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Estabilização coloidal dos vinhos com goma-arábica

Estabilização coloidal dos vinhos com goma-arábica

Filipe Ribeiro (Dir. Técnico) e Rita Bessa (I&D+i)
SAI Enology

A goma-arábica é uma resina vegetal que atua no vinho como um coloide macromolecular de origem natural, extraída dos troncos e dos ramos de árvores africanas da família das Mimosáceas, principalmente, das espécies Acacia senegal, Acacia seyal e Acacia verek. É extraída em diferentes regiões, incluindo áreas de leste a oeste na faixa meridional do Saara em África; atualmente, o maior produtor é o Senegal. É uma mistura complexa neutra ou ligeiramente ácida e variável de polissacáridos e glicoproteínas de arabinogalactanas e é classificada como um polissacárido arabinogalactana altamente ramificado (Figura 1).

Figura 1 1 e1719227788553

Figura 1 – Parte da cadeia fundamental da goma-arábica que apresenta resíduos β-D-galactopiranosil ligados em 1-3 e suas ramificações principais. (Gal) β-D-galactopiranose, (Ara) α-l-arabinofuranose, (Rha) α-l-ramnopiranose, (GlcA) ácido β-D-glucurónico e (mGlcA) 4-O-metil-β-D-ácido glucurónico.

Este extrato natural (goma-arábica) tem um peso molecular médio entre 300 000 e 800 000 daltons. É constituído por 95% do seu peso seco de polissacarídeos com 1–2% de proteínas, dependendo da proveniência da espécie arbórea. Consiste essencialmente em três frações que diferem no seu peso molecular e conteúdo em proteína:
– Fração 1: cerca de 90–99% do total; arabinogalactanos (AG) com numerosas ramificações e pouca quantidade de azoto;
– Fração 2: aproximadamente 1–10% do total; complexos de arabinogalactana-proteína (AGP) (50% de proteína);
– Fração 3: cerca de 1% do total; glicoproteínas (GP) muito ricas em proteínas.

Os fragmentos resultantes da hidrólise ácida da goma-arábica são, essencialmente, D-galactose (35–45%), L-arabinose (25–45%), L-ramnose (4–13%) e ácido D-glucurónico (6–15%), sendo que a maior cadeia são ligações de D-galactose. Este polissacárido está associado com algumas proteínas (cerca de 1–2%), onde a hidroxi-prolina e serina são os aminoácidos principais (Cacciola, 2012).
As gomas-arábicas mais usadas em Enologia são extraídas de duas variedades, nomeadamente a Acacia seyal (cadeia curta) e a Acacia verek (cadeia mais longa). A sua aplicação no vinho funciona como coloide protetor, permitindo melhorar, significativamente, a estabilidade coloidal dos vinhos. Além disso, permite melhorar a estabilidade tartárica, metálica (ferro e cobre) e da matéria corante. Normalmente, os coloides protetores atuam através de 3 mecanismos diferentes (Figura 2).

Figura 2 1

Figura 2 – Mecanismos de ação dos polissacáridos na prevenção da floculação de partículas coloidais: a) obstrução dos polímeros; b) ligações covalentes; c) isolamento dos polímeros (Ribéreau-Gayon, et al., 2006).

A goma-arábica comercial é um pó branco totalmente inodoro, facilmente solúvel a frio e em água até uma concentração de 40%, usualmente a indústria vitivinícola opta mais por soluções aquosas devido à facilidade de utilização. Dada a presença de ácidos urónicos, parcialmente salificados, a solução torna-se ligeiramente ácida por natureza e apresenta um aspeto ligeiramente viscoso. Tem a capacidade de estabilizar sistemas coloidais, onde a sua solubilidade e baixa viscosidade desempenham um papel fundamental.
Com base nessas características, a goma-arábica é capaz de formar filmes finos na superfície de partículas em suspensão no vinho, tornando-as hidrofílicas e criando forças repulsivas. Portanto, atua como um coloide protetor, evitando a expansão e floculação de partículas. Para desempenhar plenamente esta função, a concentração de goma-arábica em solução deve ser suficiente para cobrir a interface entre as partículas em suspensão e o solvente. Essas propriedades persistem sem alteração ao longo do tempo e é claro que mudam dependendo da qualidade da goma e das características da pequena estrutura proteica.
As principais aplicações da goma-arábica baseiam-se nas suas propriedades como agente emulsionante estabilizador, fixador de aromas, gelificante, espessante, aglutinante e formador de película. As funções da goma-arábica nos vinhos podem ser resumidas em:

