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Entrevista - José Martino

“Há falta de competências de gestão na agricultura”

José Martino

O movimento positivo que a agricultura portuguesa está a viver vai ser estrutural. Há empresários que, mesmo sem experiência, têm perfil para gerir negócios e esse é o ponto determinante para o sucesso nos agronegócios. Esta é a convicção de José Martino, consultor, blogger e mais recentemente business angel na área agrícola, que fala das oportunidades que a agricultura está a gerar e do que falta para tirar mais rentabilidade da atividade.

Como é que olha esta ‘onda’ de novos investidores na área agrícola em áreas tão diversas? Preocupa-o a viabilidade futura destes novos projetos, ou acredita que é um movimento necessário para trazer inovação e modernização ao setor?

Estamos a viver um momento na agricultura que é uma oportunidade. Uma oportunidade pela entrada de novos agentes e de novas competências e também uma oportunidade, porque há uma nova visão. Claro que tudo isto vai ser feito com algum sacrifício, quem não conseguir ter sucesso nas suas atividades vai pagar a fatura…

Como em qualquer atividade económica…

Sim. A ideia que tenho dos negócios é que quem os faz são os empresários. A competência do empresário é a chave para o sucesso. No passado estávamos mais dependentes das condições naturais, quer de solos quer de clima, para a competitividade das atividades agrícolas. Hoje estamos mais ligados à competência dos empresários e à sua capacidade para misturar tecnologia com equipas humanas e com o facto de serem capazes de fazer produtos competitivos.

Ou seja, a capacidade de gestão sobrepõe-se a questões técnicas e climáticas…

Para mim, a grande limitação que existe na agricultura é a falta de competência de gestão, mais do que competências técnicas, porque essas podem ser contratadas. Já as de gestão não é tão fácil…

Esta vaga de investidores, que é muito heterogénea, já tem essas características?

Há uma parte que sim, e essa parte vai tomar conta dos que falharem. Acho que aquilo que aconteceu no primeiro Quadro Comunitário, em que desapareceram as atividades dos jovens agricultores que falharam, não vai acontecer na mesma escala. Creio que agora isso pode acontecer nos projetos de pequena dimensão, mas nos maiores aparecerão outros produtores para tomar conta…

Por aquisição?

Por aquisição, por gestão das explorações, por participação tipo business angels

Culturalmente ainda existe uma resistência que alguém venha tomar conta do meu negócio…

Isso existe, mas conheço uma empresa que foi lançada para apoiar jovens agricultores na gestão das explorações e, neste momento, trabalha maioritariamente com produtores de meia-idade, gente com capacidade financeira. Porque os jovens agricultores ainda têm a ideia de que são capazes de dar a volta e são competentes. Mas os mais velhos e maduros já olham para o negócio de outra maneira, têm as terras e a vontade de as rentabilizar, mas percebem que não têm tempo ou capacidade para o fazer e entregam a gestão.

“A agricultura está a ser vista como um negócio e temos de aproveitar.”

É uma tendência?

Sim, a agricultura está a ser vista como um negócio e temos de aproveitar.

A agricultura está também muito atrativa para quem quer investir como business angel. Até aqui a agricultura financiava-se com fundos comunitários e um pouco na banca…

E com capitais próprios. A banca sempre esteve pouco ligada ao negócio produtivo. Ainda hoje tem muita dificuldade em perceber o negócio agrícola, faz algumas operações de baixo risco, como antecipar ajudas europeias, faz uns leasings em função dos valores dos bens, mas quando se fala em financiar infraestruturas, plantações, aí as coisas já são mais difíceis. Os business angels têm a grande vantagem de serem empresários que a banca conhece e o currículo dos empresários já é uma garantia para a banca de que aqueles projetos irão chegar a bom porto. O acesso à banca fica facilitado e o preço do dinheiro baixa substancialmente. Os business angels têm também a vantagem de serem pessoas que percebem de negócios e que trazem gestão para a agricultura. E isso é muito importante, porque é preciso fazer acontecer a operação cultural certa na hora certa. É muito simples de dizer, mas é difícil de aplicar no terreno.

Parece-lhe que os business angels que vêm de fora do setor, e que olham para ele puramente como oportunidade de negócio mas que conhecem pouco de agricultura, estão preparados para um setor tão arriscado?

