A Universidade de Wageningen, em Amesterdão, está a validar um sistema pioneiro para levar realidade aumentada à ciência das plantas. O projeto da Plant Vision consiste em usar infravermelhos, imagens térmicas e inteligência artificial num dispositivo móvel para aumentar a saúde e rendimento das culturas em estufas e ambiente controlado. Os primeiros testes foram feitos em tomate mas a cultura que se segue é a canábis. Sim, the times, they are changin…
Em 2018, as exportações de produtos agrícolas valeram 90,3 mil milhões de euros à economia da Holanda, cimentando o país europeu como segundo maior exportador agrícola do mundo, atrás dos Estados Unidos. Numa altura em que a população mundial se aproxima dos 7,7 mil milhões de pessoas, a necessidade de aumentar a produção alimentar coexiste com os riscos das alterações climáticas, a escassez de água e a desertificação. Foi por isso que a ministra holandesa da Agricultura, Natureza e Qualidade Alimentar, Carola Schouten, sublinhou a necessidade de “impulsionar a inovação agrícola” na Holanda quando apresentou os bons números de exportações, em janeiro, falando de “urgência” perante os problemas mundiais de procura alimentar que já se fazem sentir.
É nesse contexto que a Universidade de Wageningen, em Amesterdão, está a validar um sistema pioneiro para levar realidade aumentada à ciência das plantas. Esta tecnologia foi popularizada com o jogo Pokémon Go, em 2016, quando imagens dos “monstros” deste icónico universo vieram sobrepor-se a cenários reais através da câmara do smartphone. Ao contrário da realidade virtual, em que o utilizador é transportado para outro mundo e perde contacto com o cenário físico que o rodeia (porque os óculos ocupam todo o campo de visão e som dos auscultadores ajuda à virtualização), a realidade aumentada usa dispositivos móveis para sobrepor imagens e informação ao que está mesmo à nossa frente. Tal pode ser feito com um smartphone ou um dispositivo ocular como os HoloLens da Microsoft.
No caso do projeto “Compreender as plantas através de realidade aumentada”, montado pelo norte-americano Ryan Hooks ao longo do último ano, o foco está em dispositivos móveis. A Universidade de Wageningen é uma das principais instituições de pesquisa de ciência das plantas do mundo e irá validar cientificamente o trabalho, que se dedicou ao aumento da produção de tomate através da utilização de realidade aumentada, durante os próximos anos. Agora, Ryan Hooks está de volta aos Estados Unidos para desenvolver o sistema noutra área, a das plantas de canábis. Mas mais importante que a plantação específica é o conceito: usar um dispositivo móvel com inteligência artificial para descobrir como aumentar a eficiência do cultivo. No fundo, cumprir a missão das tecnologias viradas para a ciência das plantas, que é melhorar a saúde e rendimento da produção.
Aumentar a produção em 25%
A startup de Ryan Hooks, Plant Vision, desenvolveu um sistema através do qual é possível usar um iPhone para ‘ver’ o que se passa dentro de uma planta de estufa e tomar as medidas adequadas. Inicialmente, a empresa focou-se na conjugação do iPhone com os óculos de realidade mista Vuzix, mas neste momento está a trabalhar no mesmo efeito com um acessório mais barato porque “a tecnologia é muito cara”, diz Ryan Hooks à Vida Rural.
Os óculos da Vuzix custam mil dólares e um iPhone de última geração não anda longe disso. A alternativa é adicionar um acessório de câmara tradicionalmente usado para visão noturna e imagens térmicas – por exemplo pela polícia ou por especialistas à procura de infiltrações nas paredes. “Conseguimos utilizar esse espetro para compreender a saúde das plantas”, declara Hooks. “Somos os primeiros e únicos a usar infravermelhos em dispositivos móveis para a saúde das plantas.” O produtor poderá abrir a câmara do iPhone, apontá-la a uma planta e visualizar, sobreposta à imagem real, uma série de informações e recomendações relevantes para melhorar a sua produção.
O acessório custa cerca de 400 dólares e transforma o iPhone num dispositivo com capacidades pioneiras: “Estamos a construir ferramentas de realidade aumentada que melhoram a produção de canábis”, explica Hooks, “e com infravermelhos é possível começar a ver doenças três dias mais cedo.” É que o sistema da Plant Vision não procura ser simplesmente de diagnóstico. “Quando se vê míldio na planta através do telemóvel, a doença já a matou”, refere o norte-americano. “O reconhecimento de imagem num telemóvel não faz grande coisa para ajudar um produtor ou uma empresa, porque o que é necessário é ver a doença via infravermelhos a tempo de mudar o clima, adicionar nutrientes ou diminuir a humidade na estufa para compensar.” A mais-valia da Plant Vision, considera, é a capacidade de dar ao produtor tempo para corrigir problemas, uma “forma interessante” de pensar na saúde das plantas em diversos espetros.
Ao nível do software inteligente, a ideia é treinar o sistema para detetar, por exemplo, insetos não benéficos e diferentes doenças. “À medida que a inteligência artificial aprende ao longo do tempo e treinamos e usamos o sistema, este será capaz de detetar anomalias”, sintetiza o empreendedor.
