Quantcast
agricultura

Silvestres ‘cultivados’ com alto rendimento

Silvestres ‘cultivados’ com alto rendimento

O cultivo de cogumelos está a conhecer interesse económico, com o surgimento de vários pequenos produtores. Há quem preferia instalações de pequenas dimensões e produtos de venda de produto acabado e quem forneça produtos onde o acabamento está em estado natural. A Gumelo e a Mycotrend são dois casos de novos produtores, que cultivam os cogumelos de forma alternativa. O negócio da primeira, nada tem a ver com o da segunda. Num dos lados estão caixinhas de cartão, bonitas e delicadas, no outro, troncos pesados ricos em fungos.

A caixinha do negócio

João Cavaleiro é quem dá a cara pela Gumelo, empresa sediada em Almeirim. A característica do negócio permitiu-lhe instalar-se dentro da cidade, não sendo obrigado à aquisição ou arrendamento na zona industrial.

Com o assentamento de nascimento em final de 2012, do primeiro ano não se deve poder dizer que tenha corrido mal. Um investimento de 6000 euros gerou um negócio de 100 mil. A equipa da Gumelo cresceu e deverá voltar a aumentar em 2014.

Por enquanto, a Gumelo apenas vende em Portugal, mas o segundo ano de atividade vai conhecer uma abordagem aos mercados externos, embora a empresa já venda alguma coisa para a Bélgica e Luxemburgo.

Enquanto biólogo, João Cavaleiro diz que sempre desenvolveu interesse pela micologia. Foi bolseiro de genética aplicada, mas como a vida de investigador em Portugal não está fácil decidiu dar outro rumo à vida. Trabalhou para uma empresa privada, enquanto investigava o que viria a ser o seu negócio.

Nesses estudos interessou-se pelo cultivo em resíduos da indústria do café. Percebeu que desperdícios desses não faltam em Portugal, pelo que não seria complicado cultivar cogumelos. De acordo com João Cavaleiro, o nosso país gera mais de 70 000 t de borras de café. No primeiro ano, a Gumelo usou 20 t.

Com ideias assentes, João Cavaleiro partilhou planos com o designer Tiago Marques. Mais tarde juntou-se Rui Apolinário, licenciado em ciências farmacêuticas. É esta a equipa da Gumelo, que se instalou numa antiga taberna, propriedade da família de João Cavaleiro, e onde cabe tudo o que é necessário, desde escritório a estufa e armazém.

A primeira ideia brotou em 2009 e foi-se desenvolvendo até que no final de 2012 nasceu a empresa. Os sócios ainda cirandaram em torno duma capital de risco e de business angels, mas perceberam que não estavam a ser levados bem a sério pelos patronos.

Com 6000 euros conseguidos por si próprios avançaram para os cerca de 30?m2 daquela antiga taberna de Almeirim. Investimento de baixa monta, em que o mais pesado foi o isolamento da câmara onde se dão os fungos.

Ao contrário do que à partida dê-se poderia pensar, o cultivo de cogumelos não requer muita água. “É muito pouca. Só precisamos para criar ambiente húmido na sala de incubação, porque a matéria já vem com um grau ideal, ou quase, para o cultivo” – explica João Cavaleiro. O consumo energético também é baixo, razão pela qual se argumentou para que a Gumelo pudesse ficar no centro da cidade.

As borras de café bastam

Mas qual é a vantagem das borras? João Cavaleiro explica que a variedade trabalhada pela empresa, Pleurotus ostreatus, é lignícola, ou seja, cresce a partir de resíduos vegetais. “A borra de café é um resíduo que tem os constituintes necessários e que, se recolhida no momento ideal, está pasteurizada. É uma fonte de carbono, tem azoto, fibras e lenhina”.

A Gumelo recorre borras de café em 33 restaurantes e cafetarias de Almeirim e áreas próximas. Todos os meses são recolhidas três toneladas. “Os nossos parceiros estão a canalizar um desperdício que iria para aterro”. O fornecimento de borras não é pago. O ganho dos parceiros é estarem associados ao projeto e serem referenciados no site na internet.

A captação das borras obrigou a que se fizesse alguma sensibilização ao pessoal das cafetarias, para que não usassem a caixa dos desperdícios do café como caixote de lixo. “Há também um trabalho de educação dos parceiros para não mandarem papéis e caricas para a tulha. Como só queremos boas borras incentivamos as boas práticas” – diz João Cavaleiro.

“Numa fase inicial foi mais complicado, não era fácil. Queriam saber e, por vezes, tornava-se complicado. Quando se tornou verificável foi mais fácil. Depois, as pessoas identificam-se e querem participar” – prossegue o mesmo responsável. Entretanto, começaram também a surgir os que querem ser remunerados.

