Quantcast
Reportagem

A fruta exótica da figueira-do-diabo

A fruta exótica da figueira-do-diabo

Não deve haver aldeia do Alentejo que não tenha duas ou três piteiras. Dificilmente um urbano lhe conhece o gosto ou sabe tirar o fruto. O cato caiu em desuso, mas há quem o queira cultivar. Dele se aproveita tudo, da fruta ao adubo. Fomos a Arraiolos visitar a Cactus Extractus.

Mais visíveis no sul do país do que a norte, as figueiras da Índia fazem parte da paisagem rural portuguesa. Ora parecendo sebes, ora postas aparentemente ao acaso, dão um fruto diferente e de recolha não muito fácil. Caiu em decadência, mas há quem aposte no seu exotismo e multifuncionalidade.

Teresa Laranjeiro estabeleceu-se perto de Arraiolos, num terreno que já possuía desde 2000, e no qual não sabia o que fazer.

Há algum tempo que esta agora agricultora procurava uma solução. Trabalhando no campo da criação de empresas, no âmbito da elaboração de projetos, surgiu-lhe um que envolvia o plantio de figueiras da Índia. Foi a ignição. Mas as decisões não se tomam apenas “porque sim”, há sempre razões que as sustentam.

“Queria fazer uma coisa diferente, que já houvesse cá [Alentejo] e não obrigasse a mexer muito no terreno nem a fazer muitas intervenções. Quando surgiu a hipótese do figo da Índia entusiasmei-me com o potencial” – conta Teresa Laranjeiro.

A ‘descoberta’ deu-se em 2010 e logo começou a investigar. Fez sociedade com a filha (Cactus Extractus), de modo a aproveitar os apoios do PRODER à instalação de jovens agricultores. A instalação agrícola foi apoiada a 100% e somou 67 000 euros.

A primeira plantação foi em 2011, tendo sido continuada em 2012. Um hectare no primeiro exercício e cinco no ano seguinte. A opção de Teresa Laranjeiro foi pelo plantio, devido ao tempo de desenvolvimento da planta. Além de que é relativamente fácil adquirir, seja num viveirista de Sesimbra ou no sul de Itália – país onde se faz melhoramento das plantas.

“No meu caso andei à procura de plantas aqui à volta, que estão adaptadas à região. Andei a provar e decidi plantar a partir dum maciço aqui perto” – explica a agricultora.

Uma das grandes vantagens é o seu caráter bravio, que a faz sobreviver sem grandes cuidados e ‘pegar’ sem dificuldade, além de ser muito resistente, explica a agricultora.

Origem obscura

Ao certo ninguém sabe como veio parar a Portugal a opuntia ficus-indica, que segundo a Wikipédia e fontes contactadas pela Vida Rural se designa popularmente por tabaibeira, figo do diabo, figueira-da-índia, piteira, tuna, figueira tuna e palma.

Teresa Laranjeiro refere duas correntes de opinadores: uma que aponta para o século XV e outra para a época fenícia [séculos III aC a II aC]. A primeira obriga a que tivesse sido trazida desde logo nas primeiras viagens da expansão marítima espanhola, será estranho, mas é possível. A segunda é totalmente impossível, visto os catos serem exclusivos das Américas.

Mais concreta, mas não menos complicada, é a burocracia do Estado. A lei que define o que são plantas endógenas e que, por isso, podem ser plantadas, tem tendência a ser interpretada como colocando a piteira nas infestantes.

No entanto, o pragmatismo de quem aprova os projetos e a credibilidade de quem os apresenta parecem estar a contornar a nesga que existe na lei, até porque sempre houve uma tradição de a plantar como sebe e de comer o fruto.

O desinteresse pela planta e o seu progressivo abandono fazem com que se conheça pouco acerca das suas características. Sabe-se que existem, pelo menos, três tipos de frutos. Com vista a próximos apoios comunitários, o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV) está a realizar estudos sobre esta planta.

Mas se em Portugal se conhecem três tipos de frutos, no México desta opuntia sabem-se mais de 30. As diferenças das portuguesas estão na polpa: verde, laranja e púrpura. Em termos de doçura não se notam diferenças, mas nos aromas há variantes, revela Teresa Laranjeiro.

Numa pequena amostragem feita em 2012, a Cactus Extractus notou tendências, mas não resultados taxativos. São poucos os produtores e alguns os interessados, por isso, em março vai realizar-se um encontro onde diversos assuntos serão debatidos, nomeadamente os organolépticos. Outro dos pontos passa por fazer o levantamento da produção com a finalidade de um acordo com uma empresa agroalimentar.

Colheita delicada

A apanha do figo da Índia não se faz de qualquer modo, pois exige cuidado e atenção, alerta Teresa Laranjeiro. O fruto tem de ser colhido com um pouco da palma para que não apodreça. Este procedimento não causa qualquer dano na planta, visto que recupera facilmente.

Em termos de produtividade, as piteiras dão fruto uma vez por ano, mas com técnicas de condução adequadas podem ser duas as colheitas, explica a agricultora. Quanto a longevidade, o cato pode viver mais de 30 anos.

A figueira-da-índia prefere solos pobres, mas adapta-se a qualquer tipo: “Só não gosta de terrenos encharcados, precisa de boa exposição solar”. O Alentejo, tanto o Alto como o Baixo, tem aptidão ótima para esta cultura. No entanto, Teresa Laranjeira tomou conhecimento de um produtor com bons resultados localizado perto da Serra da Estrela. E não só: Aveiro e Trás-os-Montes também são locais onde a cultura está instalada.

