Quantcast
 

Os OGM são um problema político

Dá a cara pela defesa das culturas geneticamente modificadas e é o ‘homem dos transgénicos’ em Portugal. Cientista e Professor, Pedro Fevereiro faz o ponto de situação da produção de OGM no nosso país e explica as vantagens de a Europa autorizar, a curto e médio prazo, variedades resistentes a herbicidas, à secura e à salinidade.

Tem acompanhado de perto os produtores que estão a apostar em culturas transgénicas em Portugal. Já são cerca de 5000 hectares de milho resistente à broca, mas a tendência é de estagnação de área…

Tem uma explicação. A cultura do milho viu reduzida a sua área no último ano por questões de mercado. Alguns produtores do Alentejo deixaram de produzir para optar por outras culturas. Também há outra situação que é a questão dos apoios agro-ambientais. O ministério da Agricultura não aceita candidaturas às agro-ambientais de agricultores que produzam OGM e alguns agricultores, embora acreditem nestas variedades, deixaram de produzir. Daí a estabilização da área.

Mas na realidade, segundo o relatório da Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, a área aumentou ligeiramente.

 

Sobretudo no Norte e o Centro do país, onde predomina o minifúndio. A produção adapta­-se bem nestas regiões, dadas as restrições da ‘coexistência’?

Felizmente há uma figura na legislação portuguesa que permite ‘zonas de produção’, de que o Baixo Mondego é um exemplo típico. Os agricultores estão-se a associar e, produzam ou não OGM, aceitam juntar-se e constituir estas ‘zonas de produção’ onde é muito mais fácil cumprir com a legislação, pois só a zona limítrofe é que está sujeita à regra da coexistência. E produzam ou não milho transgénico, tudo é vendido em conjunto para a indústria das rações, onde não é feita discriminação e o preço é o mesmo.

 

E são as zonas do país com maior incidência desta doença [broca do milho]?

Essa é outra questão. Estas variedades só têm interesse quando há danos consideráveis provocados pela broca. As vantagens são a redução dos custos, a não utilização de pesticidas, menor utilização de tractores, logo menos custos com combustível, e melhor qualidade do produto final, que terá menos fungos e micro toxinas. Isso está documentado. A semente transgénica não produz mais do que uma convencional produziria em condições ideais, mas produz o máximo que a variedade permite. No fundo garante-se que a potencialidade da variedade se expresse completamente, sem perdas em função da doença, e estas vantagens os agricultores reconhecem com facilidade.

Dou-lhe um exemplo prático. Existe um agricultor de Elvas que colocou 100 hectares de milho Bt [variedade aprovada resistente à broca] ao lado de 100 hectares de milho convencional, fazendo os tratamentos habituais a este último. No final, o resultado foi que teve mais um terço de produtividade por hectare no milho Bt em comparação com o convencional. E como teve redução de custos, acabou por ganhar mais, mesmo pagando sementes mais caras. Ou seja, compensa largamente nas zonas em que há incidência da doença. E os agricultores escolhem de acordo com as características das suas propriedades.

 

No fundo é mais uma opção que têm…

Sim, de acordo com as suas necessidades e condicionantes. Neste momento estão em fase final de serem aprovadas, ou não, variedades resistentes aos herbicidas. Na Europa está em fase final de aprovação, e dentro de um ano, ano e meio, será tomada uma decisão final. As variedades resistentes as herbicidas são muito mais interessantes, sobretudo para os agricultores do Sul. Se for falar com qualquer agricultor que produz milho, o mais complicado é controlar as ervas daninhas, especialmente agora que a União Europeia começou a retirar do mercado uma série de princípios activos que eram normalmente utilizados e que agora são proibidos. Não estou a dizer que foram mal retirados, apenas que o leque de opções foi reduzido significativamente…

 

Há quem diga que algumas culturas ficaram sem cobertura…

Precisamente. É uma questão complicada, porque alguns dos produtos eram de facto muito nocivos do ponto de vista ambiental, mas a questão é saber se foram retirados numa fase em que já havia alternativas ou não.

Mas voltando aos transgénicos, a grande vantagem destas variedades é que estão associadas a um herbicida que é dos menos agressivos para o ambiente, que é o glifosato. Os agricultores estão desejosos por ter estas variedades, porque lhes permitirão controlar muito melhor as ervas daninhas, com menor impacto ambiental. Estou convencido que quando estas variedades estiverem disponíveis aumentará muito a área de milho OGM.