Um dos problemas que tínhamos no passado é que os empresários de outras áreas, quando entravam na agricultura, desenvolviam a atividade de uma forma tradicional do ponto de vista da gestão. Porque na agricultura é muito importante a experiência. Temos de formar equipas, escolher as pessoas certas, e ter a coragem de as manter durante o tempo necessário para que ganhem experiência para dominar as operações culturais. Não é uma questão técnica, é uma questão de gestão dos pormenores no dia a dia. E muitas vezes, os que vêm de outras áreas têm a tendência para mudar as equipas quando não há resultados num determinado prazo temporal. Mas não conseguem ter resultados porque falta a maturação… os ciclos da agricultura não são iguais aos ciclos da indústria ou dos serviços.

Os agricultores estão a aceitar bem este novo tipo de investidores? Como é que está a ser a sua experiência?

O nosso objetivo não é ter um número muito elevado de jovens agricultores ou outros investidores ou proprietários. O que estamos à procura é de pessoas com elevado potencial para o negócio, queremos fazer poucas operações, mas de valor acrescentado.

“O que faz a diferença são os empresários, não são as atividades, é o seu perfil. Conheço, na mesma atividade e na mesma fileira, gente que ganha muito dinheiro, gente que ganha algum e gente que perde. E às vezes são vizinhos!”

Está focado em pessoas ou em culturas?

Em pessoas. O que faz a diferença são os empresários, não são as atividades, é o seu perfil. Conheço, na mesma atividade e na mesma fileira, gente que ganha muito dinheiro, gente que ganha algum e gente que perde. E às vezes são vizinhos!

Se tiver dois empresários com o mesmo perfil, um que está numa área tradicional, como a fruticultura, por exemplo, e outro que vai entrar numa área completamente nova, como a produção de rãs, quem escolheria?

Se o negócio das rãs tivesse os canais de comercialização e valorização adequados provavelmente investiria. Compraria a estratégia comercial, essa parte para mim é importante, o acesso ao mercado.

Mas sei que não acredita que o mercado esteja em primeiro lugar…

Sim, contesto completamente isso. Hoje, no mercado, não falta nada. Se não produzirmos alguém o vai fazer. Para estarmos no mercado temos de ser intrinsecamente competitivos e rentáveis. Esta questão da atitude é determinante para o sucesso. A competência do empresário, economia de escala, e por aí fora…

Não o preocupa esta multiplicação de negócios, muitos completamente inovadores, sem organização e escala?

As pessoas estão a entrar nestas novas atividades porque são sensíveis à realidade. A realidade da agricultura portuguesa é que tem falta de competitividade. Do ponto de vista geral e ‘macro’. E como nas atividades tradicionais a rentabilidade é relativa, as pessoas agarram-se a novas oportunidades porque consideram que nas atividades inovadoras automaticamente poderão ter maior potencial…

Isso não é bem verdade…

O potencial existe, mas é preciso transformá-lo em realidade.

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E estão conscientes que há um mercado para desbravar e que essa parte é muito difícil?

Estão conscientes do maior potencial das novas atividades. Mas depois há a ideia de que havendo pouca quantidade o preço é alto e havendo muito o preço é mais baixo. Não comungo desse tipo de raciocínio porque depende dos produtos e a afirmação dos produtos nos mercados, hoje em dia, depende da quantidade e da regularidade da oferta. Se não se conseguir que determinado produto fique no mercado o maior tempo possível, com uma qualidade e homogeneidade que tenha força, ele não vai ser competitivo. Apostar na escassez não é bom, porque a prazo a escassez desaparece. Como se costuma dizer na agricultura só custam os primeiros 10 anos…

Onde é que vê maior potencial quando olha para estas novas oportunidades?

Quando há condições de solos e de clima para essas atividades, do ponto de vista da produção e de acesso ao mercado, quando analisamos os nossos concorrentes e trabalhamos os produtos numa lógica global, há potencial. Onde é que há mercado que valorize essas produções? E o que é que precisamos de fazer para lá chegar? Que quantidades, que regularidade de oferta, que embalagem? Isso tem de estar assegurado.

Mas tendo em consideração o que diz, quais as culturas com mais potencial?

As mediterrânicas são as culturas para as quais temos aptidão. Não estamos a inventar nada, o vinho, o azeite, os hortofrutícolas, produtos tradicionais de qualidade, quer animais quer vegetais.

Nos últimos anos assistimos a um aumento enorme da área de mirtilo, uma cultura que entrou na moda. Vamos ter más notícias em breve para a cultura do mirtilo?