  • Melhoria da suavidade: Graças ao elevado teor de polissacáridos não fermentescíveis, a goma-arábica tem um sabor ligeiramente doce, o que que melhora muito o equilíbrio dos vinhos, nomeadamente os que apresentam notas ácidas ou tânicas. A estrutura molecular complexa da goma permite a sua aderência aos recetores das papilas gustativas, isolando-os temporariamente, e deste modo vai retardar e reduzir as perceções adstringentes e amargas (Taira et al., 1997; Troszynska et al., 2010). Também impede a combinação de taninos com proteínas salivares.
  • Aumento da intensidade aromática e da fragrância: As substâncias que compõem o bouquet do vinho, para serem percetíveis aos nossos sentidos, devem estar presentes na forma volátil. Estas substâncias tendem a separar-se espontaneamente da solução líquida, dispersando-se na fase gasosa, consoante o equilíbrio entre as duas fases. Os polissacáridos, grupo a que pertence a goma-arábica, podem aumentar a volatilidade dos aromas no vinho (Vidal et al., 2004; Mitropoulou et al., 2011). Por conseguinte, a adição de coloides de hidratos de carbono exógenos é uma das poucas ferramentas práticas e legais para realçar as características sensoriais agradáveis do vinho, ação tanto mais interessante quanto mais elevada for a qualidade do produto comercial.
  • Estabilização da cor dos vinhos tintos: Nos vinhos tintos jovens, a fração da matéria corante no estado coloidal pode ser eliminada pela utilização de bentonite, mas esta prática provocaria uma absorção das antocianinas e, por conseguinte, uma perda de intensidade da cor. Seria, portanto, preferível estabilizar a cor natural dos vinhos tintos jovens com a adição de goma-arábica (Giacomini, 1980). A goma-arábica retarda igualmente a polimerização e subsequente precipitação de qualquer matéria corante na garrafa. A goma verek Supragum apresenta elevada capacidade estabilizante da matéria corante em vinhos tintos instáveis, sendo, no entanto, necessários testes laboratoriais para aferir a dose de aplicação necessária para estabilizar a matéria corante. No SAILab temos larga experiência na estabilização da matéria corante, devido a anos e anos de estabilização corante de centenas de vinhos de diferentes origens geográficas, castas e anos de colheita.
  • Aumento da estabilidade físico-química: os coloides hidrofóbicos dos vinhos são frequentemente constituídos por agregados amorfos: formando casses férricas e cúpricas, matérias corantes coloidais e diferentes tipos de precipitados. Estes coloides hidrofóbicos da passagem de moléculas em solução para micelas coloidais dispersas e visíveis a olho nu. Embora os fenómenos relacionados com a sua formação sejam ainda pouco conhecidos, sabe-se certamente que alguns compostos são capazes de impedir a floculação destas micelas e a consequente turvação do vinho. Uma das substâncias mais ativas neste sentido, e que atua como coloide protetor, é a goma-arábica, que evita a turvação de todos os tipos de depósitos coloidais naturais (casse férrica e cúprica, insolubilização da matéria corante, etc.). A goma-arábica tem também um efeito ao nível da estabilidade tartárica, uma vez que retarda ou evita o crescimento dos cristais de bitartarato, devido à sua absorção nas faces do cristal. Atua também como protetor contra a precipitação de proteínas, no entanto, não evita a necessidade de estabilização proteica dos vinhos. A dose utilizada nos vinhos não deve exceder 30 g/hL, mas não existe um limite regulamentar de utilização. A adição é geralmente efetuada após a filtração final e antes ou durante o engarrafamento do vinho, verificando-se em alguns tipos de gomas uma subida do índice de colmatagem.

Atualmente, a SAI Enology apresenta 6 gomas-arábicas com diferentes características e objetivos de aplicação, sendo que todas elas apresentam um significativo reforço da estabilidade coloidal, contribuindo, simultaneamente, para a melhoria sensorial do vinho (Tabela 1).

Tabela 1 1

SWEETGUM

Apresenta elevada filtrabilidade (Figura 3) e boa capacidade de estabilização tartárica (Figura 4). É uma solução de goma-arábica seyal microfiltrada, com baixa turbidez, que contribui para o arredondamento, estabilidade tartárica, volume e redondez de boca (Figura 5). É ideal para aplicar em vinhos brancos e rosés, para a afinação de espumantes e em tintos com baixa a média adstringência.

Figura 3 1

Figura 3 – Ensaio de filtrabilidade de SWEETGUM em vinho branco (SAILab).

 

Figura 4 1

Figura 4 – Efeito da goma SWEETGUM na estabilização tartárica em diferentes vinhos brancos, (teste de mini-contacto) (SAILab).

 

Figura 5 1 e1719228342791

Figura 5 – Efeito sensorial da SWEETGUM: (a) Vinho Verde branco; (b) Vinho Verde rosé (dados do SAILab).