 

E as variedades resistentes à seca?

Essas ainda vão demorar mais algum tempo. Estão numa fase final de ensaios nos Estados Unidos, a empresa promotora ainda nem sequer está em condições de pedir autorizações. Ainda têm de ir à EPA [Environmental Protection Agency] e à FDA [Food and Drug Administration], estas duas instâncias terão de fazer análises distintas e dar autorização para a comercialização. Na Europa será ainda mais complicado, porque depois de estar autorizado nos Estados Unidos tem de existir um Estado-membro que proponha a produção, depois tem de ir à EFSA [European Food Safety Authority], e só depois o processo segue para o comité científico da União Europeia, para o comité técnico, para os ministros, para a Comissão, etc… para chegar à Europa levará muito anos…

 

Nota-se uma evolução muito significativa na aceitação dos OGM nos últimos anos, com uma postura de maior abertura… Apesar disso, continua uma resistência enorme de Bruxelas. Os políticos dizem que o assunto ainda não está bem esclarecido junto dos consumidores…

As pessoas estão mais do que esclarecidas. Existe informação suficiente e relevante para quem quiser compreender o que está em causa relativamente às variedades transgénicas vegetais. Existem lobbies fortes por parte dos ambientalistas, dos movimentos anti-globalização e de alguns movimentos de agricultura biológica que se têm oposto à adopção.

Do ponto de vista dos consumidores, confesso que acho que foi mais um mito lançado do que outra coisa qualquer. A maior parte dos consumidores não tem nenhuma opinião forte relativamente aos OGM. Em 15 anos não existe um único relato de problemas de saúde causados por estas variedades. E todos os dias existem problemas devido ao consumo de problemas alimentares, seja por má conservação, por defeitos de produção, por alergias, etc. Quando se fala de variedades transgénicas e das refeições produzidas por variedades transgénicas não há quaisquer relatos.

Não existe nenhuma forma que provar que a carne que compramos provém de um animal que foi, ou não, alimentado com OGM. Não é detectável, porque não há nenhuma substância que se acumule nos músculos destes animais pelo facto de terem consumido rações transgénicas… Penso que as pessoas estão habituadas a ver na comunicação social que os OGM são maus… o que é bom ninguém publica…

 

Costuma dizer-se que em jornalismo ‘Good news, no news’…

É verdade, a regra é essa. Isto é uma bandeira útil aos ambientalistas porque são as más notícias que alimentam o protagonismo. Depois existem os movimentos anti-globalização. Obviamente que estes produtos são colocados no mercado por grandes multinacionais que são vistas como um ‘papão’, caso da Monsanto, da Syngenta, da Bayer  ou da Pioneer…

 

Conseguimos entender o ‘radicalismo’ nestes grupos. Mas quando chegamos a instâncias comunitárias, com o peso que a agricultura tem na União Europeia, como é que se explica este bloqueio?

Uma parte substancial do orçamento e da política europeia passa pela agricultura. A maior parte dos políticos não quer falar disso, porque mexer nisto é muito político e vai condicionar a votação. E à cautela decidiram não adoptar.

Para dizer mal basta dizer que ‘o milho provoca cancro’ e isto vai para o jornal. Para dizer que não é verdade tenho de desmontar tudo isto, tenho de passar várias horas a explicar, porque falamos de uma tecnologia que tem um fundo científico importante e que não pode ser entendida em cinco minutos. Tenho de fundamentar e garantir que sou credível, tenho de explicar conceitos básicos de biologia, processos tecnológicos, o que é o melhoramento, etc. Ninguém tem a noção de que leva 15 anos a desenvolver uma variedade, desde que se começa a fazer a investigação até que aparece no campo. Explicar isto a políticos é difícil.

 

Mas em Bruxelas há grupos de cientistas para apoiar as decisões políticas…

A EFSA foi criada especificamente para apoiar questões desta natureza. Mas os pareceres da EFSA são sistematicamente positivos em relação às propostas de aprovação de OGM. Só que existe uma contestação tremenda por parte dos ambientalistas que defendem que as pessoas que fazem parte destes painéis estão todas ‘vendidas’ às empresas, não são imparciais, e os pareceres que emitem não são fidedignos. Falamos de um painel que é renovado de três em três anos. O concurso para admissão destas pessoas é internacional e no último ano concorreram mais de 600 especialistas. E, quando entram, têm de garantir que não têm ligação a nenhuma empresa.

