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Regadio

Produtores apostam em eucalipto regado

eucalipto regado destaque

É a árvore mal-amada da nossa floresta, fruto de erros do passado, mas é a mais apetecível pela sua rentabilidade. Os estudos e a prática mostram que pode ser uma boa alternativa para rotação de culturas, porque “a seguir ao eucalipto tudo funciona bem”, e também para áreas marginais e improdutivas, mesmo em regadios públicos. Foi o que fizeram António José Romeiras e Manuel Paim na Herdade dos Pavões, em 32 hectares contíguos de cantos de pivots de milho, regados com água do aproveitamento hidroagrícola do Vale do Sorraia, onde mais nada resultou.

Depois de tentar outras alternativas para estas áreas de regossolo, como a cobertura total de milho, o trigo ou o girassol – “que se mostraram desastrosas” –, os dois produtores, decidiram fazer um estudo da viabilidade para plantar eucaliptos. A opção afigurou-se possível, apetecível até, pelo que o dono da Herdade dos Pavões, António José Romeiras, e o seu parceiro de há mais de 25 anos em vários projetos agrícolas, Manuel Paim, decidiram avançar.

Com a colaboração da Associação de Produtores Florestais do Concelho de Coruche e Limítrofes (APFC) e a Associação de Regantes e Beneficiários do Vale do Sorraia (ARBVS), o projeto foi elaborado, colocado à apreciação e aprovado pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

O projeto foi colocado no ICNF em novembro de 2014 e aprovado tacitamente em março, depois de ouvidas as entidades previstas na lei – Câmara Municipal de Coruche e Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo.

Importa afastar, desde já, quaisquer dúvidas sobre a legalidade de plantar floresta em regadios públicos: não há nada que o proíba – como atesta a aprovação do ICNF –, desde que não se recorra a apoios comunitários, como é o caso deste projeto, garantem-nos os promotores e as associações envolvidas, bem como a FENAREG.

António José Romeiras e Manuel Paim, parceiros neste projeto

António José Romeiras e Manuel Paim, parceiros neste projeto

As restrições legais que existem, como o n.º 4 do Artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 351/97, dizem apenas respeito às plantações abrangidas pelo Regulamento 2080/92, ou seja, com recurso a apoios da União Europeia (UE). Todavia, a interpretação da legislação relativa ao uso dos aproveitamentos hidroagrícolas tem sido sempre no sentido de que se destinam à produção agrícola (alimentos) e não florestal.

“Acredito plenamente que esta mentalidade e desconhecimento está a mudar, e que estamos no momento em que podemos dar a conhecer essas novas realidades – de uma agricultura e floresta mais competitiva, mais atraente economicamente, em que a atividade prática respeita e acredita na inovação”, defende Rita Bonacho, presidente da APFC, acrescentando: “O exemplo deste agricultor mostra bem que existe uma forte vontade de procurar novas soluções, aproveitando e otimizando áreas cujas características, apesar de tipificadas como agrícolas, estão mais vocacionadas para a produção florestal, seja pela qualidade do solo ou, por exemplo, pela sua marginalidade, tendo em conta a estrutura fundiária da exploração em que se inserem”.

“Importa afastar, desde já, quaisquer dúvidas sobre a legalidade de plantar floresta em regadios públicos: não há nada que o proíba – como atesta a aprovação do ICNF -, desde que não se recorra a apoios comunitários, como é o caso deste projeto.”

Rita Bonacho considera ainda que “temos de começar a gerir os nossos produtos florestais como se de produtos agrícolas se tratassem, pois a dignidade florestal, do ponto de vista ambiental, de rentabilidade e da ocupação social, nada fica a dever à realidade agrícola. E este passo é um exemplo disso, para uma nova era florestal”.

Eficiência acima de tudo

Já Miguel Teles Branco, presidente da ARBVS, afirma que “a solução é boa porque usa terra que não tem sido aproveitada nos últimos anos por falta de rentabilidade, água que ficaria desaproveitada e na Obra já há floresta, instalada em áreas com condições semelhantes, cerca de 50 hectares de pinheiro-manso e 60 de sobreiros”. O responsável diz ainda que “as obras de rega foram feitas para seguir um plano, aqui, por exemplo, era para fazer luzerna para gado bovino (para carne e leite), com o intuito de alimentar Lisboa, mas nunca se instalou, por um lado, porque já se praticavam culturas de regadio na região, principalmente arroz e, por outro, porque havia opções culturais mais rentáveis. Se o plano fosse cumprido, a cultura do tomate nunca teria a importância que teve no desenvolvimento da região e na instalação de agroindústrias, porque nunca esteve prevista, nem a beterraba, nem o quenafe, nem a ervilha, nem os brócolos, nem todas as culturas que foram sendo experimentadas. Por isso, os dirigentes sempre têm deixado os agricultores serem livres para fazerem o que quiserem, a nossa preocupação são os cerca de 2000 hectares dentro do perímetro de rega que todos os anos ficam por cultivar, por falta de soluções económicas viáveis”.