Atualmente, a Gumelo apenas produz em borras de café, mas João Cavaleiro não exclui a hipótese de um dia virem a abordar outros suportes.

Os prontos e os berçários

A Gumelo produz dois produtos: o Ecogumelo e o Pregumelo. Em termos sucintos, um é para apreciadores de cogumelos e o outro para quem acrescenta a curiosidade por criar os seus próprios fungos.

O Ecogumelo está pronto a crescer. Tem um bloco com o micélio do cogumelo pronto a crescer e só precisa de “ser aberto e estimulado”. Assim, o kit vem com um pequeno borrifador de água em spray. Este produto exige apenas que se abra a caixa, que se coloque à luz, mas não direta, e que se borrife duas vezes por dia. Em cerca de 15 dias está o cacho completo e na sua dimensão máxima.

Os cachos variam entre os 80 e os 250 g (podem mesmo chegar aos 300 g), conforme o momento em que são apanhados. Sinal de maturidade é o estalar do contorno do chapéu, que se começa a desenrolar na base. A queda de esporos é outro sinal. Podem então apanhar-se, sendo que deve ser colhido o cacho duma só vez.

Mas a vida do Ecogumelo não se fica por uma colheita. Repousando entre duas e três semanas, a borra do café borrifada duas a três vezes por dia gera novos cachos. Os ciclos podem totalizar quatro, mas a quantidade vai sempre diminuindo.

O Pregumelo está pronto a ser cultivado e é indicado para quem quer ir além na experiência. Este kit vem com propágulo do cogumelo, dois sacos de cultivo, um par de luvas (médicas) para facilitar a manipulação e um borrifador. Depois bastam 3 kg de borras de café.

Cultivar silvestres

Miguel Ramos é outro empresário que se interessou pelo cultivo de cogumelos, tendo fundado a Mycotrend em 2012, para cultivar apenas variedades silvestres, em troncos de árvores. Não vende a retalho, mas troncos de árvores. O empresário refere que esta “é uma cultura que, caso seja bem implementada e mantida, tem boas possibilidades de sucesso e com produtividades altas”.

“Portugal possui as condições ideais para o cultivo deste tipo de cogumelo, quer em termos de clima como de solos. Basta pensarmos na quantidade de cogumelos que naturalmente aparece no nosso país, no outono e primavera, e que são recolhidos e vendidos gerando lucros altíssimos” – salienta Miguel Ramos.

banner APP

A Mycotrend iniciou a sua produção de árvores micorrizadas no início de 2012. No seguimento, foram preparados terrenos em 2013 para a criação de duas plantações de cogumelos silvestres, uma de Lactarius deliciosus e outra de trufa negra. “A Mycotrend tem como objetivo, nestas produções, a criação de plantações-modelo de cogumelos silvestres para demonstração deste tipo de cultivo”.

As condições para bons fungos

O responsável da Mycotrend refere que “o aparecimento deste tipo de cogumelos (micorrízicos) ocorre em florestas, uma vez que o fungo vive associado com as raízes das árvores e necessita delas para frutificar”. Deste modo, “para a sua produção, faz-se uma plantação de árvores micorrizadas (árvores que contêm associada à sua raiz o fungo de interesse) e findos alguns anos (variável consoante o cogumelo) surgem os cogumelos”, adianta o empresário.

Como condições, a prática necessita plantas micorrizadas de boa qualidade, solo e clima apropriados e uma boa manutenção da plantação. A questão da água é fundamental para o bom resultado.

“Para a implementação de um projeto desta natureza, é necessário o plantio das árvores micorrizadas, implementação de sistema de rega, correção do solo (caso seja necessário), colocação de vedação e algumas operações agrícolas mecanizadas” – adianta o empresário.

“As necessidades normais de um cogumelo, ou seja, com alguma humidade mas não alagado. Obviamente que a quantidade de água a aplicar é variável de terreno para terreno mas, no final, o que se pretende é recriar o habitat natural dos cogumelos”.

Já quanto ao suporte, Miguel Ramos garante que “o solo é o único substrato capaz de satisfazer as necessidades nutricionais do fungo e que possui a estrutura adequada para permitir o aparecimento dos cogumelos”.

As ameaças não são muitas, pelo que as preocupações são poucas. “Embora pouco frequentes, podem ocorrer as pragas associadas a árvores florestais e, caso as árvores não sejam de origem controlada, as raízes podem albergar fungos que inviabilizarão, por completo, a produtividade da plantação. As pragas associadas aos cogumelos, propriamente ditos, podem incluir ratos, caracóis, lesmas, entre outros, mas todas elas podem ser mitigadas com produtos de certificação biológica”.

