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Como adaptar o tomate de indústria à instabilidade climática

Como adaptar o tomate de indústria à instabilidade climática
Adaptar a cultura do tomate de indústria à instabilidade climática não está a ser tarefa fácil para os produtores: as exigências da indústria, nomeadamente em termos de cor, mas também de brix, são cada vez maiores e o desenvolvimento da cultura está muito atrasado. Mas trabalha-se sempre para a reconhecida qualidade do tomate nacional.

A exploração que a VIDA RURAL visitou tem um total de 400 hectares de tomate de indústria, este ano, e representa um esforço conjunto de quatro sócios: Cidalina Silva e os dois filhos, Neli e André Silva, e de Filipe Andrade e Sousa. Esta área representa uma redução de 55 hectares em relação à campanha passada.

Falámos com Neli Silva e o irmão André que nos contaram que “a cultura está muito atrasada”, porque as chuvas persistentes de março e abril não permitiram a instalação na altura prevista e “o desenvolvimento das plantas também está atrasado, devido ao frio que tem feito”.

Neli e André Silva - tomate de indústria

André e Neli Silva

 

Quanto a problemas fitossanitários – que no ano passado causaram muitos prejuízos e afastaram este ano alguns produtores da cultura –, Neli Silva diz-nos que “para já, não temos tido, mas temos de prevenir porque com o tempo que está hoje [21 de junho], este calor depois de terem chovido ontem 10mm, podem surgir alguns problemas, como o míldio” e acrescenta: “E há muitas plantas que ainda nem entraram em floração”. André lembra que “só terminámos as plantações a 3 de junho… e mesmo assim fizemos tudo em 40 dias, quando costumamos levar 60”.

Os produtores comercializam o tomate através da Torriba, mas “sabemos que a maioria da nossa produção vai para o grupo Kagome – HIT (Italagro e FIT)”, diz André Silva.

 

Cor é maior exigência

Neli Silva destaca que a exploração trabalha sempre para obter um produto de qualidade e “a maior exigência por parte das indústrias é a cor, que é valorizada a partir de 2,10”, mas “o ideal é 2,40/2,50”, afirma André. Também o grau brix não é esquecido, sendo o ideal uma média de 5,5 e já se começa também a valorizar o licopeno. A principal questão não é a indústria que valoriza mais cor/brix, mas sim a que penaliza por menos cor/brix ou até rejeita o produto abaixo de determinado valor.

 

E é muito difícil conseguir ‘o melhor de dois mundos’, porque o problema, explicam os agricultores, é que “algumas variedades de cor têm menos brix e vice versa”. Neli adianta que “no ano passado, não tivemos muitos problemas, conseguimos uma média de 2,10, porque tivemos menos cor apenas em alguns campos onde houve mais ataques de ácaros e mosca branca, porque não deixam a planta ir até ao final do ciclo produtivo”.

Por seu lado, André salienta que “produzir tomate com os padrões mínimos exigidos pela indústria não é rentável e mesmo quando conseguimos valores médios é à justa”. E isto porque o custo da cultura é elevado: “Cerca de 7.500€/hectare”, diz Neli e “isto para ter os padrões médios exigidos”, alerta André “cuidando bem da cultura”.

 

“Fazer cor” tem um custo

Gonçalo Escudeiro, diretor da Organização de Produtores (OP) Torriba de que os agricultores são associados, acompanhou a reportagem da VIDA RURAL e lembrou que “Portugal sempre teve boas condições de cor no tomate, mas para isso é preciso acompanhar muito bem a cultura, aumentando anualmente o seu custo, e com os preços a baixar, como aconteceu nas últimas campanhas, é difícil”, mas adianta que “os nossos produtores trabalham com o objetivo de ter um índice de cor sempre acima de 2”.

Gonçalo Escudeiro, diretor da Organização de Produtores (OP) Torriba

Gonçalo Escudeiro, diretor da Organização de Produtores (OP) Torriba

André Silva resume que “fazer cor tem um custo, que por vezes não é rentável. O irmão adianta que “há uma grande exigência na indústria, temos cada vez menos substâncias ativas e as que existem são muito dispendiosas, por exemplo, uma aplicação de um tratamento pode rondar os 90€/ha e uma tonelada de tomate não paga isso. Assim, os produtores têm sempre de ponderar muito bem todos os tratamentos e, por vezes, arriscam esperar dois ou três dias, porque as margens estão muito apertadas”.

Dar só o que a planta precisa

Para ajudar no maneio da cultura, Neli Silva explica-nos que “em cada parcela temos sondas de humidade e trabalhamos com várias empresas que fazem análises na cultura, normalmente de 15 em 15 dias, mas por vezes semanalmente para podermos ir sempre decidindo o que fazer a cada momento”. O irmão diz também que “ainda nesta campanha vamos ter igualmente cartas de NDVI”.

Já o diretor da Torriba adianta que “na OP fazemos também várias análises laboratoriais ao tomate, uma vez que todos estes campos estão certificados em GlobalGap”.

Quanto a adubações, André Silva explica que “na fase inicial usamos adubo sólido mas depois é tudo através da fertirrega, até final da cultura” e em relação a tratamentos, o agricultor afirma que “não temos tratamentos fixos pois dependem muito dos anos: 2017 foi um ano de muita pressão em termos de insetos, mas há anos em que as infestantes obrigam a mais controlo”.

As várias parcelas onde estes produtores têm os 400 hectares de tomate de indústria também têm solos muito diversos: “temos parcelas desde a Lezíria norte de Vila Franca até à Reta do Cabo”, diz Neli Silva, “aqui os solos são mais arenosos e leves e lá em baixo mais argilosos”.

