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Vender cortiça em tempo de crise

Os preços da cortiça bateram no fundo na última campanha, com as cotações médias a rondar os 20€/arroba. Para evitar maiores prejuízos, 40% dos produtores nacionais optaram por não fazer descortiçamento em 2009, poupando assim os custos da extracção. Os espanhóis fizeram o mesmo. E em Marrocos já há três campanhas de cortiça em stock. O que quer dizer que em 2010 o mercado vai ser inundado, com o risco da continuação da depressão nos preços.

Mas nem tudo são más notícias, em especial para a rolha. Robert Parker veio recentemente a público desmistificar a questão do TCA. E duas das maiores cadeias de supermercados britânicas acabam de se comprometer com a utilização de rolhas certificadas.

Em tempo de crise de preços, os produtores de cortiça estão a adoptar novas estratégias: deixar a cortiça mais um ano na árvore; renegociar o preço da extracção; reduzir a altura do descortiçamento; optar pela extracção mecânica ou ficar atento aos descontos praticados pelo teor de humidade são algumas das opções a ter em consideração para minimizar o impacto negativo da depressão de preços. Acima de tudo, conhecer bem a cortiça do seu montado e perceber as reais condições de mercado são as condições essenciais para sobreviver a um conjuntura que se deve manter a médio prazo.

Pedro Silveira, produtor florestal e dirigente da ANSUB (Associação de Produtores Florestais do Vale do Sado), revela a estratégia seguida na última campanha para minimizar o efeito da quebra da procura: “Em 2007 e 2008 houve uma quebra abrupta de preços e a procura desapareceu. A indústria deixou de comprar face aos sinais evidentes de crise e muitas pessoas ficaram com a cortiça em casa, foi muito penalizador”, revelou à Vida Rural. Para fazer face a esta situação, a estratégia em 2009 passou por deixar a cortiça na árvore: “Foi o que aconselhámos aos produtores. A campanha nacional apontava para uma produção de 5 a 6 milhões de arrobas, mas chegaram ao mercado apenas 3,5 milhões. Ainda assim, as quebras de preço foram muito acentuadas, em especial na cortiça de má qualidade”, adianta.

Com dois destinos principais, a rolha natural e os aglomerados, a cortiça sofreu quebras superiores a 25% na última campanha. O declínio no mercado do vinho, que começou há alguns anos, juntou-se à crise mundial que prejudicou seriamente a área da construção civil, grande utilizadora destes aglomerados. Este foi mesmo o segmento mais penalizado, com preços que, em 2009, estiveram entre os 3 e os 5€/arroba, quando o normal seria uma cotação entre os 15 e os 17,5€/arroba. “No mínimo, nunca abaixo dos 10€”, reitera Pedro Silveira.

Na cortiça natural, os preços rondaram os 35€, muito abaixo dos 40 a 50€ habituais. Em média, o preço transaccionado ficou-se pelos 20€ em 2009, quando em 2008 tinha sido de 30€. O decréscimo da procura, face à crise no mercado do vinho (e a substituição de rolha natural por ‘técnica’ como resposta à crise) penalizou o sector. Os graves problemas de mercado dos países produtores de vinho do novo mundo foram o mote: “Sofremos com a substituição da rolha natural por vedantes alternativos, o screw cap está com força, mas finalmente, pela primeira vez, o plástico está em queda, o que pode ser uma boa notícia”, frisa.

 

Stock… na árvore

Optar por não extrair é, na realidade, fazer stock na árvore, com a vantagem de não ter custos de extracção.