Mas, frisa o dirigente, “aqui no Vale do Sorraia só usamos a água da chuva e a eficiência da Obra de rega tem estado sempre acima dos 80% – por cada 100 litros de água que saem das albufeiras, mais de 80 litros são distribuídos às culturas –, quando nas obras de aproveitamento hidroagrícola semelhantes, em geral, uma boa eficiência é considerada em torno dos 60%. Aqui, temos até muitos agricultores a regar fora do perímetro de rega” e Rita Bonacho acrescenta que “a obra de rega tem capacidade para evoluir e não podemos ter áreas com potencial produtivo desaproveitadas”.

Miguel Teles Branco refere ainda que a obra hoje rega muito mais do que estava previsto no início, e com recurso a menos água. “No início estava prevista para cerca de 15 000 hectares e na década de 1970 para os cerca de 13 000 ha regados então eram precisos cerca de 180 milhões de metros cúbicos, mas hoje chegamos a regar 17 000 e com recurso a cerca de 120 milhões de metros cúbicos”. O dirigente lembra ainda que a água tem de percorrer um longo caminho, “cerca de 400 km de canais e regadeiras, para chegar às culturas na zona mais a jusante do aproveitamento, no concelho de Benavente, e que para aumentar a eficiência do seu uso foi construído um reservatório intermédio no Nó do Peso, para permitir manter o canal sempre em carga sem perdas de água desnecessárias”.

Um projeto de aproveitamento

Manuel Paim destaca que “este projeto tem três características muito importantes: usa terras marginais, água que seria desperdiçada e tem em conta a produtividade e rentabilidade do eucalipto”.

Fala-se em água que seria desaproveitada porque a albufeira deste aproveitamento hidroagrícola só tem capacidade para reter cerca de 320 milhões de metros cúbicos de água, sendo frequente que nos outonos e invernos mais chuvosos sejam descarregados apreciáveis volumes de água que seguem para o mar (no ano de 2014 passaram pelos descarregadores de superfície 315 milhões de metros cúbicos).

O investimento na instalação da cultura e da rega rondou os 80 000 euros. No total são 32 ha de eucaliptos

“É também de destacar que quanto mais água usamos na rega, mais alimentamos os aquíferos subterrâneos”, refere Manuel Paim, e acrescenta: “Há provas de que os poços das hortas aqui na zona sobem de nível no verão precisamente devido ao aumento da rega e, logo, da água disponível no solo”.

Além disso, garante que “o eucalipto implica menos mobilização no solo e deixa menos sais porque requer menos adubo, herbicida e pesticida. E é a cultura que conheço que precisa de menos água”. O produtor refere ainda que “os eucaliptos só aparecem porque há cada vez mais pivots, logo mais cantos em terras de areia que não produzem e são difíceis de regar”.

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António José Romeiras há muito que tem projetos florestais nas suas herdades, inclusive na Herdade dos Pavões, como zonas de montado, pinhal e eucaliptal. “Há cerca de 12 anos até decidi arrancar parte de um eucaliptal de 50 hectares e plantar mais cerca de 25 hectares de sobreiros, porque até já havia muitos sobreiros pelo meio”.

O produtor explica à VIDA RURAL que “neste eucaliptal o investimento na instalação da cultura e da rega rondou os 80 mil euros”, isto “tendo em conta que havia água e luz perto para o pivot de milho, apenas instalámos filtros novos e construímos uma outra casa de bombagem”, acrescenta Manuel Paim.

José Alexandre Caeiro, gestor da Imper Regas, empresa que instalou o sistema de rega gota a gota para os 32 hectares de eucaliptal da Herdade dos Pavões, divididos em três setores, diz-nos que o sistema não foi complicado de fazer, uma vez que “as diferenças do solo são mínimas, pelo que a dotação e os tempos de rega são idênticos. Assim, com base no estudo que os produtores fizeram, deram-nos as características do solo, o compasso e as necessidades hídricas da planta e nós elaborámos o projeto: para um compasso de 4/2 [linhas de 4 em 4 m e eucaliptos de 2 em 2] colocámos gotejadores a um metro, sendo tudo controlado por programadores a que o produtor tem acesso completo”.

Manuel Paim refere que a ADP também participa no projeto, para a área dos fertilizantes, adubos, etc. e António Romeiras afirma que “já trabalho com a empresa que fez a plantação há algum tempo na área florestal das minhas herdades e para este projeto – aconselhados pela APFC, que tem um acordo com o grupo Portucel-Soporcel – usámos três clones certificados da Herdade de Espirra – Viveiros Aliança, uma vez que nos garantiram serem os mais adaptados ao regadio”.