Sendo proveniente de terrenos semiáridos, a piteira tem poucas necessidades de água, no caso concreto esta produtora não faz qualquer rega, embora possa haver necessidade de pequenas regas.

banner APP

A época de colheita situa-se entre agosto e setembro, embora alguns catos ainda estejam em produção em outubro. Teresa Laranjeiro considera que o figo da Índia pode ser uma cultura complementar, até porque “há quem a procure para fazer sebes, e sempre aproveita para fazer algum dinheiro”. Refira-se ainda que este cato tem ainda uma função complementar de corta fogos, pois não arde.

O compasso que tem instalado é de 5 por 2. Porém, há técnicos que defendem 4 por 1,5. Para já, o acerto é uma incógnita, o conhecimento está na Sicília e a Cactus Extractus está no Alto Alentejo. Naquela ilha italiana conseguem-se anualmente 20 toneladas por hectare, em Arraiolos… logo se verá.

Quanto a ameaças, apenas a cochonilha, embora seja também necessário algum cuidado com a mosca da fruta. Neste caso, o pomar de Teresa Laranjeiro tem certificado biológico.

Em termos de alfaias, utiliza apenas um pequeno trator, um apetrecho para limpar os picos dos figos, um reboque e um corta-mato.

Um negócio vertical

Teresa Laranjeiro quer aproveitar tudo, do fruto ao desperdício. Vender os figos, fazer polpa, extrair óleo das sementes para cosmética e aproveitar o desperdício para fertilizante natural.

Dito assim parece fácil… mas o fruto tem picos. Um desconforto que esteve, provavelmente, nos argumentos da sua saída da gastronomia. Muito embora “quem prove goste muito”, garante Teresa Laranjeiro.

A agricultora explica que antigamente os picos, que mal se veem, eram retirados com recurso a umas vassourinhas, feitas de pequenos ramos. A Cactus Extractus recorre a uma pinça de salada associada a uma faca. E porque reconhece que a alfaia não é prática, está a desenvolver uma ferramenta específica.

Já a produção de polpa é bem mais simples. Socorre-se de uma normal centrifugadora e separa as sementes. A polpa é depois comercializada para fins alimentares. Um dia, quem sabe, também poderá servir a palma nas mesas de alta gastronomia, pois assim acontece em restaurantes reputados noutros países.

As sementes são trituradas, por um método semelhante ao do azeite, diz Teresa Laranjeiro, e o seu óleo é um antirrugas potente, muito hidratante e com grande utilização na indústria cosmética.

A empresa é muito pequena e jovem, e por isso a faturação ainda é pouco significativa. Um facto que motiva Teresa Laranjeiro a continuar a trabalhar fora da agricultura enquanto o negócio não ganha dimensão e lhe permite viver apenas da agricultura.

Por ser tudo novo e desconhecido, Teresa Laranjeiro tem investido na feira de produtos biológicos de Nuremberga, a Biofach, para sentir o mercado, as preferências, a localização dos consumidores e conhecer gente. Como consequência, países como a Holanda e a Alemanha parecem estar na linha da frente do ataque comercial da Cactus Extractus.

O fruto tem clientela certa, nos mercados locais, os óleos têm destinatários prováveis, mas o que fazer à polpa é menos óbvio. Tem apostado em pastelarias e geladarias, mas ainda não teve encomendas.

A construção de uma fábrica está em preparação. Para já recorre a um barracão de tijolo, mas o ‘caixote’ terá outro aspeto quanto ficar concluído o projeto de investimento que tem em mãos, de cerca de 190 mil euros, comparticipados em 114 mil por fundos europeus. A finalidade é transformar o fruto fresco de menor qualidade e valor.

Para além dos catos

Fica no Alentejo e não é uma herdade. Não tem milhares ou centenas de hectares de terra, apenas 14 hectares, onde cabem os catos e o negócio das ervas aromáticas, e mais umas culturas, que sempre abasteceram as famílias. Tudo em regime de agricultura biológica.

Ainda tentou reaver algum investimento e cultivou uma lavoura de trigo. O ganho não lhe animou a vontade de continuar cerealicultora. Reconhece que foi perdendo dinheiro até ter ideia do que queria fazer nos 14 hectares que comprara com o objetivo de ter uma vida mais calma.

Começou a produzir ervas aromáticas, com o filho, em modo biológico. E ao contrário de muitos produtores, Teresa Laranjeiro não usa tela. “O uso da tela é um contrassenso na filosofia bio. Com tela faz-se como em casa: levanta-se, lava-se, aspira-se” – diz Teresa Laranjeiro, embora não acuse quem o faz de agredir o ambiente.

Teresa Laranjeiro também não recorre a rega nos seus três hectares de ervas aromáticas. Reconhece que a água desenvolve mais a planta mas, em contrapartida, “reduz a percentagem de óleos essenciais”.

Quis, desde logo, fazer ervas aromáticas em sequeiro, por isso percebeu que teriam de ser as mais tradicionais: alfazema, alecrim, sálvia, tomilho, cidreira e hortelã. O projeto foi iniciado em 2013, envolvendo três hectares e 120 mil euros. A terra foi uma paixão, o negócio um ato racional, e as escolhas agrícola tomadas quase pelo destino.

Na área restante desta grande horta, há um pequeno e velho hectare de olival, um pomar de laranjeiras, um pomar variado e algumas partes incultas. A agricultura ainda não mudou totalmente a vida a Teresa Laranjeiro, mas deu-lhe uma outra visão de parte do mundo: “Os coelhos bravos comem os catos quando são pequenos. Achava-os uns bichinhos ternurentos, mas agora tenho-lhes um pó!…”.