António Gonçalves Pereira, produtor florestal e director da UNAC (União da Floresta Mediterrânica), foi um dos grandes impulsionadores desta opção: “Se existe um stock muito grande nas árvores é porque os produtores, o ano passado, de uma forma muito unida e consistente, perceberam que estariam a jogar contra eles próprios se retirassem a cortiça”, revela. Este empresário anotou uma mudança de comportamento positiva, dado que os produtores fizeram um esforço para conhecer melhor a sua cortiça e preocuparam-se em não extrair sem garantia de venda: “Só retiraram quando esta segurança existia ou quando tinham cortiça de muita qualidade, que tem sempre procura. E esta foi a grande evolução, a preocupação de não extrair sem vender e conseguir o preço justo entre a oferta e a procura. No fundo é só colocar à disposição do mercado o que este quer comprar”, reitera este empresário.

Pedro Silveira argumenta que, apesar de tudo, esta situação acaba por ser uma forma de ‘empurrar o problema com a barriga’, dado que em 2010 é previsível um problema de excesso de oferta.

 

Campanha de 2010 em aberto

António Gonçalves Ferreira acredita que nesta fase de grande indefinição, será o comportamento do mercado até Abril que vai definir o que será a campanha de 2010. O ano passado foram compradas apenas cerca de 3,5 milhões de arrobas no mercado nacional. O que significa que, se os mercados melhorarem, pode haver falta de cortiça na indústria ou, pelo menos, “não estar disponível toda a cortiça que a indústria gostaria de ter”, esclarece.

Mas conseguirão os produtores aguentar muito tempo esta depressão de preços? “Há uma grande oferta potencial, mas se houver a mesma clareza em só comercializar o que o mercado quer consegue-se o tal ponto de equilíbrio”, avança Gonçalves Ferreira.

Já Pedro Silveira não é tão optimista. E fala do perigo que representa comercializar abaixo do custo de produção: “Se contabilizarmos os custos de instalação, estamos definitivamente abaixo desse limiar. Só os custos de extracção representam cerca de 6€/arroba”, frisa, embora reconheça que, em 2009, esse custo tenha baixado para os 4€/arroba, dada a renegociação de preços de mão-de-obra.

Este produtor fala ainda da incapacidade de o sector produtivo reagir com alternativas culturais, dado que a lei de protecção do montado não possibilita a reconversão da área de montado do sobro. No fundo, “somos obrigados a produzir cortiça, quer valha a pena ou não. E ninguém contabiliza e remunera o sistema em si, o benefício para a biodiversidade e a barreira que representamos ao avanço da desertificação”, acrescenta este produtor que apela ao realismo: “o mercado deu um tombo tão grande que a recuperação não será rápida. Serão necessários dois ou três anos para recuperar”, remata.

 

Indústria desmistifica

Embora circulem rumores de que as empresas transformadoras estão mal aprovisionadas, e que terão mesmo rupturas de stock a partir de Março de 2010, a indústria não confirma esta informação.

“Não há ameaça de ruptura de stock. No nosso universo de associados ninguém acredita que esse venha a ser um problema”, adianta Joa­quim Lima, secretário-geral da APCOR (Associação Portuguesa de Cortiça) que esclarece esta questão: “O facto de termos tido uma campanha reduzida em 2009 não é relevante, porque ainda temos algum stock de 2008, que está uma parte na indústria e outra nos produtores. O que é certo é que, de uma forma geral, vamos reduzir a nossa disponibilidade de stocks e trabalhar com menores quantidades”, revela este responsável que aponta também a quebra no consumo de vinho e a crise do sector da construção civil como factores decisivos nesta conjuntura.

Apesar disso, nota-se algum optimismo por parte da indústria que prevê mesmo uma ‘pequena retoma’ em 2010, com melhoria da procura: “Podemos precisar de mais cortiça e ter preços mais atractivos”, afirma Joaquim Lima, que se confessa preocupado com o problema de um possível abandono dos montados, embora advogue que o “mercado vai funcionar assim que houver retoma” e que a cortiça “continuará a ser um produto rentável”.