Rega impulsiona produção

Os produtores visitaram vários ensaios e explorações do grupo Portucel-Soporcel onde estão eucaliptais irrigados e as conclusões do estudos levados a cabo, pelo RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e Papel, têm demonstrado que a qualidade da madeira e da fibra não são afetadas pela rega e que o ritmo de crescimento da árvore quase que duplica.

O eucalipto permite habitualmente o primeiro corte aos 10/12 anos, produzindo cerca de 100 m3/ha de madeira nesse período e a árvore pode, normalmente, ser cortada três a quatro vezes. Miguel Teles Branco, da Associação de Regantes e Beneficiários do Vale do Sorraia, explica que “existem estudos que indicam que a rega pode aumentar a produtividade de um eucaliptal em cerca de 2,5 vezes, permitindo a cada árvore produzir em média 20 m3/ha por ano, pelo que em seis anos (metade do tempo normal), terá 120 m3”. A opção do produtor será então de aproveitar um maior número de cortes ou com os mesmos cortes retirar muito mais metros cúbicos de madeira, sendo que a rentabilidade aumenta claramente, seja qual for a aposta.

Os estudos e a prática demostram também que, ao contrário do que ‘se diz’, o eucalipto não estraga o solo, até o enriquece porque a casca que nele fica (uma vez que o descasque é feito, normalmente, no terreno, pois desvaloriza a madeira) deixa fósforo, pelo que é uma boa alternativa para rotação, permitindo muitas outras culturas, depois de atingir o seu tempo de vida.

bombas de rega

De acordo com o Inventário Florestal Nacional, publicado pelo ICNF em 2013, “a área florestal diminuiu durante o período 1995 a 2010, correspondendo a uma taxa de perda líquida de -0,3% por ano”, mas “a área arborizada (povoamentos) aumentou (+0,4% por ano) durante o mesmo período”. O ICNF diz ainda que “o eucalipto (dominado pela espécie Eucalyptus globulus) é a principal ocupação florestal do Continente em área (812 mil hectares), o sobreiro a segunda (737 mil hectares), seguido do pinheiro-bravo (714 mil hectares)”, e “a área de pinheiro-bravo apresenta uma forte redução, -13% relativamente à superfície arborizada (povoamentos) e -27% quanto à superfície total (povoamentos e superfícies temporariamente desarborizadas, i.e. superfícies cortadas, ardidas e em regeneração)”, mas “verifica-se um aumento significativo das áreas arborizadas com pinheiro-manso (+54%) e castanheiro (+48%)” e “a área de sobreiro apresenta-se estável entre 1995 e 2010, com uma ligeira diminuição”.

Todavia, o País é deficitário em madeira de eucalipto que a indústria do papel utiliza para o fabrico de papel fino de impressão e escrita, bem como de tissue (papel higiénico, rolo de cozinha, guardanapos, lenços de papel, etc.), e os promotores do projeto salientam que o aumento da produção de eucalipto em Portugal irá ajudar a reduzir as importações nesta área e os custos para o nosso país. Porque “gasta-se quase três vezes mais para importar”, diz Rita Bonacho, “já que em Portugal o metro cúbico da madeira de eucalipto é pago a cerca de 30€ e a madeira importada, principalmente da América Latina, custa cerca de 80 €/m3”.

“Este projeto tem três características muito importantes: usa terras marginais, água que seria desperdiçada e tem em conta a produtividade e rentabilidade do eucalipto.”

Além de frisar “que é de enorme importância a diversificação de culturas numa exploração para a sua rentabilidade e viabilidade, por isso não se podem desperdiçar oportunidades”, acrescenta a presidente da Associação de Produtores Florestais de Coruche.

António Romeiras conta-nos que “o objetivo é certificar esta produção, para conseguir uma mais-valia económica, social e ambiental ainda maior, pelo que a plantação e a condução da cultura respeitam todos os requisitos para a certificação pelo Forest Stewardship Council (FSC)”.

Para além dos requisitos

Os dois produtores estão empenhados em que este projeto dê certo, pelo que quiseram ir além dos requisitos exigidos: deixaram uma margem de 15 m até à plantação de milho e 10 m de distância até às linhas de água e “por baixo da linha de alta tensão colocámos duas linhas de pinheiro-manso”, explica António Romeiras.

Para a plantação, “foram colocadas as condutas principais para a rega, tendo o solo sido ripado com três bicos, só na linha, por um trator comandado por GPS, depois foram esticados os tubos e plantadas as árvores”, adianta Manuel Paim.

Levou adubo por baixo da semente, “um adubo de libertação lenta”, explica Manuel Paim, salientando que “foi a ADP que determinou o que utilizar, juntando produtos deles e outros específicos para o setor florestal”. O sistema está preparado para fertirrega e deverá levar certa de 50 unidades de azoto no primeiro ano.

Artigo publicado na edição de setembro de 2015 da revista VIDA RURAL