Rotações e pousio

Gonçalo Escudeiro lembra que os produtores que trabalham bem as suas terras estão sempre à procura de culturas alternativas para as rotações com o tomate, “esse tem sido um grande objetivo da Torriba e temos conseguido algumas, como o amendoim, o girassol, a batata e a batata-doce, mas continuamos sempre em busca de outras”.

Nesta exploração, os produtores este ano decidiram até deixar algumas parcelas em pousio. “É o primeiro ano, mas estamos convencidos que vai dar bons resultados. Numa das parcelas tivemos azevém e na outra ervilha, esperamos que ajude a combater os fungos no solo e que na próxima campanha consigamos ter plantas de melhor qualidade, com menos gastos de fitofármacos”, afirma Neli Silva, explicando que a opção “foi quase uma decisão por não termos alternativa uma vez que até começar a chover, em março, não sabíamos se íamos ter água suficiente para regar tudo, uma vez que a Lezíria não tem armazenamento de água, pelo que regamos por setores e agora sabemos que a temos disponível 24 horas”, mas, lembra André, “chegámos a pensar que só teríamos 16h por dia na altura do pico da cultura do tomate”.

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Os produtores contam-nos que a maioria dos terrenos são arrendados e salientam que “é muito difícil encontrar novos terrenos na zona porque os melhores já estão ocupados com culturas”.

O Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmou recentemente as previsões de uma redução da ordem dos 26% na superfície plantada de tomate de indústria, passando dos 19,6 mil hectares plantados em 2017 para um total de 14,4 mil hectares este ano, valores mínimos de 2013.

Segundo o INE, “esta diminuição é, essencialmente, reflexo de uma campanha passada muito adversa em termos fitossanitários, com os fortes ataques de mosca branca e de ácaros”, problemas que, diz o Instituto, “afastaram um número considerável de produtores desta cultura, tendo, para a grande maioria dos restantes, induzido a redução da área instalada”.

Todavia, Gonçalo Escudeiro, diretor da Torriba, salienta que esta diminuição “é uma necessidade, porque desde as grandes campanhas de 2014 e 2015, as indústrias ficaram com excesso de concentrado de tomate armazenado e os preços desceram fortemente” e adianta: “Não esqueçamos que o tomate é uma commodity e tem um mercado muito global”.

Nesse sentido, as 15 Organizações de Produtores (OP) de tomate de indústria em Portugal reuniram-se, antes da contratação, com representantes das várias indústrias para falar sobre o setor “para definir uma estratégia conjunta para valorizar a fileira” porque “estão preocupadas com os resultados dos últimos dois anos”, conta Gonçalo Escudeiro, afirmando: “nestes encontros defendemos que é necessário adaptar a oferta às necessidades do mercado, operando uma redução do volume de produção porque há excesso”.

Nestas reuniões, “aproveitámos também para falar de algumas questões fitossanitárias, nomeadamente a falta de matérias ativas para algumas das pragas que tivemos em 2017” e deste esforço conjunto já resultou um pedido à DGAV para que consiga autorizações excecionais para algumas matérias ativas de alternância “para evitar as resistências”.

Campanha atrasada e concentrada

“Na campanha de 2018 os contratos foram celebrados a 15 de fevereiro e, nessa altura, ainda não tinha chovido, pelo que tínhamos de ser prudentes”, lembra Gonçalo Escudeiro.

Depois disso, “em março choveu 400mm e em abril continuou a chover, logo nesta campanha a instalação foi muito concentrada em maio, ao contrário do habitual”. Cerca de 60% da instalação da cultura do tomate de indústria costuma fazer-se nos meses de março e abril e este ano foi da ordem dos 20%.

“Por isso, estamos a mais de meados de junho e muito do tomate só agora está a entrar em floração, pelo que vamos ter uma campanha que se pode prolongar até outubro”, refere o diretor da Torriba.

Tomate: estratégia e risco são as palavras de ordem

Antes da visita a VIDA RURAL falou com o presidente da Torriba, Filipe Andrade e Sousa (sócio daquela exploração), e com o diretor da OP, Gonçalo Escudeiro, sobre as perspetivas para a produção de tomate no futuro. Na Torriba o tomate de indústria tem um peso significativo (50%).

O presidente defende que “tem de haver uma estratégia para esta cultura, pela qual Portugal é famoso, devido à qualidade que conseguimos pelo facto de estarmos junto ao Atlântico” e sublinha: “Por isso, temos de apostar nessa qualidade e não massificarmos a produção, nem entrar na venda do produto pelo preço”.

Filipe Andrade e Sousa considera ainda que “nesta estratégia tem de haver um equilíbrio entre o que se faz no campo e a verdadeira capacidade das fábricas, porque senão ficamos com a produção no campo”.

O diretor da OP salienta, por seu lado, a necessidade de melhor gerir o risco, que “aumenta com a instabilidade climática que, cada vez mais, se tem verificado”, acrescentando que “com margens muito baixas não há espaço para o risco”, pelo que o “Estado tem de estar ao nosso lado, investindo numa boa gestão de crise, em que os seguros de colheita são uma parte fundamental”. Gonçalo Escudeiro refere que “tem-se progredido: há cinco anos só cerca de 5% dos produtores de tomate tinham seguro e hoje ronda os 80%, e cerca de 70% a nível global de culturas”, mas, “mesmo assim há várias situações que continuam fora das coberturas das mais diversas culturas, como as chuvas persistentes que tivemos em março, por exemplo, por isso é necessária uma maior intervenção do Estado”. E Filipe Andrade e Sousa acrescenta que “a negociação com os peritos é uma ‘guerra de nervos’ e, felizmente, que muitas OP já fazem isso pelos produtores”.

Os responsáveis defendem a necessidade de existirem seguros ao rendimento e também a importância da mutualidade nos seguros agrícolas.