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Ou é de regadio ou não é!

Ou é de regadio ou não é!

As alterações climáticas têm provocado fortes mudanças na pluviosidade e temperatura tornando cada vez mais difícil planear as culturas. Mas, no Alentejo a maior disponibilidade de água proporcionada por Alqueva permite que os agricultores possam controlar melhor a produção.

Para discutir as mudanças necessárias, as vantagens e dificuldades da passagem do sequeiro para o regadio nos cereais, a Associação Nacional dos Produtores de Cereais, Oleaginosas e Proteaginosas (ANPOC) e o Instituto Nacional dos Recursos Biológicos (INRB) organizaram em Abril em Elvas o seminá-rio “Rega de Cereais Praganosos – Os Cereais Regados na Área de Influência de Alqueva”.

Ao longo do seminário ficou claro que “A agricultura ou é de regadio ou não é!” – o título da apre-sentação de José Núncio, presidente da Fenareg. E que os agricultores não conseguirão fazer a aposta no regadio sem incentivos porque os investimentos são elevados e demoram a rentabilizar-se.

 

Mas também se provou que já há estudos que demonstram que, tendo em conta um conjunto de variá-veis, a aposta pode ser ganha a médio/longo prazo. Além de que as alterações climáticas não deixam muitas alternativas: continuar à mercê do tempo será suicídio, o caminho é uma agricultura planeada.

Na sua apresentação sobre trigo duro e trigo mole, Benvindo Maçãs, do INRB/INIA Elvas, destacou que “o estabelecimento de searas com valores adequados pode ser alcançado pela conjugação de vários fac-tores: escolher a variedade adequada, a data de sementeira, a densidade de sementeira, a distribuição das plantas (tipo de sementeira – linhas pareadas versus sementeira convencional), a gestão da aplicação de azoto e a gestão da rega”.

 

Estes são factores fundamentais para conseguir minimizar os problemas com que muitos agricultores se têm confrontado no campo, na passagem para o regadio, como “acama, maior probabilidade de esta-belecimento de doenças, maior exposição ao risco de grandes perdas de água por transpiração em anos com temperaturas elevadas durante o enchimento do grão – redução na produção por deficiente conformação dos grãos que se perdem durante o processo de ceifa e debulha e na qualidade”, salienta Benvindo Maçãs.

Todos os factores apresentados resultam de anos de investigação em vários ensaios levados a cabo pelo INIA Elvas (e por outras instituições) e que se debruçaram sobre o comportamento de diversas variedades de diferentes culturas (trigo, cevada dística, etc., mas também oleaginosas e proteaginosas), testando novas datas, densidades e tipos de sementeiras, bem como aplicação de azoto e sistemas de rega, entre outros factores. No dia de campo, os participantes no seminário visitaram vários destes ensaios (ver reportagem na pág. 21).

 

As variedades identificadas como mais adaptadas ao regadio já estão inscritas no Catálogo Nacional de Variedades mas os estudos e ensaios vão continuar. Nos próximos anos, os investigadores têm vários projectos para saber como obter produções elevadas de qualidade em regadio.

No seminário foram também apresentados os resultados de ensaios relativos aos vários factores já referidos, realizados por investigadores portugueses e espanhóis, mostrando a importância que todos eles têm no planeamento da cultura em regadio. A gestão adequada da rega, por exemplo, é fundamen-tal já que não basta ter água e regar, é preciso saber quando, quanto e como.

 

Assim, o agricultor que quiser passar a cultivar cereais de regadio tem de ter em conta todos os fac-tores referidos e adaptá-los a essa mudança.

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Duplicar produção de cereais

“Portugal tem condições para ser competitivo nos cereais”, explica-nos Bernardo Albino, salientando que “é preciso que haja uma estratégia bem construída” e apoios. Mas o presidente da ANPOC garante que “o efeito será multiplicador, com pouco dinheiro”. Comparando com uma cultura mais intensiva, como o tomate, onde o custo de produção por hectare é de cerca de 600€, nos cereais este custo é de 400€, pelo que “com uma ajuda idêntica se poderá apoiar muito mais área de produção”.

No ano passado, Portugal produziu 900 mil toneladas de cereais, menos de 25% das suas necessidades, já que o país consome cerca de quatro milhões de toneladas em cada ano. Não se pensa na auto-suficiência, que todos sabem ser impossível de atingir, mas os agricultores garantem que dispomos de condições para chegar aos dois milhões de toneladas. António Serrano, ministro da Agricultura, tam-bém já afirmou, mais do que uma vez, que Portugal deve ir até aos seus limites de produção agrícola.

O ministro esteve presente no encerramento do seminário e ficou bem patente que dirigentes e agricul-tores apreciam a diferente postura e forma de trabalho deste ministro, por comparação ao anterior, mas afirmaram que isso só não chega. Tanto Bernardo Albino como João Machado, presidente da CAP, frisaram que ‘o estado de graça’ acabou, são precisas medidas concretas. “Já teve seis meses para respirar, sentar-se e analisar tudo. Agora há que agir”, disse Bernardo Albino.

À margem do seminário, João Machado disse à Vida Rural que o plano de preço faseado para a água de Alqueva, anunciado pelo ministro, “demonstra um esforço e é positivo porque os agricultores e a região estão a passar por momentos difíceis, com quatro anos sem apoios e sem Proder, pelo que a água pode ser um incentivo para mudar”. O presidente da CAP salientou, todavia, que “80% do regadio em Por-tugal é privado e o Proder só financia o regadio público”, questionando: “E todos os que não têm aces-so às barragens públicas? Porque não se volta a apoiar o regadio privado?”.

João Machado frisou ainda a importância que tem para os agricultores a investigação pública, como a que é feita pelo INIA em Elvas, “como se pôde ver neste seminário. País que não tenha investigação nesta área não conseguirá ter sucesso na sua agricultura”.

O ministro da Agricultura concorda, salientando que antes de mais “precisamos de colocar a investi-gação pública ao serviço de quem dela precisa – os agricultores”. António Serrano salientou também que pretende aproveitar o debate em torno do futuro da Política Agrícola Comum (PAC) pós-2013, que está em consulta pública, para “recolocar a agricultura na discussão nacional. A agricultura é fun-damental e foi sendo desconsiderada, perdeu notoriedade e prestígio. Temos de sensibilizar todos para a sua importância e para o papel que pode desempenhar na economia nacional, uma vez que, incluindo a área florestal e agro-industrial, representa cerca de 13% das exportações e tem um peso de 6% no PIB”.

Falando da PAC, o ministro considerou que existe abertura na União Europeia (UE) para pôr em causa os princípios daquela política comunitária já que o paradigma mudou, “discute-se a produção de proximi-dade para garantir níveis mínimos de abastecimento [devido aos preços, à crise, ao custo dos transpor-tes, etc.], pelo que temos uma oportunidade para revitalizar o sector. A agricultura está a trabalhar para a sociedade e só é possível manter tudo isso com ajudas”.

António Serrano garantiu ainda que o seu Ministério quer “estimular a produção, seja em que área for”, cereais incluídos.