António Gonçalves Ferreira defende que muito do que se vai passar daqui para a frente depende da forma como a indústria valorizar a qualidade. O que significa manter padrões de qualidade estáveis e um maior nível de aprovisionamento: “Houve uma alteração do paradigma da stockcagem, que estava do lado da indústria e agora passou para a produção. Alertámos a indústria para o perigo que representa o sub-aprovisionamento. Sabemos que ninguém tem interesse em baixar mais os preços, não há razão para uma maior desvalorização, caso contrário os produtores não resistem e dá-se o abandono. 25€ é o limite da nossa rentabilidade”, conclui.

 

Duas boas notícias…

No meio da tempestade, o sector recebeu com entusiasmo duas boas notícias. A primeira diz respeito às comunicações públicas da Sainsbury’s e da The Co-Operative (ver caixa), respectivamente a segunda e quarta maiores cadeias de supermercados do Reino Unido, em utilizar apenas rolhas de cortiça certificadas nos seus vinhos.

Acresce a isto a recente a declaração de Robert Parker, um dos maiores críticos de vinhos do mundo, a desvalorizar o TCA dos vinhos (sabor a rolha) que afinal representa apenas 1% das garrafas no mercado, sendo por isso muito residual: “Falamos da mesma pessoa que disse há uns anos atrás que em 2015 não haveria rolhas de cortiça no mundo”, afirma Carlos Jesus, director de marketing da Amorim e Irmãos.

Como diz António Gonçalves Ferreira: “haverá sempre lugar para a cortiça e para os sucedâneos. Mas os nossos argumentos passaram a vingar e estas duas notícias muito positivas nos últimos meses dão-nos algum alento”, conclui.

 

Desistir não é opção

Com 6000 milhões de garrafas a circular sem rolha, os reflexos fazem-se sentir nas encomendas. “Passámos de uma quota de mercado de 90 para 68%”, contabiliza Carlos Jesus que não aceita a ideia de que os produtores possam abandonar o montado: “A cortiça é um produto de futuro. Desistir não pode ser uma opção. Finalmente o mundo inteiro anda à procura de desenvolvimento sustentável, não é o momento para desistir, até porque nunca houve tanto diálogo entre a floresta e a indústria”, reitera este responsável que frisa que apesar do optimismo, os grandes benefícios não são contabilizáveis a 12 meses, dado o longo ciclo da cortiça.

 

‘Plano de ataque’

A pensar na retoma, o sector da transformação já está a trabalhar num mega plano de ‘ataque’ nos mercados mundiais. O projecto Intercork, ao abrigo do QREN, vai permitir investir 21 milhões de euros, em dois anos, com 75% de co-financiamento, para promover a cortiça nos mercados internacionais considerados prioritários. São 10 países, essencialmente em áreas emergentes, mas também países onde as vendas baixaram nos últimos anos. Alemanha, Benelux, Estados Unidos, França, Itália, Reino Unido, China, Rússia, Japão, Emirados Árabes Unidos são o alvo.

“São mercados onde a rosca metálica substituiu a rolha natural”, refere Joaquim Lima, que explica que a rolha representa 70% do negócio da cortiça (vinho, champagne e cerveja). Mas o Intercork vai promover ainda os materiais de construção e decoração, que representam entre 12 a 15% do negócio. •

 

 

 

Preços da cortiça desvalorizaram entre 10 e 30% nos últimos seis anos

 

Custos de extracção aumentaram 50% nos últimos oito anos

 

40% dos produtores nacionais não retiraram cortiça em 2009

 

50% dos produtores espanhóis não retiraram cortiça em 2009

 

Marrocos tem 1,5 milhões de arrobas em stock referentes às três últimas campanhas

 

Portugal concentra 33% da cortiça mundial, com 730.000 hectares de montado (23% da floresta nacional)

 

 

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Produção de cortiça                             

         País                  Produção média     %

     Portugal                      157.000         52,5

    Espanha                      88.400           29,5

      Argélia                        17.000            5,5

    Marrocos                      15.000            5,2

      França                        11.000            3,7

      Tunísia                          7500               2,5

        Itália                             3400               1,1

        Total                         299.300          100

 

 

 

