Alqueva continua a mudar a ‘face’ do Alentejo: os agricultores procuram agora culturas que lhes deem mais rentabilidade e aproveitem da melhor forma as excelentes condições da região em termos de clima e solo, a que se veio juntar este bem tão precioso. “Sem água não podíamos fazer nada disto”, sublinha o diretor da Fairfuit Portugal. As frutíferas são hoje escolhas de eleição: o olival e, mais recentemente, o amendoal, mas também há quem aposte em laranjais e pomares de prunóideas.
A conjugação de clima (com muitas horas de sol e poucas geadas), com bons terrenos e, principalmente, muita disponibilidade de água é muito favorável a uma boa produção das frutíferas. Mais ainda quando se escolhem variedades precoces e/ou tardias, que permitem entrar mais cedo ou ficar até mais tarde no mercado, “quando mais ninguém tem fruta”, conseguindo assim melhores preços e penetração de mercado.
Além de João Serrano, da Fairfruit Portugal, que produz prunóideas, falámos também com Mário Gemperle, da Citrusplus, que optou pela laranja e vai apostar agora na amêndoa, e com Carmelo Sanchez, da Prado de Castro Verde, que está em Portugal desde 2005, a produzir azeite e, mais recentemente, também se ‘rendeu’ à amêndoa.
Produção pode atingir 2.500ton
A Fairfruit Portugal tem plantações de várias frutas de caroço (pêssegos, nectarinas, alperces e paraguaios), mas também olival. João Serrano é o diretor e sócio da empresa, a par do amigo Pedro Brás da Silva e do próprio dono do Fairfruit Group, Pascal Felley.
O grupo suíço tem produção de prunóideas na Hungria, Áustria, Espanha e Portugal – estando também a fazer testes na Alemanha e Bélgica – e vende as suas frutas para a Alemanha, Áustria, Espanha, França, Bélgica e Escandinávia, controlando toda a cadeia.
“Já trabalhava com o Pascal no azeite do grupo – o O’zeite – e decidimos avançar para esta parceria: através de um projeto de jovem agricultor no PDR 2020 arrendámos terras, com água de Alqueva, para produzir os frutos e o Fairfruit Group fornece o know-how e trata do embalamento e comercialização”, explica à VIDA RURAL, João Serrano, frisando que “tivemos todo o apoio e facilidades. Com a EDIA o Alentejo tem um futuro promissor”.
No âmbito da Fairfruit Portugal está também prevista a construção de uma unidade de embalamento, armazém e transformação, em Beja, que “começará ainda este ano, mas só estará a funcionar na próxima campanha. Nesta vamos enviar a fruta, para a unidade do grupo em Sevilha”. O diretor explica que nesta campanha, que vai começar no final de abril não esperam muita produção, uma vez que “as árvores ainda só têm um ano mas, com esta terra quase virgem, que só tinha tido cereais, o crescimento foi tão acima das expetativas que muitas já têm fruto, quando normalmente os pêssegos só começam a produzir ao segundo ano e as nectarinas ao terceiro ano”. Esperam uma produção de cerca de 100 toneladas dos 85 hectares que foram plantados em 2016 (40 em Santa Vitória e 45 em Ervidel). Mas quando tudo estiver em plena produção, incluindo os 32 hectares que foram plantados já este ano mais os 13 hectares que serão plantados em 2018 (ficando com um total de 130 hectares), a produção poderá rondar as 2.500 toneladas.
VI gama já está nos planos
O diretor refere que “a unidade de Beja irá ter também uma área de transformação porque há sempre perdas de fruta de segunda categoria que queremos cortar e desidratar”.
João Serrano adianta que nas duas parcelas, a Fairfruit está a fazer vários testes de variedades que ainda não estão no mercado, em parceria com o centro de genética e produção vegetal, PSB, de Múrcia. As variedades mais precoces produzem entre finais de abril e fim de maio, enquanto as tardias estendem a produção a té 10 de junho.
“O investimento, de cerca de três milhões de euros, já está todo feito e, apesar de estar tudo aprovado, uma vez que o projeto foi submetido há dois anos, ainda não recebemos um euro”, lamenta o responsável, adiantando que “o investimento é cerca do dobro do olival, uma vez que aqui tudo é manual: podas de ramos, flores e frutos, além da colheita”, por isso, já têm 37 colaboradores fixos.
A rega é feita em dois tubos paralelos, colocado um de cada lado da árvore, para que a planta aproveite o melhor possível a água, sendo uma rega de manhã e outra à tarde, para aproveitar sempre a sombra. O consumo de água, com árvores adultas, é de 4.200m³/ha/ano nos alperces (a partir do quarto ano) e nos pêssegos e nectarinas de 6.300m³/ha/ano (a partir do terceiro ano).