Os políticos retraem-se porque estão muito atentos à possibilidade de perder votos. Estou convencido que os OGM são um problema político e não científico. O que acho ridículo é pensar que uma multinacional, propositadamente, constrói uma variedade vegetal para dar mais produtividade aos agricultores sabendo que isso é prejudicial à saúde. A Monsanto é uma empresa tipicamente norte-americana e, como sabemos, nos EUA é muito fácil ganhar processos de indemnizações… Se houvesse algum problema, em 15 anos já teríamos muitas acções contra os OGM.

A questão de que não existe informação ou relatos científicos suficientes não é verdadeira, acho é que existe um nível elevado de desinformação relativamente a este assunto.

 

Há um constrangimento sério na pecuária devido às limitações nas importações de cereais OGM para a alimentação animal. Devia ser um argumento forte para desbloquear esta situação…

O comentário que posso fazer é que é absurdo que não se aprove a importação…

 

Mas no supermercado encontramos picanha brasileira e carne argentina que provêm de animais alimentados com soja transgénica. Se nada disto é proibido, porquê os cereais?

Não há lógica. Há o medo político de assumir a responsabilidade. Isto tem a ver com a forma como a União Europeia toma decisões. A Europa vai ter de ser mais célere no acompanhamento destas variedades. Há quem proponha que quando houver aprovação de variedades nos EUA esta seja válida também para a Europa. O ideal é que houvesse uma avaliação conjunta entre Europa e Estados Unidos. Porque o que é dado a aprovar pelas empresas já tem uma forte probabilidade de não ser questionado. Uma nova variedade custa 100 milhões de dólares. Gasta-se muito dinheiro e ninguém quer correr o risco de não ver o produto aprovado, porque é tóxico ou alergénico.

 

A nova Comissão está com maior abertura?

banner APP

A nova Comissão parecer ter uma nova perspectiva. Se vai ser possível avançar face às decisões políticas de cada Estado-membro não sabemos. A Comissão tem um poder político que está limitado pelos países e há muitos que são claramente contra, por razões diversas. A França tem uma posição que não tem nada a ver com a Itália, por exemplo, mas ambas actualmente se opõem. Esta nova abertura contém um risco político associado que não sei como vai ser gerido. Mas espero que continue a abertura para a aprovação de novas variedades.

 

Foi aprovada uma nova variedade de batata OGM a Amflora, para consumo industrial. O que é exactamente esta variedade?

Como sabe o amido da batata é utilizado para vários fins. Nesta batata, em particular, foi alterada a constituição do amido de forma a obter características óptimas para a indústria das colas e do papel.

 

Há produções dedicadas só para este fim ou geralmente são utilizadas variedades para consumo que são depois aproveitadas?

Regra geral são produções destinadas a este fim, porque a composição do amido é distinta. Esta batata, quando for produzida, terá como fim a indústria e poderá eventualmente ser utilizada para rações para animais. Não acredito que seja usada para alimentação humana, até porque as suas características desaconselham, é uma batata muito sticky e não será interessante para o paladar. Mas é perfeitamente segura em termos alimentares, só não é interessante.

Em Portugal desconheço que alguém produza para este tipo de mercado, até porque esta indústria está instalada em países como a Alemanha e a Holanda.

 

O que é que poderá estar para breve a nível de novas autorizações? Falou dos milhos resistentes a herbicidas, que outras culturas podem ser autorizadas?

As variedades que estão sob análise são, sobretudo, variedades de milho resistentes a herbicidas e ainda resistentes a insectos. Depois há um conjunto de novas variedades, que desconheço se estão a ser analisadas para autorização, que têm uma dupla característica: são cruzamentos de transgénes em que estão as duas características associadas, ou seja, têm resistência aos insectos e aos herbicidas. Já há nos EUA quem esteja a produzir variedades resistentes ao insecto, a um herbicida x e a um herbicida y, de forma a poder utilizar alternativamente um ou outro herbicida para reduzir a probabilidade de ervas daninhas resistentes.

 

Nos cereais não se prevêm mais novidades?