A startup, que se relocalizou para Los Angeles, Califórnia, está agora a conduzir testes com empresas de canábis, onde a expectativa é aumentar o rendimento da produção na ordem dos 25%. “A plataforma da Plant Vision vai escalar para outros sectores e estaremos interessados em ver onde podemos fazer projetos piloto com diferentes empresas”, adianta o fundador. O sector da canábis está a explodir nos Estados Unidos, à medida que os Estados vão legalizando o cultivo e consumo, e há dois anos até surgiu outra startup que desenvolveu um sistema de realidade aumentada para diagnosticar problemas com cultivos de canábis. A Snaphash combinava um módulo de câmara macro para iPhone e um software de análise denominado “BudRx”, uma espécie de raio-x da planta. Todavia, a startup parece estar inativa: o site desapareceu e a aplicação não se encontra em lado nenhum, o que indicia o quão difícil é ser bem sucedido neste nicho.
Um segmento incipiente

Apesar do entusiasmo do mercado com a realidade aumentada e os avanços feitos nos últimos anos ao nível do hardware e software – desde óculos HoloLens e Vuzix ao navegador dedicado Firefox Reality – este é um segmento ainda pouco explorado dentro da tecnologia para agricultura, ou “agtech.” Tal deve-se não apenas ao preço elevado do hardware, mas também às características do setor, que continua a ser conservador.
É o que afirma Bruno Fonseca, CEO da startup portuguesa Agroop, especialista em tecnologia de monitorização de colheitas. “Não estamos neste momento a olhar para a realidade aumentada, nem acredito que neste momento seja algo muito aliciante para os produtores”, avança o responsável à Vida Rural. O CEO da startup acrescenta que ainda está a lutar pela implementação de tecnologia menos complexa “e mesmo isso ainda é um desafio.” No seu entender, “teremos de percorrer um longo caminho até lá chegarmos.”
A Agroop está neste momento a conduzir uma quarta ronda de financiamento na plataforma Seedrs para obter meio milhão de euros, que serão usados para reforçar a estratégia de internacionalização. Embora haja mais capital disponível para agtech que no passado, a indústria continua a ter menor acesso a financiamento que outros segmentos de rápida inovação.
E isto apesar de, no último relatório sobre financiamento de startups de agtech, a Finistere Ventures e a PitchBook terem notado a rápida maturação do segmento num curto espaço de tempo, à medida que “mais conhecimento e recursos são atraídos para a categoria.” A diferença para outras indústrias, lê-se no trabalho publicado em 2018, é que o mercado agtech “é fortemente influenciado pelo que acontece nas etapas angel e semente”, por oposição a números mais expressivos em rondas Série A e B – das que fazem manchetes. O segmento totalizou 123,9 milhões de dólares levantados em 2017, com 108 rondas de financiamento distribuídas por tecnologia animal, proteção de cultivos, agricultura indoor, agricultura de precisão, imagem e ciência das plantas. Esta última, apesar de ter “algumas das tecnologias e saídas mais conhecidas e lucrativas”, recebe menor financiamento inicial que as outras áreas. A PitchBook contabilizou apenas 4 rondas de financiamento em 2017, num total de 8,1 milhões de dólares, sendo que o motivo passa pela “complexidade do desenvolvimento tecnológico, barreiras regulatórias e longos períodos de desenvolvimento.”
Ryan Hooks reconhece estas questões e refere que a Plant Vision “está aberta a opções de financiamento”, explicando que o modelo de negócio por agora incide em produções mais pequenas e altamente especializadas – por oposição a grandes propriedades onde é mais difícil justificar o investimento.
“Eventualmente será possível fazer isto em escala, mas neste momento são instalações feitas à medida para os projetos pilotos que estamos a fazer agora”, indica. Ryan Hooks acredita que a realidade aumentada “será mais usada dentro das instalações e em estufas” e constitui uma “ponte para a automação nesta indústria.” Voltando ao caso dos produtores holandeses, Hooks explica que a ideia de usar um sistema como o da Plant Vision é sobretudo interessante de forma remota, para controlar a produção de produtos como tomates ou pepinos em estufas na Rússia, na China ou noutra parte do mundo. Sabendo que é importante a forma como se corta a planta e se tiram as folhas, Hooks diz que “há muita inteligência que pode ser sobreposta nesse processo.”
No cultivo específico da canábis, um jardineiro mestre pode encontrar uma estirpe que é muito boa para dores nas costas, mas perceber que é difícil replicá-la porque exige muita experiência e conhecimento. “Ele pode então treinar o sistema da Plant Vision e depois todos os jardineiros fazem como o mestre”, exemplifica Hooks. “A criação de flor de canábis e plantas medicinais são produções que a realidade aumentada pode ajudar a escalar.”
Um outro aspeto em que a Plant Vision está interessada é explorar a visão das abelhas e os motivos que as levam a escolher uma flor em detrimento de outra para a polinização. “Queremos entender essas flores e ver esses padrões”, diz, explicando que se trata de “fenotipagem aumentada.” A atividade agrícola diz, “será mais automatizada, com tratores e robôs” no exterior e realidade aumentada “dentro das instalações e estufas.” Embora o futuro seja incerto, “ainda vamos precisar de humanos”, graceja, “mas vamos aumentá-los.”
Artigo publicado na edição de abril de 2019 da revista VIDA RURAL