Na entrelinha João Serrano deixa as ervas autóctones, “que são na maioria gramíneas, que cortamos duas vezes por ano e deixamos no terreno”. Já o solo foi corrigido apenas em termos de ph, “porque estas árvores gostam de solos mais básicos”. O herbicida é dado só na linha e a fertilização é feita através da rega: “demos um bom incentivo neste primeiro ano para estimular o crescimento”.
Gado por laranjas
Mário Gemperle veio da Suíça com os pais há 26 anos para Odivelas. Compraram uma herdade com cerca de 250 hectares, criaram a Gemperle – Agropecuária e começaram a produzir cereais e gado bovino. “Passa um canal na nossa propriedade, ter água foi sempre a condição base para comprar a terra e regamos por gravidade”, afirma o produtor. A água, da barragem de Odivelas, depois ligada ao sistema de Alqueva, é que permitiu ao produtor decidir abandonar a criação de bovinos cruzados Limousine para apostar na laranja, salientando que “a EDIA tem facilitado a nossa vida”.
E porquê laranja? O agricultor explica-nos: “a produção de bovinos tinha uma baixa rentabilidade, dependente dos subsídios, e não queríamos continuar assim, por isso fui à procura de alternativas. Com a disponibilidade de água, o olival parecia uma boa opção mas fiz pesquisas e visitei explorações em Espanha e percebi que a laranja tem taxas de rentabilidade ainda mais altas e decidi avançar”.
Em 2008/2009 criou a Citrusplus, plantou 30ha, depois em 2010 mais 30ha e começou a vender o gado. Hoje tem 185ha de laranjal na propriedade própria, mais 200ha plantados, já este ano, numa herdade arrendada em Ferreira do Alentejo e “em outubro arrendei uma herdade a 2km aqui da nossa onde vamos começar a plantar 250 hectares de amendoal”, com variedades de casca rija, já comprovadas, como a Guara e a Soleta.
Ter fruta quando mais ninguém tem
A produção de laranja deverá rondar os três milhões de quilos nesta campanha e ainda só com 115 hectares a produzir, uma vez que as árvores começam a dar fruto ao terceiro ano. Mário Gemperle vende toda a produção a granel para distribuidores em Espanha e na Holanda “e vamos entrar noutros mercados”. Não deixa de parte a possibilidade de vender também para o mercado nacional e até de, mais tarde, poder vir a embalar e criar marca, mas “para já estamos bem assim, vamos progredindo passo a passo e está a ser interessante, mas tem de se ter dimensão”, por isso o produtor avançou para a plantação de mais 200 hectares este ano.
“Com dimensão conseguimos vender o máximo possível em fresco, mas temos sempre também a alternativa de vender para sumo (uma vez que temos variedades com dupla aptidão) e ainda somos competitivos”, refere o agricultor.
Também Mário Gemperle está a apostar em variedades para produzir fora de época e, assim, conseguir ter melhor rentabilidade. “Temos variedades tardias, cuja colheita vai até agosto, para conseguirmos estar no mercado quando nem em Espanha têm produção”. Entre as variedades mais precoces e as tardias, Mário Gemperle diz à VIDA RURAL que a colheita vai de outubro a dezembro e depois de abril a agosto. A laranjeira é uma árvore muito exigente em termos de consumo de água, rondando os 6.000 m³/ha/ano e gosta de solo mais arenoso que “tenha uma textura leve, mesmo que tenha pouca matéria-orgânica. Fazemos fertirrega e damos azoto, potássio, fósforo e cálcio”.
A Citrusplus tem quatro colaboradores fixos mas durante a colheita tem de recorrer a mão-de-obra temporária – cerca de 50 pessoas (e serão ainda mais consoante a restante área entrar em produção) – que ficam depois também para a poda que se realiza logo a seguir. Tudo está em produção integrada e tem certificação Globalgap.
Na herdade onde vive, Mário Gemperle tem ainda dois pivots onde produz 60 hectares de luzerna, “porque dá-se muito bem e vendo para ovelhas e vacas de leite”.
Amendoal superintensivo
O espanhol Carmelo Sanchez decidiu investir no olival em Portugal em 2005, comprou uma herdade perto de Casével (Castro Verde) com 506 hectares, com uma barragem própria e plantou 300ha de olival superintensivo da variedade Arbequina. Mais recentemente, em 2014, a autorização de ir buscar água à Barragem do Monte da Rocha (com 8km de tubagens e bombagem) permitiu-lhe plantar 80 hectares de amendoal – das variedades Guara e Soleta – “que se adaptou muito bem” e cuja primeira colheita será no final de agosto/início de setembro.
