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Um olhar sobre o futuro da PAC pós-2013

Um olhar sobre o futuro da PAC pós-2013

Por Jaima Piçarra. Secretário-geral da IACA

Ninguém terá muitas dúvidas de que a PAC pós-2013 vai ser o principal dossier em discussão nos próximos dois anos. Nos bastidores há muito que o debate começou mas é agora, antes de surgirem os primeiros documentos da Comissão, que existe a capacidade de influenciar as orienta-ções de uma reforma essencial para o nosso futuro colectivo.

Existem actualmente duas correntes, com ramificações nos diversos meios comunitários: uma mais ambientalista, apostada numa política agrícola e ambiental comum, uma PAEC, para usarmos a sigla francesa (E de environnement) e uma outra que privilegia a vertente alimentar – uma política agrícola e alimentar comum (PAAC) –, naturalmente sem descurar as questões ambientais que em nossa opinião, com maior ou menor ênfase, vão constituir um elemento central na abordagem da PAC depois de 2013. E é precisamente neste aspecto que se vai jogar a legitimação pela Sociedade.

 

Por diferentes razões, não soubemos explicar à opinião pública os subsídios à agricultura, designadamente as ajudas directas. Quando o “cheque” ganhou visibilidade, o sector foi acusado de “pedir subsídios por tudo e por nada” e “receber para não produzir”. Nunca se conseguiu passar para a Sociedade a verdadeira motivação das ajudas directas: que a Europa não é competitiva no mercado mundial e que os preços europeus – mais elevados – foram alinhados aos preços mundiais (bastante mais baixos) e os agricultores receberam uma ajuda (legítima) como compensação da respectiva perda de rendimento.

Por outro lado, as questões da PAC foram sempre centralizadas na DG AGRI, pouco abertas ao exterior e mesmo os temas abordados nas reu-niões de COREPER demasiado específicos. Nos últimos anos, as questões que dominaram os Conselhos Agrícolas foram maioritariamente de segurança alimentar, com o mercado praticamente ausente das discussões. A DG SANCO passou assim a assumir uma importância crescente. Conjugada com o facto da opinião pública, cada vez mais urbana, se preocupar apenas com os produtos que chegam às prateleiras dos super-mercados, estas são provavelmente algumas das razões que justificam o facto da agricultura ter sido praticamente votada ao abandono pelo dis-curso político. Reflexo igualmente da diminuição do peso do sector e da sua relevância em termos eleitorais.

 

Saúda-se por isso o debate público lançado pelo Comissário Ciolos na União Europeia e que naturalmente vai obrigar a novos olhares sobre o Sector, numa perspectiva pluridisciplinar. É igualmente uma oportunidade para se ter em conta as lições da crise alimentar de 2008, a volatilida-de dos preços e as suas nefastas consequências, os problemas da segurança alimentar enquanto disponibilidade em alimentos, o acesso da União Europeia a um mercado mundial em crescimento, a estabilidade dos mercados e dos rendimentos agrícolas, a inovação e a investigação, a par do papel da agricultura no combate às alterações climáticas, a gestão dos recursos naturais, a preservação da paisagem, o ordenamento do território e o desenvolvimento equilibrado do Mundo Rural.

Acreditar que é possível preparar o Sector para responder aos desafios do desemprego urbano, que pode funcionar como uma “almofada” ou válvula de escape para o regresso ao campo, onde ainda tem de valer a pena viver.

 

Incluo-me no grupo daqueles que pensam que a PAC actual já contem uma suficiente orientação para o mercado, que devem ser mantidos ins-trumentos de gestão dos mercados, redes de segurança para os sectores mais importantes e mecanismos de apoio em caso de crises graves, bem como apoios à estabilidade dos rendimentos dos produtores.

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No entanto, nos últimos tempos tem vindo a ganhar forma a questão dos “public goods”, ou seja, a prestação de serviços à Sociedade. É evidente que estes serviços têm de ser definidos mas já que a União Europeia não consegue impor aos países terceiros o cumprimento das mesmas regras de produção que exige aos congéneres europeus, então que esses serviços públicos possam incluir os aspectos ligados à segurança alimentar, ambiente e bem-estar animal, compensando os produtores agrícolas e pecuários pelos sobrecustos decorrentes dessas exigências, em nome da saúde pública e da protecção dos consumidores.

 

Uma vez que as principais discussões se vão centrar ao nível das ajudas directas, parte destas ajudas poderiam ser convertidas em serviços presta-dos à Sociedade. Legitimadas pela opinião pública.

Importante é que se não percam as ajudas que têm sido transferidas para Portugal e que se inverta a tendência de sermos um dos Estados-membros que menos apoio recebe. Uma maior equidade na repartição das ajudas é fundamental para a melhoria da competitividade da nossa agricultura e pecuária. Devemos recusar quaisquer tentativas de renacionalização das ajudas, sob pena de criarmos distorções de mercado entre agricultores, agriculturas e Estados-membros.

A discussão pública sobre o futuro da PAC pós-2013 – que também tem de ser feita em Portugal – constitui uma oportunidade única para nos mobilizarmos e debatermos com rigor, sem ambiguidades, o que se pretende da política agrícola e convencer os cidadãos e os políticos da impor-tância da agricultura no plano da auto-suficiência alimentar mas também na protecção e preservação do ambiente e das paisagens rurais, nos inúmeros serviços e actividades de lazer que podem ser prestados e que não terão qualquer viabilidade sem agricultores e actividades agro-alimentares.

Trata-se provavelmente da última oportunidade para reafirmar a Agricultura como Sector Estratégico e recolocá-lo no centro da agenda política.

Não podemos deixar que o debate seja contaminado e desvirtuado por questões secundárias ou visões fundamentalistas. Essa deve ser desde já a nossa principal ambição.