A limitação crescente do uso de fitofarmacêuticos, o aumento da resistência das pragas e o peso do custo dos produtos na conta de cultura têm levado os agricultores a propiciar os habitats para insetos e outros animais autóctones, utilizar polinizadores e insetos auxiliares, mesmo na agricultura tradicional. E estão satisfeitos com os resultados.
A produção biológica é a principal utilizadora dos chamados auxiliares, mas cada vez mais a agricultura tradicional tem vindo a trabalhar em ‘parceria’ com os vários organismos que vivem no ecossistema agrícola, principalmente com a grande adesão à Proteção Integrada. Os produtores conseguem sinergias estimulando os habitats ou mesmo introduzindo auxiliares polinizadores e predadores das pragas que atacam as culturas.
Os insetos auxiliares são um recurso natural gratuito e renovável, que está presente em todas as culturas. Pelo que, os agricultores devem contar com eles ao planearem a proteção fitossanitária das suas culturas.
O equilíbrio entre as populações de pragas e de auxiliares é instável e pode ser afetado por diversos fatores (ambientais, climatéricos ou de uso incorreto de fitofármacos, etc.), mas, muitas vezes, para o restabelecer basta criar habitats ou introduzir auxiliares.
“Os agricultores estão a aperceber-se cada vez mais que os biológicos (insetos, armadilhas, etc.) lhes resolvem o problema e com menor custo”, afirma o gerente da Biostasia, que representa em Portugal os produtos da Biobest. E acrescenta que a procura por estas soluções irá certamente aumentar com o aperto das regras que regulam a distribuição, venda e aplicação de pesticidas – cuja entrada plena em vigor terá lugar a 26 de novembro deste ano.

“Aceitamos entre 3 a 5% de perdas, porque funciona para o equilíbrio natural do ecossistema, pelo que é um valor razoável”, afirma Vítor Gomes, responsável de produção da Biofrade
Carlos Gabirro adianta que além de insetos, utilizam-se também nemátodos, igualmente predadores da maioria das pragas, e que “trabalham de forma complementar aos insetos”. O também diretor técnico explica à VIDA RURAL que “os nemátodos são resistentes à maioria dos fitofarmacêuticos e como ficam no terreno conseguem, normalmente, restabelecer o equilíbrio em dois ou três anos. Se a praga fizer ciclos no solo o nemátodo é mais eficaz, mas se a praga for foliar o inseto é melhor”.
Insetos, nemátodos e feromonas
O responsável adianta ainda que “para manter os insetos no local, seja na estufa ou ao ar livre, é necessário colocarmos algumas plantas para lhes darmos alimento quando não há pragas, como as ‘fábricas de pulgões’ – planta da cevada inoculada com pulgões que não saem da planta e servem de alimento”.
Em conjunto, também se pulveriza pólen em algumas culturas para os ajudar a fazer o ciclo.
Como exemplo de pragas onde os nemátodos se estão a mostrar mais eficazes que os insetos, Carlos Gabirro fala das tripes, uma praga tem vindo a crescer em Portugal, afetando muitos hortícolas, e que se tem mostrado resistente a muitos fitofármacos, e também da mosca-branca.
O gerente refere ainda os polinizadores, nomeadamente os abelhões, que “melhoram claramente a produção em termos de quantidade e qualidade”.
Já a responsável técnica da Sybiol, marca nacional de produtos biológicos, salienta que “os produtores da agricultura tradicional têm aderido com grande facilidade aos polinizadores e também se mostram mais interessados no controlo das pragas”. Susana Jorge diz-nos que os auxiliares que se vendem mais são os que combatem o aranhiço-vermelho (Phytoseiulus persimilis e Amblyseius californicus), também o Orius laevigatus para as tripes. “Mas usamos igualmente várias feromonas para atrair alguns predadores, como a mosca da fruta (Ceratitis) e a mosca da azeitona. Cada praga tem a sua própria feromona que é colocada numa armadilha específica”, refere a responsável da Sybiol.
Polinizadores são sucesso
Marco Alexandre, cliente desta empresa há três anos, é produtor de framboesa (para exportação) e tomate, pepino e curgete (para o mercado nacional), trabalha em proteção integrada e 90% da produção é em estufa. “Utilizamos abelhas e abelhões para a polinização. No caso da framboesa se não for polinizada a fruta nasce deformada, por isso é essencial. Usamos abelhas e abelhões e no tomate só os besouros/abelhões”, afirma.
O produtor utiliza também insetos e ácaros predadores para o aranhiço-vermelho e para as tripes.
Por seu lado, José Pereira, produtor de hortofrutícolas em estufa, nomeadamente tomate e meloa, confessa que “já não passo sem a polinização, porque aumenta a produção e o tomate é muito mais bonito, já uso há anos”. O agricultor começou há pouco também a usar insetos predadores, nomeadamente para combater a mosca-branca e “está a dar resultado”.
Equilíbrio com a natureza
“A nossa filosofia é promover os ecossistemas”, conta o responsável de produção da Biofrade, da Lourinhã, que produz e comercializa hortofrutícolas biológicos. Vítor Gomes explica que “como fazemos muitos hortícolas perde-se algum azoto, por isso damos alguns fertilizantes ‘bio’ ricos em azoto, mas nada mais. Não fazemos lavoura, não lavramos a terra, e tentamos manter o solo húmido para promover a atividade microbiana”. E adianta: “Também mantemos e cuidamos das sebes autóctones (canas e silvas) à volta das parcelas, porque servem de abrigo aos auxiliares, não só insetos, mas répteis e aves”.