Por isso, “e porque o preço está muito interessante, uma vez que há mais procura que oferta” decidiu apostar ainda mais na amêndoa e comprou outra herdade em Albernoa, com 620 hectares, já com água de Alqueva, onde está nesta altura a plantar 85 hectares de amendoal superintensivo da variedade Soleta, mais 535 hectares de olival superintensivo de Arbequina. “O investimento neste amendoal é muito elevado mas esperamos que a rentabilidade seja na mesma proporção”, afirma o produtor, adiantando que “estamos a colocar plantas que vêm de um viveiro que usa porta-enxertos enanizantes, para as árvores não crescerem demasiado e podermos utilizar nelas as mesmas máquinas do olival”.
Carmelo Sanchez baseia esta aposta, nomeadamente, nos bons resultados de uma produção superintensiva de amêndoa que utilizou plantas do mesmo viveiro já com sete anos, com quatro colheitas, na zona de Tarragona e refere que também a Fundação Eugénio de Almeida plantou um amendoal superintensivo há um ano e meio, que já visitou e que tem estado igualmente a correr bem.
No amendoal intensivo, que tem em Castro Verde espera uma produção em torno dos 1.500kg/ha, enquanto no superintensivo a produção poderá andar entre os 2.000 e os 3.000kg/ha.
O preço ronda hoje os 5/6€ por kg de miolo de amêndoa e mesmo o preço médio de 3/4€ “é interessante”. O produtor diz-nos que vai fazer uma parceria com a Migdalo, unidade que descasque e despela de amêndoa da família Sevinate Pinto em Ferreira do Alentejo.
Azeite vai a granel para Itália
A produção de azeite deste agricultor na próxima campanha deverá rondar 1,5 milhões de kgs e irá aumentar nos próximos anos, com a entrada em produção dos novos olivais. “Praticamente quase toda a produção vai para Itália em cisternas, sendo depois vendido como produto da União Europeia”, afirma o produtor.
Além dos 300 hectares de olival de Castro Verde, Carmelo Sanchez plantou também 413 hectares em Viana do Alentejo, em 2007, regado com água de barragem própria e que vai buscar ao rio Xarrama, “mas dentro de um ou dois anos também já teremos água de Alqueva”.
Começou por extrair o azeite num lagar do grupo Valouro, depois noutro em Ferreira do Alentejo e acabou por passar depois para a Quinta de S. Vicente com quem fez uma parceria em 2014 e que comprou depois em leilão em dezembro de 2015. A quinta tem o lagar (onde o agricultor extrai hoje todo o seu azeite) e 180 hectares de olival intensivo de Arbequina e Cobrançosa. “Um problema, uma vez que o intensivo exige muita mão-de-obra porque há muitas operações culturais que têm de ser feitas manualmente”, por isso pretende reconvertê-lo progressivamente em superintensivo, onde “fazemos tudo mecanicamente. Tenho três máquinas para colher a azeitona e com uma pessoa por turno – normalmente fazemos dois – mais dois tratoristas consegue-se fazer tudo”, conta-nos, acrescentando que só tem de contratar cerca de cinco pessoas a mais, que ficam depois da colheita também para a poda.
O filho, também Carmelo Sanchez, vai começar agora a trabalhar com o pai e ficará encarregue do lagar, uma vez que o objetivo, a prazo, será embalar uma parte do azeite com marca própria.
O olival e o amendoal têm um consumo idêntico de água, que ronda os 5.000 a 6.000m³/ha/ano, mas na herdade em Castro Verde, o amendoal tem um compasso maior – de 7/6 – enquanto o olival é de 4/1,5, mas em Albernoa os compassos “serão ainda mais ajustados: 3,5/1,2 no amendoal e 3,75/1,35 no olival”, diz Carmelo Sanchez.
O produtor coloca herbicida na linha e na entrelinha deixa crescer erva autóctone, que corta uma a duas vezes por ano e deixa no terreno. Faz fertirrega e também adubo foliar.
Sobre a disponibilidade de plantas no nosso país, Carmelo Sanchez chama a atenção: “é muito difícil arranjar plantas em Portugal, não há viveiristas com capacidade. Assim, para plantar em Albernoa tive de mandar vir, com um ano e meio de antecedência, de um viveirista de Córdova com que trabalho já há anos, um milhão de oliveiras e 200 mil amendoeiras”. Por isso, vai fazer uma parceria com este viveirista e ceder-lhe 3ha na Quinta de S. Vicente para ele fazer um viveiro de oliveiras.