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Vender ‘futuros’ para garantir preços

Ainda pouco utilizados em Portugal, os mercados de ‘futuro’ podem ser uma opção interessante para quem quer transaccionar commodities no mercado internacional com garantia de preço. A Vida Rural explica-lhe como funcionam este tipo de contratos e a quem pode interessar vender ‘futuros’.

O mercado de ‘futuros’ pode ser mais uma opção para as organizações de produtores na hora de comercializar os seus produtos. Não é o El Dorado, mas pode ser interessante para quem procura cobrir riscos e garantir um preço de mercado razoável, mesmo antes de a campanha começar. Para os mais aventureiros, dá também a possibilidade de entrar no mercado da especulação e conseguir ganhos até aqui reservados aos intermediários. Com todos os riscos associados a quem negocia em bolsa, claro.

 

Vender produtos agrícolas em bolsa?

A prática é comum em muitos países mas em Portugal começou a discutir-se o tema muito recentemente. Os brasileiros e os norte-americanos, por exemplo, tratam por tu o mercado bolsista no que aos produtos agrícolas diz respeito. Falamos de grandes mercados, de grandes volumes e de muita liquidez, mas também de um dinamismo que está ainda alheado das empresas agrícolas e organizações de produtores nacionais.

Mas o que são então mercados de ‘futuros’? Não são mais do que contratos de compra e venda, negociados em Bolsa, de uma dada quantidade e qualidade de um bem, ou de um serviço, num local e numa data futura específica, a um preço pré-determinado. Como explica Francisco Gomes da Silva, “fazem parte dos chamados ‘produtos financeiros derivados’, isto porque são produtos financeiros que se baseiam noutros produtos, sejam eles activos reais (ouro, prata, petróleo, milho, trigo, cacau, etc.) ou, já de si, activos financeiros (acções, índices bolsistas, entre outros)”.

O princípio é simples: Imaginemos um produtor de milho que está a iniciar hoje uma nova campanha e que teme, de forma fundamentada ou não, que o preço da tonelada de milho possa cair substancialmente até ao momento da venda, em Outubro. Este agricultor pode dirigir-se a um ‘mercado de produtos derivados’ e tentar vender futuros (na gíria diz-se que assume uma posição curta no mercado) sobre a tonelada de milho, a sete meses, por um preço que considere razoável (superior ao que ele teme que venha a verificar-se em Outubro).

Desde que haja alguém interessado em comprar esses futuros (assumindo a posição que, na mesma gíria, é conhecida por longa), o negócio tem lugar. Esse comprador, que em linguagem de mercado é conhecido como especulador, joga claramente na possibilidade de comprar milho a um preço inferior ao que ele valerá na altura.

Existem dois tipos de actores principais nos mercados de futuros: aqueles que, como os agricultores, estão interessados em cobrir os riscos de variação de preços de uma mercadoria que pretendem vender e aqueles que procuram tirar partido, entenda-se realizar mais-valias ou lucros dos movimentos de preços nos mercados. Estes têm um papel importante neste mercado, pois conferem-lhe liquidez.

 

Expectativas opostas

Uns têm medo que os preços desçam e outros acreditam que vão subir. É este o princípio que permite o funcionamento do mercado. Estas duas expectativas opostas coexistem e permitem que haja espaço para o negócio. “O agricultor tenta proteger-se do risco, transferindo-o para alguém que faz dele a sua profissão”, adianta Francisco Gomes da Silva que continua: “Estes contratos obedecem a uma formatação ou padronização muito grande no seu conteúdo, da qual destaco: as unidades de negociação (quantidade e qualidade do activo a ser comprado ou vendido), as datas de entrega do activo, o último dia em que é possível negociar o contrato em bolsa, a forma como é calculado o preço, o preço e o local de entrega do activo”.

É preciso ter em consideração que o preço do futuro deverá ser igual ao custo de financiar a compra do activo que lhe serve de base, acrescido do custo de o armazenar até à data de vencimento do contrato. E, na prática, pode nunca chegar a existir uma transacção física do activo subjacente ao futuro. Ou seja, um agricultor ou organização de produtores que, num determinado momento, opta por vender um futuro poderá sempre fechar a sua posição comprando, em qualquer momento posterior, um futuro equivalente, embora com condições diferentes, nomeadamente no preço.

