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Investimento

Três quintas e dois sotaques

Quinta das Tecedeiras  destaque site

É uma certeza, mas está ainda a ser desenhada no pensamento dos dois sócios da Lima Smith. A Quinta da Boavista precisa duma adega. As vendas do rosado da Covela são mais velozes do que a produção das uvas de Touriga Nacional, cujo reforço já foi feito.

Quatro anos depois, um primeiro balanço. Três quintas, uma participação numa empresa de renome na Borgonha, negócio favorável e reconhecimento da crítica. Acalmar não é parar, a Lima Smith vai construir uma nova adega e os sócios continuam a ter ideias.

Um britânico e um brasileiro apaixonaram-se por Portugal e pelo seu vinho. Em 2011 juntam-se e compram a Quinta de Covela. Hoje, Marcelo Lima e Tony Smith cultivam, além dessa propriedade na região dos Vinhos Verdes, mais duas quintas no Douro.

A primeira produção na Quinta de Covela, sub-região de Baião (São Tomé de Covelas, concelho de Baião), só se pôde realizar em 2012, devido ao mau estado em que se apresentava quando foi comprada. “Estava tão abandonada que não arriscámos uma vindima, mas sim focámos no replantio e recuperação” – esclarece o britânico.

A firma debutou com um Vinho Verde, da casta Avesso, Covela Edição Nacional Avesso. “Os outros vinhos mantiveram o perfil da antiga administração, regionais Minho, com misturas de castas portuguesas e internacionais”.

A escolha da Covela (49 hectares, dos quais 17 de vinha) deveu-se à paixão que sentiram pelo território, “uma propriedade realmente de beleza invulgar”, refere o empresário lusófono – embora Tony Smith fale português sem dificuldade e pouco sotaque.

A região dos Vinhos Verdes tornou-se pequena para o apetite enófilo dos dois empresários. Como existia a vontade de fazer tintos, há uma proximidade entre zonas e o Douro é “cada vez mais, a região vitivinícola de Portugal mais prestigiada internacionalmente”… o caminho foi em direção a montante. Aí encontraram a Quinta da Boavista (80 hectares, dos quais 40 de vinha, sendo dez de vinha velha).

Em 2013, foi comprada a Quinta da Boavista, na sub-região de Cima Corgo (em Chanceleiros, concelho de Sabrosa). “A Covela deve especializar-se em brancos e rosés, e adquirimos a Quinta da Boavista para nos focarmos nos tintos” – conta Marcelo Lima.

Nesse mesmo ano, a Lima Smith comprou os direitos da marca Quinta das Tecedeiras (65 hectares, dos quais nove de vinha) e celebrou um contrato de arrendamento, de longo prazo, dessa propriedade do Cima Corgo (Ervedosa, concelho de São João da Pesqueira).

Quinta das Tecedeiras

Quinta das Tecedeiras

No ano passado, os dois sócios avançaram para a internacionalização, com a compra duma posição na firma Maison Champy, a mais antiga de negociação da Borgonha, com sede em Beaune. Ainda em 2014, investiram no “projeto de enoturismo de qualidade – Pipadouro – que tem dois barcos vintage ancorados no Pinhão e que efetua passeios customizados para os amantes do vinho e da natureza” – salienta o sócio brasileiro.

Novos investimentos de raiz estão postos de parte, é chegado o tempo da consolidação. Porém, não vão construir uma nova adega na Quinta da Boavista e recuperar a adega da Quinta das Tecedeiras.

A adega da Covela funciona por gravidade, com receção, fermentação e estágio todos juntos no mesmo edifício – existindo recipientes em inox e em madeira. Na Quinta da Boavista ainda não há adega funcional, estando a produção a ser realizada na Quinta da Faísca, em Alijó – “uma adega de xisto rústica mas completa, com lagares de granito, cubas em inox e barricas”, refere o britânico.

A viajada e as autóctones

O espírito que levou ao plantio das vinhas das quintas do Douro é bem diferente do que presidiu no amanho da situada na região dos Vinhos Verdes.

O encepamento da Covela faz-se de Arinto, Avesso, Chardonnay, Gewürztraminer, Viognier e Touriga Nacional. Além da vinha velha da Quinta das Tecedeiras – manda a tradição que haja de tudo um pouco – vivem as tradicionais Tinta Amarela, Donzelinho Tinto, Tinta Barroca, Tinta Roriz, Tinto Cão, Touriga Franca e Touriga Nacional.

Embora tenham querido manter um carácter internacional na Quinta de Covela, os sócios alteraram alguns encepamentos. As uvas de Arinto, Avesso e Chardonnay foram postas na terra. Saíram a Cabernet Franc e a Cabernet Sauvignon, aumentou-se o espaço com Touriga Nacional. Até agora, nenhuma cultivar desapontou, dizem os empresários.

A escolha desta cultivar emblemática é fundamental para quem está a ser pressionado para pôr à venda mais garrafas de rosado. Apostar mais na Arinto e na Avesso, cujos vinhos têm muito boa recetividade no estrangeiro, contam.

As vinhas têm dois modos de condução: cordão unilateral na Covela e nas vinhas novas do Douro, e guyot nas vinhas velhas durienses. Existe sistema de rega gota a gota para as novas plantações, nos primeiros dois anos.

As três quintas são exploradas em modo biológico, “porque é o futuro para este tipo de quinta. A Covela é bela. É muito natural. Agricultura biológica já era praticada aqui e resolvemos continuar porque parecia a coisa mais natural para nós” – refere o britânico.