 

SWEETGUM STAB+ NEW

A nova goma SWEETGUM STAB+ apresenta uma capacidade de estabilização tartárica muito superior a uma goma seyal convencional, sendo um produto resultante de trabalhos I&D+i com vista à melhoria da capacidade estabilizante da goma-arábica seyal. SWEETGUM STAB+ permite uma forte redução da condutividade no teste de mini-contacto, estabilizando a maioria dos vinhos com uma instabilidade tartárica até 90–100 ΔµS/cm obtidos no teste de mini-contacto (Figura 6). É uma goma que pode ser aplicada antes da filtração, já que não altera significativamente o índice de colmatagem (Figura 7). Além disso, a aplicação SWEETGUM STAB+ não tem qualquer limitação ou incompatibilidade com a aplicação de carboximetilcelulose ou outro estabilizante tartárico.

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Figura 6 1

Figura 6 – Comparação do efeito estabilizante da goma-arábica SWEETGUM STAB+ com outras gomas seyal do mercado (dose aplicada 1 mL/L), em vinho branco, rosado e tinto, teste de mini-contacto (SAILab).

 

Figura 7

Figura 7 – Ensaio de filtrabilidade de SWEETGUM STAB+ em vinho branco (SAILab).

 

BALANCEGUM®

É uma goma-arábica de cadeia mais longa que permite incrementar maior redondez e estabilidade corante (Figura 8).

Figura 8

Figura 8 – Efeito sensorial da BALANCEGUM® (Vinho tinto DOC Douro) (SAILab).

 

SUPRAGUM® e SUPRAGUM®FILTRA

A SUPRAGUM® desempenha um papel de proteção coloidal ao nível da estabilização da matéria corante (Figura 9). Além disso, contribui para a suavidade e redondez dos vinhos, reduzindo a sensação de adstringência (Figura 10).

Figura 9

Figura 9 – Efeito de estabilização corante da SUPRAGUM® em vinho tinto (0 °C/24 h).

 

Figura 10

Figura 10 – Efeito sensorial da SUPRAGUM® em vinho tinto DOC Douro (SAILab).

Já a SUPRAGUM®FILTRA foi especialmente desenvolvida para ter um bom poder estabilizante e, simultaneamente, apresentar uma boa filtrabilidade do vinho em microfiltração (Figura 11, Tabela 2). Há semelhança da SUPRAGUM®, a SUPRAGUM®FILTRA também contribui para a suavidade e redondez dos vinhos.

Figura 11

Figura 11 – Ensaıo de filtrabilidade de SUPRAGUM® e SUPRAGUM®FILTRA em vinho tinto (SAILab).

 

Tabela 2

Face à enorme variedade de perfis sensoriais e objetivos, é recomendável ensaiar, previamente, as doses a aplicar de goma-arábica. A SAI Enology disponibiliza aos seus clientes suporte laboratorial onde são realizados diariamente ensaios de estabilidade de vinhos provenientes de diferentes denominações de origem de Portugal e Espanha. Os ensaios são realizados ao nível da estabilização tartárica, da matéria corante, estabilidade proteica, cromática e/ou melhoria sensorial.

Bibliografia
Cacciola, V. (2012). Study and management of endogenous and exogenous colloidal systems of wines, finalized to the quality improvement. PhD Thesis. University of Udine. Italy.
Giacomini, P. (1980). Gum arabica as stabilizer in winemaking. Ind. Bevande, 10(1):27–31.
Mitropoulou, A.; Hatzidimitriou, E.; Paraskevopoulou, A. (2011). Aroma release of a model wine solution as influenced by the presence of non-volatile components. Effect of commercial tannin extracts, polysaccharides and artificial saliva. Food Research International, 44:1561–1570.
Ribéreau-Gayon, P.; Glories, Y.; Maujean, A.; Dubourdieu, D. (2007). Traité d’Enologie, II. Chimie du vin, stabilisation et traitements. Dunod Ed. Paris.
Taira, S.; Ono, M.; Matsumoto, N. (1997). Reduction of persimmon astringency by complex formation between pectin and tannins. Postharvest Biology and Technology, 12:265–271.
Troszynska, A.; Narolewska, O.; Robredo, S.; Estrella, I.; Hernández, T.; Lamparski, G.; Amarowicz, R. (2010). The effect of polysaccharides on the astringency induced by phenolic compounds. Food Quality and Preference, 21:463–469.
Vidal, S.; Francis, L.; Williams, P.; Kwiatkowski, M.; Gawel, R.; Cheynier, V. (2004). The mouth-feel properties of polysaccharides and anthocyanins in a wine like medium. Food Chemistry, 85:519–525.