 

As principais restrições

Para estar no mercado de futuro existem duas restrições principais: os produtos têm que ser transaccionáveis (daí, muitas vezes, o contrato de futuro não ser sobre o produto agrícola em natureza, mas sobre um seu derivado, como é o caso do açúcar ou do sumo de laranja), para se poder garantir a sua entrega no local determinado em contrato. Por outro lado, tem que existir um volume significativo de transacções do produto base, à escala global, bem como um número elevado de operadores, tanto do lado da oferta como da procura, que garantam liquidez suficiente ao mercado.

Acresce ainda que os produtos cujo mercado apresenta maior volatilidade à escala global são mais “interessantes” como base de contratos futuros.

 

Chicago é referência

Quando se pensa em “futuros” sobre produtos agrícolas, toda a acção se passa em praças onde são transaccionados todos os produtos que servem de base para os futuros. Apesar disso, regista-se uma tendência de especialização de praças por grupos de produtos.

As três praças financeiras que assumem maior importância nas transacções de futuros sobre produtos agrícolas são a “Chicago Board of Trade (CBOT, do grupo CME)”, uma referência importante nos mercados de futuros sobre grãos (milho, cevada, arroz, soja, trigo, etc); a “Chicago Merchantil Exchange (CME)”, que concentra um importante volume de transacções de futuros sobre produtos animais e seus derivados e a “Intercontinental Exchange (ICE)”, que opera tanto a partir da Europa (ICE Europe, em Londres) como dos Estados Unidos (ICE U.S. em Atlanta), particularmente dedicadas a futuros sobre os chamados “soft commodities”, caso do cacau, do café, do algodão, do açúcar e até do sumo de laranja.

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A maior parte das bolsas opera actualmente como subsidiárias de holdings entre Bolsas de Mercadorias e/ou Bolsas Financeiras (Euronext, CME, ASX, ICE, JSE, BM&FBovespa).

 

Tudo pode ser ‘futuro’

No que toca a produtos agrícolas, tudo pode ser objecto de negócio nas praças de futuros. Mas os contratos mais comuns ocorrem com os grãos (cereais, oleaginosas e proteaginosas), com produtos de origem animal (tanto gado vivo como “carne”, leite, manteiga, etc.), produtos de origem florestal (madeira) e outras “commodities” de origem agrícola importantes (café, cacau, algodão, sumo de laranja, açúcar).

No fundo, são as necessidades do mercado e a imaginação que definem as regras do que pode ser ou não transaccionado e a evolução dos mercados de futuro é constante. •

 

O mercado de ‘futuros’ tem como base contratos de compra e venda, negociados em Bolsa, de uma dada quantidade e qualidade de um bem, ou de um serviço, num local e numa data futura específica, a um preço pré-determinado.

 

Cereais, produtos de origem animal e florestal, café, cacau, algodão, sumo de laranja e açúcar são os principais produtos agrícolas nos mercados de futuro.

 

Quem, num determinado momento, opta por vender um futuro poderá sempre fechar a sua posição comprando, em qualquer momento posterior, um futuro equivalente.

 

O preço do futuro deverá ser igual ao custo de financiar a compra do activo que lhe serve de base, acrescido do custo de o armazenar até à data de vencimento do contrato.

 

UE quer leite nos ‘futuros’

 

Para os produtores portugueses de leite, esta realidade pode estar mais próxima do que se julga. Depois da forte crise que abalou o sector em 2009, com uma depressão de preços que afectou gravemente a produção, comercializar em futuro passou a ser visto como uma opção viável.

O Grupo de Alto Nível sobre o Sector Lácteo, formado por peritos dos 27 países da União Europeia, está a discutir a possibilidade de criar um mercado de futuros para fixar o preço dos produtos lácteos, como medida de apoio para prevenir futuras crises.

Este grupo avança que o mecanismo dos futuros seria útil para reforçar a transparência e prevenir problemas de volatilidade de preços e está a estudar as condições necessárias para que este mercado funcione com eficácia.

Este grupo foi criado com o objectivo de reunir algumas soluções de longo prazo para o sector lácteo e prevê-se que em Junho deste ano seja publicado o relatório com conclusões.