Provavelmente sim, provavelmente não. O mirtilo é um caso paradigmático, semelhante ao que aconteceu ao kiwi na década de 80 do século passado, em que se discutia se se estava a plantar de mais ou de menos, se iria ter rentabilidade a médio e longo prazo ou não. A visão que tenho é esta: o mirtilo é um produto com um potencial de mercado muito grande. Se conseguir que uma criança de dois anos prove mirtilo, ela come uma cuvete inteira, até mais se tiver. Com outro tipo de frutos isto é praticamente impossível. Por outro lado, o mirtilo é um fruto do consumidor moderno. Pode ser consumido a qualquer hora do dia, antes, durante e depois das refeições e é prático: abre uma cuvete e não tem de sujar as mãos. Do ponto de vista do consumo o potencial é imenso.

Mas é um produto caro…

Os preços também vão baixar para aumentar o consumo…

Mas as contas de cultura estão feitas para preços mais baixos do que os atuais?

Sim. Mas aqui há várias considerações. Primeira questão: temos uma área grande de mirtilo em Portugal. Mas há uma percentagem muito grande desta área que está mal implantada, em sítios onde não devia estar. Segunda questão: existe outra área desta parcela, também relativamente elevada, que estando nas áreas certas está mal implantada, a preparação do terreno e a plantação foram mal executadas. Terceira componente: há plantações bem implantadas, bem feitas, mas que depois não foram tratadas nos primeiros anos, do ponto de vista da fertilização, da rega, etc.

Quando se parte para um projeto destes, que não é tão barato assim, não há um plano de ação para a cultura?

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Os planos existem, mas precisam de ser executados…

“O que acontece hoje é que o mercado real é relativamente pequeno e o mercado potencial é enorme. Como é que isto se casa é o que falta explicar. Na minha opinião, o mercado vai ser de proximidade. Isto é, vamos produzir para consumir em Portugal e em Espanha.”

Mas o que é que está a falhar? As pessoas não estavam financeiramente preparadas para dar continuidade à plantação ou pensavam que era só plantar e colher?

O ponto-chave é, como falei há pouco, a gestão, é fazer a operação certa na hora certa. E muitas destas pessoas esqueceram-se que é preciso tratar, regar, fertilizar, podar… na hora certa. Para mim, seria positivo que toda esta área estivesse bem feita e em produção. Quanto ao mercado, ele vai reorientar-se e aumentar. O que acontece hoje é que o mercado real é relativamente pequeno e o mercado potencial é enorme. Como é que isto se casa é o que falta explicar. Na minha opinião, o mercado vai ser de proximidade. Isto é, vamos produzir para consumir em Portugal e em Espanha.

E não para exportação massiva, que era a ideia inicial?

Temos de olhar para o globo terrestre, perguntar, e ir à procura do mercado que está disponível para pagar mais por este tipo de fruto. Começamos por aí e depois vamos rearranjando o mercado interno. Se observar o ponto de vista dos países que são grandes produtores frutícolas, quando eles têm uma produção grande também têm um consumo interno grande. No mirtilo vai acontecer isso, a prazo a exportação e o mercado interno vão desenvolver-se paralelamente. Claro que com isto vai haver ajuste de variedades, há variedades que são desadequadas, isso é normal. Muitas vezes ficamos muito causticados porque achamos que temos de fazer logo as opções certas. Isso faz parte da vida, temos de ver estas adaptações e mudanças como positivas.

Quando falou que há projetos mal implementados, houve mau aconselhamento por parte de consultores?

Nalguns casos sim, mas as pessoas são pouco previdentes. Não estou de acordo que a culpa seja do aconselhamento, acho que quem investe é idóneo. Se tomam decisões com base em consultores que não são bons, a responsabilidade é sempre dos empreendedores, não do consultor. Para mim um bom empreendedor é aquele que é capaz de saber avaliar pessoas, quer sejam consultores ou outro tipo de fornecedores ou colaboradores. Se não tiver essa qualidade vai sempre falhar, porque alguém o vai enganar ou vai fazer as opções erradas. No fundo, o que recomendo é que se deve dedicar à agricultura quem tiver perfil para empreendedor, nesta lógica do investimento.

Mas muitas vezes há essa capacidade de gestão, mas o desconhecimento do setor faz com que se confie numa empresa de consultoria agrícola…

Cada um de nós tem de saber com quem se relaciona e que referências tem das empresas…

“Para mim um bom empreendedor é aquele que é capaz de saber avaliar pessoas, quer sejam consultores ou outro tipo de fornecedores ou colaboradores. Se não tiver essa qualidade vai sempre falhar, porque alguém o vai enganar ou vai fazer as opções erradas.”