Ingleses rendem-se à cortiça certificada 

 

A Sainsbury’s, segunda maior cadeia de supermercados inglesa, acaba de anunciar a partir de 2010 todas as rolhas de cortiça usadas nos seus vinhos serão certificadas pelo FSC – Firest Stewardship Council. Este anúncio surge na sequência de uma parceria com a Corticeira Amorim, que fornece esta cadeia em exclusivo, e tem como objectivo a preservação do montado de sobro pelos seus ‘valiosos serviços ambientais’. Mas há mais. O quarto maior supermercado inglês acaba de fazer o mesmo e já declarou publicamente o seu apoio à cortiça. A The Co-Operative aderiu à certificação FSC e também trabalha com o Grupo Amorim.

Carlos Jesus, director de marketing da Amorim e Irmãos referiu à Vida Rural que este anúncio é significativo, sobretudo pelos seus efeitos a médio e longo prazo. “É um trabalho de vários anos. A Sainsbury’s é a segunda maior cadeia britânica e dos maiores vendedores de vinho do mundo. Tiveram um papel importante na expansão dos vedantes alternativos, por isso esta mudança significa que a cortiça volta a ser considerada fundamental para os produtores de vinho como opção de futuro”, explica.

Carlos Jesus frisa no entanto que este anúncio resulta do trabalho conjunto da indústria da cortiça e dos produtores florestais, uma vez que “a resposta dos produtores às necessidades de cortiça certificada foi a alavanca que permitiu esta promoção”.

A certificação FSC é um importante selo internacional e uma norma restrita reconhecida pelas cadeias internacionais.

 

 

 

Conheça a sua própria cortiça… e o mercado 

 

“O conselho mais útil que dou é ‘conheça a sua cortiça’. Saiba o que tem em casa e saiba onde se posiciona.

Seja consciente a colocá-la no mercado. É importante clarificar ao máximo o negócio”.

António Gonçalves Ferreira, produtor e dirigente associativo

 

Venda assegurada

A decisão de extrair cortiça só após a venda é um procedimento comum em Espanha. Analisar e avaliar a cortiça antes da extracção permite perspectivar o calibre na data da comercialização e perceber se vale a pena ou não adiar um ano. Se isso permitir que a cortiça cresça, ganhe calibre e passe a ‘rolhável’ pode ser, definitivamente, boa opção.

 

Rigor

A determinação da quantidade rigorosa de cortiça produzida é outra questão. A pesagem é a única forma que permite aferir a quantidade produzida e a cubicagem ou a venda a olho podem prejudicar o produtor. Evite estes métodos.

 

Descontos de humidade

Em média, a humidade à extracção é de cerca de 21%, mas a cortiça considera-se comercialmente seca a 14%. 20 dias após o fecho da pilha a cortiça tem entre 8 e 10% de humidade e no fim do Verão do ano da extracção estabiliza entre os 5 a 7%. A forma mais correcta consiste na recolha de uma amostra no momento do carregamento e na sua secagem em estufa a 103 °C até peso constante.

Descontos superiores a 14% devido à humidade são na realidade descontos de preço.

 

Reduzir a altura do descortiçamento

Dada a desvalorização das cortiças delgadas nos últimos anos, reduzir a altura do descortiçamento pode ser uma boa táctica de valorização.

Não extrair a cortiça de refugo pode ser o mais acertado, dado que os custos de recolha podem ser superiores ao seu valor comercial.

 

Reduzir a quantidade de ‘bocados’

Os produtores devem acompanhar o processo de extracção e o transporte para evitar ao máximo a criação de ‘bocados’, que contribuem fortemente para a desvalorização final.

 

Extracção mecânica

A extracção mecânica pode reduzir custos, ao permitir maior rendimento no campo e maior aproveitamento das pranchas. Pode ser uma forma de valorizar a matéria-prima junto do comprador.

 

Fonte: Recomendações de carácter geral da UNAC para a campanha 2009