Não, as variedades aprovadas em Portugal e Espanha são para rações. A Europa já teve porta-enxertos de videiras OGM, resistentes a nemátodos e a outras doenças, em ensaios, mas foram cancelados porque os movimentos anti-OGM protestaram e as empresas não quiseram correr riscos…

 

 

Que produtos estão a ser desenvolvidos com interesse para a Europa?

Existem dois grupos de produtos que podiam ser interessantes e há muito trabalho de investigação sobre eles. Um primeiro conjunto diz respeito à tolerância a factores ambientais, e estou a falar da resistência à secura e à salinidade, por exemplo. A secura é importante, temos um clima semi-árido no Alentejo que aparentemente vai piorar nos próximos anos, e isso acontecerá em toda a zona mediterrânica da Europa e no Norte de África. Seria interessante ter variedades que necessitassem de menos água, porque a questão não é produzir plantas sem água, mas criar variedades que melhor utilizem a água disponível. Isto para o milho seria importantíssimo.

 

E quanto à salinidade?

Estamos a perder solo arável. A introdução de nutrientes nos solos está a aumentar a salinização. No milho isso acontece pela utilização de nitratos, e a consequência é que as plantas deixem de crescer tão bem. E há solos que, devido ao aumento do nível das águas do mar, estão a ficar com mais sal. Poderíamos ter mais água disponível se pudéssemos utilizar água do mar ou água salobra.

 

Na lezíria ribatejana, por exemplo, num ano mais seco, a água do Tejo fica com níveis de sal que impede a rega…

Precisamente. Suponha que tem variedades que são tolerantes a níveis superiores de sal na água. Isso teria um impacto muito importante em Portugal e noutros países.

 

A planta teria capacidade para rejeitar ou para absorver o sal?

Existem vários mecanismos. A planta poderá absorver a água impedindo que o sal entre, ou poderá absorver o sal e conseguir, por sistemas de sequestração, reter o sal impedindo que seja tóxico. São apenas dois dos processos possíveis.

 

E qual é o outro grupo de produtos interessante?

São as alterações das qualidades dos produtos alimentares. O mais fácil de exemplificar é o chamado arroz dourado. São variedades OGM de arroz que acumulam nos bagos pró-vitamina A. Nos países do Sudoeste Asiático, em que a base da alimentação é arroz, existem problemas graves de avitaminose, dado que o arroz não produz esta vitamina. Com este arroz podem-se resolver problemas sérios de saúde.

Outro exemplo é a soja com Ómega 3, já existem variedades em que foi provado que há uma maior acumulação que poderão trazer benefícios para a saúde.

 

Há um potencial muito grande neste segundo grupo…

Sim, mas há uma resistência tão grande em produtos para alimentação animal que a resistência será ainda maior na alimentação humana. As empresas não estão dispostas a fazer investimentos com estes obstáculos… •

 

 

 

A lógica da batata 

 

A Amflora, a nova variedade de batata aprovada no início de Março pela Comissão Europeia, destina-se apenas a fins industriais. O objectivo da modificação genética é obter um amido que, depois de processado, não gelifica, de forma a ser utilizado na produção de papel e colas.

Após este processamento, a Comissão também autorizou que os produtos derivados deste amido possam ser utilizados na alimentação de animais.

A decisão de autorização do Amflora finaliza um procedimento iniciado na Suécia em 2003 e, nas palavras do comissário europeu para a saúde e política dos consumidores, John Dalli, “todas as questões científicas, nomea­damente no plano da segurança, foram escrupulosamente examinadas”. Este responsável referiu ainda que deu início a um processo de reflexão sobre a forma de combinar um sistema europeu de licenciamento com liberdade de decisão dos Estados-membros no que respeita ao cultivo de OGM.

Os movimentos anti-transgénicos estão a contestar esta aprovação com receio de que aumente a resistência aos antibióticos, aumentado assim a incidência de tuberculose. Isto porque, na selecção desta batata, foi utilizado um gene que codifica uma proteína que degrada um antibiótico, a Canamicina.

Pedro Fevereiro rejeita liminarmente que o cultivo desta batata aumente a resistência à canamicina, dado que a variedade não se destina a alimentação humana. E mesmo que fosse, o DNA nela contido seria degradado na confecção ou, se consumida crua, pelos processos digestivos normais.