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Tony Smith - Lima Smith

Tony Smith

No entanto, há também modernidade. Para diminuir a pegada de carbono foi instalada uma miniprodutora de energia solar. Na Boavista e nas Tecedeiras, que não eram biológicas, começámos a tratar pelo menos as vinhas velhas desta maneira” – prossegue.

A biodinâmica tem sido o segundo passo de muitos agricultores do cultivo biológico, mas na Lima Smith está fora de questão. “A biodinâmica, para mim, é um pouco esotérica demais, embora respeite a 100% os meus colegas que acreditam e a aplicam. Acho que biológico moderno é ‘clean’ e adequado” – salienta Tony Smith.

O solo da Quinta de Covela é de granito, enquanto os chãos da Boavista e das Tecedeiras são de xisto. As três propriedades têm socalcos, mas nas vinhas velhas, no Douro, a terra ainda é amanhada com recurso a tração animal. “Ainda usamos cavalos para lavrar a terra. O que tem mais uma vantagem, um pequeno gesto que podemos fazer contra a dependência, sempre crescente da agricultura mundial, do petróleo” – salienta Tony Smith.

Em todas as três quintas (além da vinha) há uma presença significativa de oliveiras. “Na Covela de frutos cítricos, cerejeiras e bosque de sobreiro” – conta o britânico.

Sem nada a ver uns com outros

A Quinta de Covela dá origens a dois vinhos com denominação de origem controlada Vinho Verde – Edição Nacional Arinto e Edição Nacional Avesso. O Covela Rosé faz-se com uvas amanhadas para o efeito e não resulta de sangria. Há dois brancos – Covela Escolha e Covela Reserva Branco, o primeiro apenas em inox e o segundo com estágio em madeira. “E ainda temos espaço para uma edição Fantástico – que só será feito (como no passado) em anos realmente excelentes” – explicam.

Na Quinta das Tecedeiras existe uma gama de entrada (Flor das Tecedeiras), um Reserva, um Porto Reserva Especial, um Porto Tawny e haverá ainda uma edição especial (Vinha do Cais) e um Porto LBV. “Na Boavista teremos dois vinhos de vinhas – Oratório e Cartógrafo, mais um de Touriga Nacional e um ou dois Reservas. Ainda não temos Porto mas é possível fazer quando o projeto começar a andar mais rapidamente” – salienta o empresário.

Em 2015, a Lima Smith vai lançar mais tarde os vinhos de lote da Quinta de Covela, provavelmente em setembro. Os empresários mostram-se cientes que a época não é habitual. “Acreditamos que os lotes do Escolha e do Reserva Branco ficam melhores com mais tempo em garrafa. Tentamos impor um pouco de disciplina no mercado português”… brinca Marcelo Lima: “mas gostaríamos de pensar que podemos mudar um pouco os hábitos dos portugueses em termos de sempre beber vinhos brancos demasiado jovens”.

Há mais novidades. A Quinta da Boavista terá uma marca nova. “Para ajudar a picar a curiosidade dos enófilos, contratámos um consultor muito especial para os vinhos da Boavista – Jean-Claude Berrouet, que durante quatro décadas, produzia os lendários vinhos do Château Petrus” – refere Tony Smith.

Quinta da Covela - 1

Quinta da Covela

Na Quinta de Covela, a Touriga Nacional dá origem a um vinho que surpreendeu os enófilos. Porém, as quintas do Douro vão ficar com o exclusivo dos tintos. Ficará para o rosado. Alguns produtos complementares podem avançar. Houve uma experiência de fabrico de azeite, que agradou aos sócios, e foi engarrafada a primeira aguardente. Foi feita uma experiência – que vai este ano para o mercado – de fazer bagaceira. Aguardentes estagiadas estão nos planos.

Equilíbrio dentro de dois anos

O negócio da firma tem vindo a crescer. A empresa mudou de distribuidor, para a Vinalda, o que – acreditam os empresários – vai dar pujança às vendas. O break-even operacional deverá ser alcançado dentro de dois anos.

A Lima Smith exporta 40% da produção, o que representa 50% do valor. Canadá, Estados Unidos, Brasil, Alemanha, Benelux, Espanha, Polónia, Reino Unido e Suíça são os principais clientes.

A exportação é considerada estratégica e a vontade é que aumente. O México é uma das novas apostas, a par de Hong Kong, Japão, Macau, Singapura e Taiwan… “e, por mais incrível que pareça, França” – salienta Marcelo Lima.

Na Quinta de Covela são produzidas 75 000 garrafas, mas há capacidade para aumentar. Na Quinta das Tecedeiras enchem-se 35 000 unidades e na Quinta da Boavista 25 000 vasilhames. Nesta última propriedade há ainda 30 hectares que não são vindimados pela empresa.

Com 24 trabalhadores, fora os consultores, a firma é já uma referência nas duas regiões onde está presente. Marcelo Lima e Tony Smith dizem fazer um trabalho gratificante e mostram-se felizes por terem tido reconhecimento, por parte da crítica, e pelos consumidores.

O enoturismo está em vias de se concretizar, na Quinta de Covela e na Quinta da Boavista. Só turismo diurno, com vistas para prova, almoço, jantar e piqueniques. Na Covela haverá um espaço para acolhimento, mas apenas para fins profissionais.

Quanto à qualidade do traço, a Lima Smith não tenciona contratar para uma edificação diferenciada. “Ter um nome de arquiteto famoso é uma coisa bonita mas, ao mesmo tempo, um luxo. Prefiro gastar o dinheiro numa adega, onde a função vem em primeiro lugar. Estamos desenhando a adega da Boavista, primeiro entre nós – as pessoas que vão trabalhar nela”, remata Marcelo Lima.

Artigo publicado na edição de abril/maio/junho da revista ENOVITIS