Mas nos últimos anos surgiram imensas empresas de consultoria agrícola, a acompanhar este dinamismo…

E até comentadores de agricultura. Eu hoje já me sinto com dificuldade em falar em público ou dar entrevistas, porque vejo gente a quem nunca vi nenhum perfil agrícola, mas que percebe imenso de agricultura, mais do que nós que andamos aqui há muitos anos a pagar faturas e aprender todos os dias.

Mas há uma noção de que, neste momento, se estão a fazer projetos de forma irresponsável por mau aconselhamento…

Sim, isso existe, tenho essa perceção. Mas a velha questão de que a culpa é sempre dos outros, do Governo, da família, da escola, não compro isso. A minha prática diária é esta: quando as coisas falham a responsabilidade é minha.

Mas como consultor, não lhe parece que devia haver, no mínimo, um alerta para estas situações? A ideia que se tem é que se estão a entusiasmar as pessoas mesmo quando os projetos, à partida, não têm pernas para andar. Não sente essa responsabilidade?

Isso é o que faço recorrentemente, e passo isso aos meus colaboradores na consultoria. Repare, temos uma taxa de concretização de projetos inferior a 10%, entre as reuniões de consultoria que fazemos e os projetos que avançam. E se quiséssemos esta taxa seria muito mais elevada. Queremos que quem investe tenha sucesso, que o negócio perdure, a nossa visão não é imediatista de lucro, mas claro que a responsabilidade é de quem contrata.

Olhando para o país, e apesar de existir um grande dinamismo na zona sul devido a Alqueva, percebemos que estão a ser implementados muitos projetos no norte e interior do país, muitos deles inovadores, que não estão a ser noticiados…

A agricultura tem desde sempre um problema de comunicação. Quem faz bem, ou muito bem, não é conhecido. E é mais fácil dizermos que isto está mau e darmos atenção ao que corre menos bem do que a quem faz as coisas muito bem. Muitas vezes os empresários que fazem muito bem também são pessoas low-profile e que não gostam de aparecer do ponto de vista público. Mas penso que o caminho é por aí, a utilização dos bons exemplos como estratégia para puxar a agricultura para cima.

Mas queria realçar um ponto. Há uma parte da política pública do país com a qual não concordo: estamos a colocar dinheiro na agricultura em Portugal e isso não se repercute na melhoria da rentabilidade.

Porque é que isso acontece?

Acontece porque o sistema é cego na atribuição das ajudas. Cego do ponto de vista da avaliação da competência de quem usufrui dessas ajudas. Estamos a falar de ajudas públicas, de impostos dos europeus e dos portugueses que deviam ser melhor acautelados.

Está a falar concretamente de ajudas ao investimento?

Sim. Repare, não é porque alguém tem entre 18 e 40 anos, e que diz que quer fazer uma fábrica de sapatos, que lhe são dados milhares de euros de dinheiro público. O que é que esta pessoa sabe de sapatos, de marketing, de gestão de pessoas?

Mas, tal como disse que uma empresa de consultoria acaba por não ser responsável pelo rumo da exploração, quem atribui os apoios também tem de confiar nos projetos e nos empresários, se os números fizerem sentido… Que mecanismos podem ser mais eficientes para fazer este crivo?

A minha proposta é simples e pública. No caso dos jovens agricultores que apresentem projetos, teriam de estagiar durante um ano numa exploração agrícola, com acompanhamento do chefe de exploração e com um técnico-tutor. No final do ano teria de existir um parecer positivo e ser feito um exame público, da responsabilidade do Ministério da Agricultura.

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Estagiar numa exploração alheia atesta a capacidade de gestão?

Nós já organizámos estágios formativos e ao fim do primeiro dia de estágio há pessoas que dizem logo que ‘isto não é para mim’… se não tivessem feito estes estágios continuaram com a ideia romântica da agricultura…

Isso para jovens agricultores, e para os outros?