Mesmo na estufa, na bordadura utilizam salsa que serve de abrigo e alecrim, que atrai as joaninhas e desenvolve pragas que servem de alimento aos auxiliares.
O produtor refere que “aceitamos entre 3 a 5% de perdas, porque funciona para o equilíbrio natural do ecossistema, pelo que é um valor razoável”. Vítor Gomes afirma que a Biofrade, além dos besouros polinizadores que usam no tomate em março/abril, praticamente não compram insetos auxiliares, preferindo estimular os autóctones.
“As pragas atacam quando há desequilíbrios, pelo que o segredo é controlar a fertilização e a rega, mantendo o equilíbrio”, salienta.
Há também que estar atento ao comportamento das culturas e dos solos depois delas. “Percebemos que depois do alho-francês o solo ficava limpo, com muito poucas infestantes, pelo que utilizámo-lo em rotação com outras culturas em ar livre e na estufa decidimos plantar alguns nas entrelinhas do tomate. O alho-francês tem um sistema radicular bastante fasciculado e profundo e com propriedades antibióticas, protegendo as raízes do tomate contra fungos, bactérias e nemátodos (nemátodo das galhas)”, explica Vítor Gomes, salientando que “também usamos manjericão no meio do tomate porque afasta algumas pragas”.
Já a Quinta do Arneiro, em Mafra, também de produção biológica, compra habitualmente abelhões para polinizar as estufas e também “usamos alguns insetos para combater os ácaros nos morangos, ao ar livre, e os afídeos, nas estufas”. A proprietária, Luísa Ferreira, diz-nos que, “nos campos, temos algumas flores que afastam a mosca-branca e também cravos-túnicos e manjericão junto ao tomate” e acrescenta que “além disso, estamos agora a fazer um projeto de plantação de bandas ecológicas em várias zonas da quinta para atrair insetos e outros animais auxiliares”.
As raízes do cravo-túnico têm um efeito inseticida no solo. Assim, a planta proporciona bons resultados em algumas culturas, tais como o tomate e nas roseiras. Isto porque repele nemátodos e mosca-branca, atuando também como repelente natural de pulgões, ácaros e algumas lagartas.
“Os artrópodes prejudiciais à agricultura têm uma grande capacidade de reprodução. Em poucas semanas, um só indivíduo poderia dar origem a uma descendência de milhões, se não existissem meios de regulação naturais que limitassem tal proliferação. Um desses mecanismos reguladores é formado por um complexo de insetos, ácaros, fungos, aves, bactérias e outros organismos auxiliares, que podem contribuir para a diminuição considerável da população das pragas das culturas.
No ecossistema agrário, cada auxiliar tem a sua função e o equilíbrio final obtido na limitação natural das pragas, resulta da atuação e interação de todos os organismos úteis à agricultura.
Os ácaros e insetos auxiliares constituem, assim, um recurso natural gratuito e renovável, presente em todos os ecossistemas agrários. A sua ação benéfica na limitação de variadas pragas é um importante fator na proteção das culturas. A presença dos auxiliares deve, por isso, ser tida em conta, ao planear e decidir cada tratamento fitossanitário. A proteção e incremento das populações de auxiliares e dos seus habitats são essenciais no desenvolvimento de todas as práticas da Proteção e da Produção Integrada.
Os artrópodes auxiliares da agricultura podem dividir-se em dois grandes grupos, conforme o modo como atuam: parasitoides e predadores.
Os parasitoides são insetos de tamanho muito reduzido, inferior ao dos hospedeiros e reproduzem-se normalmente à custa de um só inseto parasitado, ao qual provocam a morte. A maioria dos parasitoides é muito especializada, parasitando apenas uma espécie ou grupo de espécies bem definidos.
Entre os parasitoides, destacam-se inúmeras espécies de Himenópteros – parasitas de afídeos, de cochonilhas, de ovos de lepidópteros – e de Dípteros Taquinídeos – moscas parasitas de larvas de lepidópteros, de coleópteros e de outros insetos.
Os predadores têm vida livre em todos os estádios do seu desenvolvimento. Atingem dimensões relativamente elevadas, por vezes maiores que os insetos e ácaros que lhes servem de alimento e têm necessidade de consumir um grande número de presas para completarem o seu desenvolvimento. A maioria dos predadores são insetos e ácaros polífagos, eventualmente com determinadas preferências alimentares.
O grupo dos predadores engloba espécies de artrópodes pertencentes a diversas ordens, famílias e géneros: Ácaros, Coccinelídeos, Sirfídeos, Crisopídeos, Antocorídeos e outros.
Existem ainda algumas espécies de auxiliares que, numa primeira fase do seu desenvolvimento, vivem como parasitoides e posteriormente como predadores.
As larvas e ninfas dos predadores e parasitoides são geralmente entomófagas. Os adultos alimentam-se de pólen e néctar de flores ou de meladas, mas podem também continuar, nessa fase, a ser entomófagos. É o que acontece com muitas crisopas, joaninhas, antocorídeos, nabídeos e outros.
Os ácaros auxiliares são sempre predadores, alimentando-se sobretudo de ácaros fitófagos, mas também de diversos insetos e mesmo de pólen e fungos, em certos períodos de carência de presas.
Os insetos polinizadores (Abelhas, Bombus, Megachiles, etc.) são também auxiliares e tão importantes em certas culturas como a adubação ou a rega”.
Artigo publicado na edição de outubro de 2015 da revista VIDA RURAL





















