que não são cortadas, recebemos apoios para as manter, uma vez que evitam a erosão. A floresta de corte é composta essencialmente por criptomérias que vendemos no mercado local. Esta é usada para móveis e casas, para estábulos e camas para animais”, conta o responsável, referindo ainda que a manutenção da parte floresta implica a contratação de mais cerca de 6/7 pessoas durante seis meses que fazem a limpeza, corte e replantação.
Como estão incluídos no Programa Leite de Vacas Felizes, o controlo do leite é ainda maior “temos de ter as melhores práticas, para além das normais análises à microbiana, à proteína, à gordura e às células somáticas. A exploração fica numa zona alta e ventosa, e este inverno, como foi rigoroso e húmido, tivemos mais mastites”, refere João Pacheco e Sofia Cabral adianta que “quando não é grave ficam no grupo mas são ordenhadas no final, se for mais grave vão para o parque junto do viteleiro que serve de ‘enfermaria’ e, claro que o leite é sempre separado”.
A veterinária refere também que a “alimentação dos animais no início da lactação é mais densa, energética e rica”, e acrescenta: “os vitelos ficam com a mãe no primeiro dia e no viteleiro recebem leite em pó e têm feno e água disponível”. O viteleiro tem capacidade para 100 animais. A alimentação é composta por pastagem, silagem de milho e de erva e “fazemos análises das silagens para avaliar a sua qualidade e fazer a divisão do que podemos usar ao longo do ano. Os animais de alta produção recebem mais quantidade de silagem e um concentrado mais rico, com milho, soja, corn glúten, bem como bagaço de girassol ou colza e também damos suplementos de vitaminas e minerais”, afirma Socia Cabral.
Entre novembro e fevereiro os colaboradores vão tirando férias porque, “em março, já começamos a preparar as terras e o mês de maior azáfama é maio quando se corta a erva e se semeia o milho, chegando-se a trabalhar dez horas ou mais…”, conta João Pacheco.
O responsável diz-nos que na Altiprado as fêmeas na recria estão separadas, em quatro grupos: as primeiras desde o desmame até cerca de dos seis/oito meses ficam no estábulo, junto ao viteleiro, as segundas a partir dos seis/oito meses ficam também junto ao viteleiro mas em pastagem e com silagem de erva porque, como serão primíparas requerem mais atenção, as terceiras e quartas (desde os 17/18 meses), já inseminadas, estão em pastagem e com silagem de erva”. O diretor de produção afirma ainda que “a inseminação é sempre artificial, de várias empresas que estudam a genética e procuram o melhor sémen, mas temos um touro que está com as novilhas já inseminadas para garantir melhor eficácia”. Sofia Cabral acrescenta que “praticamente todas as explorações têm, pelo menos, um touro para andar com as novilhas na pastagem”.
Artigo publicado na edição de março de 2016 da revista VIDA RURAL