A Associação dos Jovens Agricultores de Portugal (AJAP) elencou alguns problemas atuais no setor agrícola, enquanto propôs também soluções para a agricultura e territórios rurais.
A AJAP questionou o estado da agricultura algarvia, reiterou a reposição das Direções Regionais de Agricultura e Pescas, e abordou várias áreas do setor, nomeadamente questões no âmbito do setor do vinho e do leite.
Em comunicado de imprensa, a Associação defendeu uma maior robustez cooperativa ao nível da venda de fatores de produção e uma maior capacidade para adquirir as produções dos agricultores. Por fim, apelou ao diálogo político necessário à aprovação do Orçamento de Estado (OE) 2025.
Agricultura no Algarve
Para Firmino Cordeiro, Diretor-Geral da AJAP, falar no Algarve implica falar dos problemas da falta de água para a agricultura, da fraca capacidade de armazenar este recurso e, acima de tudo, da falta de estratégia dos sucessivos governos para o crescimento e desenvolvimento do setor nesta região.
“Os agricultores têm inovado, investido e diversificado as áreas de intervenção, mas infelizmente acabam por ser bloqueados pela inércia dos serviços centrais e descentralizados, e por políticos que desconhecem o importante papel da agricultura na região Algarvia”, avançou o responsável, referindo ainda que o Algarve, para além do turismo, “tem uma agricultura como setor estruturante para a região”.
Na ótima do dirigente, a região podia ter uma maior capacidade em várias culturas (citrinos, hortícolas, pomares, vinha, olival, alfarroba, romã, amêndoa, entre outras), na criação de gado (apostando nas várias raças autóctones e outras), assim como ter uma floresta mais produtiva e diversificada.
“Existem organizações de agricultores, mas deviam ter outra dimensão e capacidade, se melhor estruturadas por setores, nomeadamente na concentração da produção, normalização, embalamento e no marketing”, enfatizou Firmino Cordeiro, na conferência ‘Ambiente e Sustentabilidade: desafios atuais e futuros para o Agroalimentar no Algarve’, que decorreu dia 24 de agosto no Convento São José, em Lagoa, no âmbito da Fatacil.
E continua: “a agroindústria existe, mas efetivamente podia ser mais agressiva nos mercados, bastava que o poder político central tivesse a humildade de reconhecer a importância desta atividade na região, e a sensibilidade para entender e apoiar os agricultores na resolução de problemas que individualmente é praticamente impossível solucionar”,
Posição em relação às DRAP
Ainda no evento, a AJAP também referiu o seu posicionamento contra a integração das Direções Regionais de Agricultura e Pescas (DRAP) nas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR’s), promovido pelo Governo anterior, sem auscultar as organizações locais e nacionais do setor.
“Ainda temos a esperança de que este Governo e este Ministro da Agricultura consigam inverter a situação, pois, tal como está, o Ministro da Agricultura não tem a mesma ação e controle dos funcionários do Estado associados aos temas agrícolas, que agora têm outra tutela, para além da dificuldade dos agricultores em se relacionarem com esta nova dinâmica ou falta dela, uma vez que para os próprios funcionários seguramente não será a mesma coisa”, explica o dirigente.
Visão do setor cooperativo
Para AJAP, o setor cooperativo também merece atenção, este que tem “alguma pujança em áreas como o leite, vinho, azeite e algumas frutas, mas facilmente se constata uma menor apetência para alguns setores, e em algumas regiões a intervenção cooperativa é muito elementar”.
“É um problema transversal que diz respeito à grande maioria dos agricultores, uma vez que muitas das cooperativas se limitam a fazer revenda de algumas das empresas que comercializam fatores de produção, suas fornecedoras, e outras nem sequer têm capacidade de adquirir produções aos seus associados, deixando muitos agricultores entregues a empresas privadas e a grandes grupos, que em abono da verdade, apenas defendem os seus interesses”, sublinhou o responsável.
Para Firmino Cordeiro, é importante investir mais em formação associativa e cooperativa junto dos agricultores, pois o setor cooperativo “necessita de se modernizar, e de se rejuvenescer um pouco por todo o país”.
Acrescentando ainda que, se necessário, “deve ser implementada a fusão, ou a criação de maior ligação entre elas, não só devido à proximidade de algumas, mas também por setores de atividade”, acreditando que esta poderia ser parte da solução, pois “seguramente mais fortes e melhor estruturadas, seria possível aumentar a capacidade de comprar fatores de produção (para melhorar o preço junto dos seus associados, clientes e agricultores), bem como ganhar maior robustez e organização, para adquirir maiores volumes de produção aos agricultores”.
Vinho
Relativamente a este setor, o dirigente da AJAP referiu que “atravessa uma situação extremamente delicada, nomeadamente para os pequenos e médios produtores, devido à ameaça dos agentes da transformação e do comércio que não pretenderem comprar uma boa parte das uvas da presente campanha”.
“Num momento em que as vindimas arrancam em todo o país, as estimativas apontam para um stock de cerca de 200 milhões de litros de vinho por escoar de vindimas passadas. E há que ter em conta que a vindima de 2023 foi das mais generosas dos últimos anos”, comentou o responsável.