Nos outros também. Isto é dinheiro público. Como é que é possível que ao fim de 25 anos, o nível de ajudas que são colocadas na agricultura, quer ao rendimento quer ao investimento, represente 10% do volume de negócios? Como é que é possível que estas ajudas não provoquem um aumento do produto e um aumento do valor acrescentado? Temos de gerar mais valor acrescentado, têm de existir métodos diferentes de atribuição, mas há que sensibilizar os candidatos para que sejam previdentes e que quem atribui seja mais rigoroso. Também considero que os montantes mínimos para a primeira instalação devem ser no mínimo de 150 000€. Porque se os projetos não tiverem dimensão não se consegue gerar pelo menos 15 ou 20 000€, que é rentabilidade mínima necessária para manter uma família. Devia ser dado um sinal do caminho que se quer seguir, que deve ser mais profissional. Também devia ser obrigatório um fundo de maneio para gestão de tesouraria, isto responsabilizaria as pessoas, seria uma salvaguarda.

Mas aí teria muitas críticas que esse fundo poderia inviabilizar os investimentos, porque dificilmente quem começa tem disponibilidade para ter fundos de maneio…

Mas é aí que entram os business angels, o capital de risco. É preferível menos projetos e projetos mais estruturados. Todos estamos saturados de pagar impostos.

Concorda a nova lógica de não apoiar fileiras estratégicas, mas sim projetos?

O Estado demitiu-se de ter opções políticas de liderança. O Estado tem de ter planos estratégicos para as diversas fileiras e colocá-los no mercado para todos e depois cada um aposta no que entender.

Porque é que deve ser o Estado a definir as fileiras estratégicas e não o mercado?

Não é definir as fileiras, é fazer os planos estratégicos das fileiras que devem ser feitos de forma neutra. Tem de haver referenciais para que quem quer entrar nestas atividades perceba o ponto em que elas estão, e isso não existe, esse trabalho não está feito. Veja o caso de Alqueva, na minha opinião devia criar 100 000 postos de trabalho, mas falta um plano estratégico, não existem lá agroindústrias, não se percebe como é que lá vão chegar… Um plano estratégico é essencial. E o que vai acontecer é que o que poderia ser feito em cinco a oito anos vai demorar entre 15 a 20. Mas como somos um país rico podemos dar-nos ao luxo de fazer as coisas desta maneira. Este plano estratégico até poderia ser feito em consórcio por um conjunto de empresas de consultoria, íamos a concurso e era relativamente simples. O Estado não tem de ter vocação para fazer isto, tem é de os pagar [os estudos], e têm de ser feitos com imparcialidade para defesa dos interesses públicos.

Em relação à agroindústria, há, de facto, necessidade de ter uma fábrica de 100 em 100 km num país tão pequeno como o nosso ou devemos pensar em soluções de otimização de transportes e logística, como fazem países como a Austrália ou a Nova Zelândia?

Eu sou adepto da solução que seja economicamente mais competitiva. O investimento em infraestruturas é aquele em que nos sentimos muito felizes, construir fábricas grandes, mas o que é preciso perceber são os métodos utilizados, as estratégias de marketing, o resultado que geramos, o dinheiro que ganhamos. Quanto ao modelo em si não opino, temos de tirar partido do que existe, potencializando. Temos de fazer as coisas bem, e o exemplo que gosto de dar é o da Nova Zelândia, que é um país competitivo desde a base. Um empresário agrícola na Nova Zelândia é desde logo uma pessoa propensa a fazer bem. Estive nesse país três vezes a recolher informação técnica sobre kiwi e conheci empresários que, apesar de estarem no fim do mundo, sabem mais de mercado do que nós que estamos ao lado do mercado. Eles estão a três semanas do mercado, tal como na América do Sul. Aqui perdemos mais tempo a filosofar sobre o tema do que a trabalhar para conquistar. Precisamos de mais dimensão nas explorações para sermos competitivos.

Mas isso passa por explorações maiores, ou por produtores mais organizados para criar escala?

Precisamos em primeiro lugar de ter agricultores intrinsecamente competitivos. Que façam bem, porque com bom produto a venda está facilitada. Veja o caso de Bolzano, em Itália, uma região com 20 000 hectares de macieiras, mas com uma exploração média de 2 hectares. Mas têm uma rentabilidade notável e fazem todos da mesma maneira, fazem bem.

Mas há uma Organização de Produtores que recolhe tudo?

Sim, mas se o produto não for bom a OP não se credibiliza. Temos de começar com uma boa base. Se o produto que faço não é aquele que o mercado quer trocar por euros, nada feito, é aqui que as coisas falham.

Esse é o principal problema, não ter produção uniforme?

Sim, essa é a chave para não conseguirmos gerar valor acrescentado.

Entrevista publicada na edição de maio de 2015 da revista VIDA RURAL