O fator humano não é uma dor de cabeça

Cultivar cogumelos no campo tem exigências diferentes das de estufa. O fator da mão de obra tem outras implicações, mas não é uma condicionante para Miguel Ramos. “Exige alguma mão de obra na implementação da plantação. No entanto, são culturas de baixa manutenção, não querendo isto dizer que fiquem abandonadas. Uma correta gestão da plantação determina o sucesso da mesma. A recolha dos cogumelos exige alguma mão de obra mas esta é sazonal”.

A colheita tem mais exigências, reconhece. “Os serviços mais especializados são contratados, como a aquisição de árvores micorrizadas e a consultoria para a implementação e manutenção da plantação. Os trabalhos agrícolas e a recolha de cogumelos requerem acompanhamento e, para a apanha dos cogumelos, alguma formação. No caso das trufas, a apanha é feita recorrendo a cães, uma vez que estas se desenvolvem debaixo da terra e é necessário um faro apurado para as detetar”.

Obrigando a trabalho de campo, este cultivo requer recurso a maquinaria e com alfaias comuns.

Embora exija conhecimentos, o cultivo de cogumelos micorrizados não implica muitas horas de sono a queimar pestanas para ser entendido. “É acessível a todos. No entanto, por ser uma cultura com algum risco envolvido e cujo resultado apenas é visível alguns anos após o estabelecimento da plantação, aconselhamos vivamente a que o proprietário seja acompanhado por um especialista na área. Este especialista deverá aconselhar sobre a adequabilidade do terreno e clima à cultura que se pretende, a necessidade em água, a avaliação da qualidade das plantas, entre outros parâmetros a equacionar”. Esta é uma atividade prestada também pela Mycotrend.

Os números do negócio dos silvestres

Miguel Ramos refere que o investimento custa, em média, 2,55 €/m2. Para a implementação de uma produção de Lactarius deliciosus ronda os 23 000 €/ha, enquanto para a produção de trufa negra o custo de investimento ficará por 28 000 euros.

Neste momento, a Mycotrend está a comercializar árvores micorrizadas com Tuber melanosporum (trufa negra) e Lactarius deliciosus (sancha). “Para primeira espécie, a árvore hospedeira poderá ser carvalho alvarinho, aveleira e azinheira, enquanto para a sancha poderá optar-se entre o pinheiro bravo, pinheiro manso e silvestre”.

Colocar novas variedades no mercado é uma vontade assumida. Miguel Ramos justifica essa vontade com o ADN da empresa. “Sendo a Mycotrend uma empresa de base biotecnológica, iniciada na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa, e composta por investigadores desta Instituição, a sua maior aposta é na I&D e, já para o próximo ano, iremos proporcionar aos nossos clientes o cultivo de novas espécies”.

Com a concorrência a vir, sobretudo, de Espanha, França e Itália, os grandes produtores, esta empresa portuguesa não teme o risco e está a vender para todos os países europeus, nomeadamente, “com particular incidência, em regiões com tradição florestal”.

Para Portugal vende de norte a sul, sendo no nosso país onde está o grosso do comércio (90%).

Trufas são as mais valiosas

“Tem havido uma preocupação crescente pela alimentação saudável e o consumo de cogumelos enquadra-se nesta categoria. Os silvestres, pelo seu misticismo e reconhecidas qualidades gastronómicas, são dos mais procurados” – afirma Miguel Ramos.

Sendo os cogumelos um alimento e que tem vindo a aumentar na mesa dos portugueses, os responsáveis da Gumelo pediram ajuda a dois chefes de cozinha para lhes darem uma ajuda. Luís Baena e Igor Martinho recomendam receitas, que podem ser lidas no site da empresa.

Em termos de preços, os montantes recomendáveis são de 12e a 15e para o Ecogumelo e 10e para o Pregumelo. Por enquanto, a oferta da Gumelo é pouca, ficando-se pelo Pleurotus ostreatus. Mas há mais fungos em estudo. No verão foi feita uma experiência, cujos resultados estão a ser analisados.

A Gumelo fez uma edição especial de Pleurotus citrinopileatus. O habitual é nativo das florestas portuguesas, enquanto o da edição especial não vive por cá. O reconhecimento da espécie, por parte do público, é uma das preocupações da equipa. Todavia, João Cavaleiro deixa entender que em 2014 haverá novidades.

Já os fungos da Mycotrend atingem outros patamares de preço… “No caso das trufas os valores têm sido crescentes, atingindo atualmente um preço de venda que se situa entre os 300 e os 5000 €/kg, dependendo da espécie. De referir que a trufa mais cara que se consegue cultivar é a trufa negra (Tuber melanosporum), cujo preço de venda se situa entre os 800 e 1500 €/kg. No caso de outros cogumelos silvestres o preço tem estado estável”.