Firmino Cordeiro enfatiza que a situação assume maior relevância na região do Douro.
Segundo Rui Paredes, da Federação Renovação do Douro, os produtores estão na fase das colheitas e não sabem a quem vão entregar as suas uvas. Pelo segundo ano consecutivo, alguns operadores alegam quebras nas vendas e stocks cheios e, por isso, não estão a comprar uvas ou estão a fazer propostas de compra a baixos preços.
Rui Paredes também reforçou que, se não forem tomadas medidas que invertam a situação, “2025 pode vir a ser um ano em que muitos viticultores vão abandonar a atividade, pois não é comportável vender com preços que não suportam os custos de produção da maior região de montanha do mundo”.
Acrescentando que, “o que se tem vivido nos últimos anos foi um adiar dos problemas do setor, temos assistido à entrada de vinhos importados na região, nomeadamente provenientes de Espanha”.
Já o viticultor e técnico da AJAP na região do Douro, Rui Monteiro, concordou com Rui Paredes, e afirmou que “os viticultores do Douro enfrentam uma grave crise, devido ao corte no benefício, à diminuição da produtividade por hectare, e às enormes dificuldades em vender a produção. Corremos o risco de, nesta campanha, ficarem muitas vinhas por vindimar”.
Neste sentido, ambos os intervenientes são unânimes e dizem que medidas como a destilação do vinho excedente da região e o aproveitamento dessa aguardente para introdução no vinho destinado à denominação Porto, seria interessante.
Apontam ainda para a necessidade de uma maior fiscalização na circulação das uvas um pouco por todo o país (entre as nossas regiões), e de vinhos de Espanha (diretos para o Douro, ou via indireta através de uma nossa região qualquer, e depois para a região Douro).
São ainda de opinião de que a promoção dos vinhos de Portugal lá fora tem de aumentar quer em qualidade, quer em quantidade, e tem de ser um desígnio, dando maior ênfase aos produtos vínicos de qualidade superior do Douro.
Leite e laticínios
Em comunicado, a AJAP demonstrou também o seu apoio às recentes preocupações anunciadas pela APROLEP, que apelou, na semana passada, aos responsáveis políticos, do setor cooperativo, da distribuição e indústria de laticínios que garantam uma maior estabilidade para os produtores de leite, através de contratos de longa duração.
“O setor do leite é estratégico para o país, temos qualidade, tecnologia, excelente genética, e inovação, com muitas das operações de gestão e controlo a fazerem-se digitalmente. Estamos assim ao nível do melhor que se faz na Europa e no Mundo. Contudo, este setor não dá descanso aos seus produtores, dependentes de quem lhes compra o seu produto”, enfatizou Firmino Cordeiro.
Neste sentido, o responsável também afirmou que “enquanto a rentabilidade do produtor não estabilizar e não se valorizar a produção, este setor continuará a ser cada vez menos atrativo para jovens agricultores, e atividade que não rejuvenesce, ‘morre’”.
O que esperar do futuro?
Relativamente ao futuro, o Diretor-Geral da AJAP salientou que “se existe setor que exige estabilidade nas políticas, na estratégia, na estruturação e restruturação e programação de obras de Estado, nas políticas da água, eletrificação e energias alternativas, tão marcantes do sucesso de muitas explorações, é o setor agrícola”.
Na ótica do dirigente, os valores elevados de vários fatores da produção agrícola em Portugal, nomeadamente, disponibilidade de água e energia a preços competitivos, assim como fertilizantes, impostos, máquinas e equipamentos agrícolas, quando comparados com outros países, “tornam muitas das nossas pequenas e médias explorações inviáveis, razão pela qual muitas vão encerrando. Infelizmente os nossos políticos não entendem isto”.
Neste sentido, Firmino Cordeiro apelou “ao sentido de responsabilidade dos Partidos Políticos e ao diálogo, para que possam viabilizar o Orçamento de Estado (OE/2025) que se aproxima, porque é nosso entendimento que mais importante do que esta ou aquela vitória política pontual, importa olhar o país agrícola e rural na sua transversalidade, e perceber que se não o estruturarmos e prepararmos devidamente para o futuro, não é com medida avulso A, B ou C, com impacto no imediato, que se resolve o problema do país como um todo”.
O diretor-geral da AJAP falou ainda da agricultura ‘verde’ e do facto de cada vez mais o setor recorrer à tecnologia, dando como exemplo a Inteligência Artificial (IA), a biotecnologia e o blockchain (banco de dados com enormes capacidades de armazenamento).
“São, pois, muitos os caminhos para adotar práticas mais tecnológicas, produtivas e amigas do ambiente. Este é o caminho que devemos encurtar o mais possível, mas temos de o fazer organizados, interligados, e articulados, sem deixar regiões ao abandono, tornando os territórios rurais do país mais dinâmicos e sustentáveis, com um setor pujante, resiliente no sequeiro, de precisão sempre que possível e equilibrado numa floresta que se quer rentável e diversificada”, afirmou o responsável.