A fruticultura pode ser uma aposta viável no Alentejo. Onde outrora havia searas, fruta menos comum, mas com tradição em Portugal, gera negócio. A água é o principal óbice, mas Alqueva pode matar a sede aos pomares.
O preço da água de Alqueva vai pôr os agricultores alentejanos a fazer contas. Por enquanto, o embate é ligeiro, mas o preço da água irá aumentar. Esta certeza deve fazer pensar os lavradores, de modo a anteciparem possibilidades de negócio.
João Mota Barroso é produtor frutícola em Borba e lança o alerta para a questão do preço da água. Na sua exploração, a água vem de furos próprios, mas é hipótese que nem todos os agricultores da região têm. Por isso, não tem um valor padrão que possa traduzir em euros o consumo: “É apenas o custo da bombagem” – refere o fruticultor.
Professor de fruticultura na Universidade de Évora, afirma que um problema relevante na fruticultura em Portugal é a ausência de estudos ou, se os houver, de divulgação de conhecimento.
Além de fruticultor, João Mota Barroso é produtor de uva para vinho, que entrega na Adega Cooperativa de Borba, instituição que preside. Nas duas herdades que explora, cada uma com cerca de 100 hectares, há vinha e pomares variados.
Somando os dois domínios, os pomares de ameixas ocupam 42 ha, o de damascos oito hectares, o nogueiral 30 ha, a vinha 50 ha, ficando os 70 ha sobrantes para sobreiros e áreas incultas. Em termos de solos, existem duas variantes de vermelho calcário.
Toda a fruta é vendida à Organização de Produtores Fruteco, com sede em Estremoz e que conta com cerca de 50 associados. Já as uvas são todas entregues na Adega Cooperativa de Borba, formada por cerca de 300 viticultores.
As duas herdades são exploradas pela empresa Morgadinha e pelo pai de João Mota Barroso em nome individual. A faturação anual situa-se entre os 400 000 e os 500 000 euros. O número de trabalhadores, sete são efetivos e mais de 30 os eventuais.
No pomar de ameixas reina a Rainha Cláudia, variedade comum no Alentejo e famosa pela conserva típica de Elvas e que faz distinção entre o doce sericá e sericaia, tema que divide alentejanos. O professor de Évora esclarece que não existe uma só Rainha Cláudia, mas há uma típica do Alentejo, a que cultiva.
Escolher alternativas para ter mais receitas
João Mota Barroso explora terra própria, quase toda que estava na posse da família. Há 12 anos comprou cerca de 70 hectares. Embora diferentes, a Herdade de Travassos e a Herdade da Morgada partilham as mesmas culturas. Ao contrário doutros agricultores, a propriedade do lente não foi intervencionada pela Reforma Agrária.
Antes da instalação dos pomares as terras estavam agricultadas com cereais de sequeiro. Há 30 anos João Mota Barroso começou a pensar em alternativas. “Fiz uma perspetiva do que seria o futuro da agricultura. A vinha foi uma escolha lógica, porque é tradicional da zona, e os pomares, mas pomares regados”.
A escolha das espécies a plantar baseou-se em três fatores, explica João Mota Barroso: “condições naturais de clima, solo e água; potencial comercial; e know-how, que geralmente é o parente pobre das componentes a ter em conta”.
Damasqueiros, ameixeiras e nogueiras gostam de água, mas precisam de solos com boa drenagem. Características existentes em vários tipos de solo.
O professor da Universidade de Évora critica o procedimento de muitos empresários agrícolas, que se lançam na produção de culturas de que nada sabem. Aliás, essa é uma realidade muito comum na fruticultura, pois não há estudos acerca de diversas fruteiras.
“Muitas vezes os agricultores dominam o primeiro ponto ou o segundo ponto ou até os dois, mas não têm em consideração o terceiro aspeto. Há muitas variantes, não há conhecimento das especificidades. Há muitos naufrágios porque não há know-how”.
A informação disponível na internet não é fiável, seja por credibilidade de quem coloca a informação ou porque se baseiam em variedades não adaptáveis às condições específicas do lugar em que o agricultor tenciona agricultar.
“O conhecimento tem de ser no local, tem de ser experimentado e é preciso recolher informação. É decisivo conhecer a tecnologia, a adaptabilidade das espécies ao solo e ao clima. Temos a sensação que temos informação, mas não temos. Há erros e informações incompletas. Muitas vezes nem se tem consciência da ignorância, e os agricultores atiram-se sem saberem o mínimo”.
Professor de várias cadeiras de fruticultura na Universidade de Évora, João Mota Barroso reconhece que a produção universitária não é o fim do conhecimento. “Falta investigação e experimentação – que espécies fazer, o que se faz noutras regiões. Não temos experimentação, não há trabalho continuado. Aparecem uns programas, mas que depois acabam. Andamos há décadas da fazer reset. O know-how é um investimento que só se realiza em grandes áreas”.
João Mota Barroso dá o exemplo da Califórnia, onde os agricultores assumem a investigação e o desenvolvimento. Segundo diz, podem fazê-lo porque têm milhares de hectares que rentabilizam o investimento. “Aqui somos pequenos” – daí a necessidade de serem entidades públicas a suportar a investigação.
Não podendo competir com os países com grandes produções, Portugal deve apostar em produtos de grande qualidade e com nicho de mercado. “Nas commodities temos os dias contados, mesmo com regadio. E não com o preço que vamos ter de pagar a rega”.
Contra Espanha, por exemplo, o embate será de David contra Golias, pelo que as opções devem ser a raridade da variedade, especialidade autóctone, como é o caso da Rainha Cláudia. Uma vantagem é a precocidade da frutificação, o que permite melhores preços.
Este agricultor de Borba afirma que é um de vários agricultores que vão estando atentos às escolhas das cultivares. Leem a informação acerca de semelhanças de condições e arriscam. Nem sempre corre bem e há casos em que as árvores têm de ser substituídas por outras cultivares.
Três pomares e vinha
As árvores de ameixas Rainha Cláudia dominam, ocupando cerca de 15 hectares. Depois, com áreas praticamente idênticas, existem as cultivares Black Amber, Black Diamond, Angelino, Prime Time, Show Time, Safira, Letitia, Sun Gold, Golden Globe e Lary Anne.
As cultivares de damasqueiros são Robado, Tom Cot, Flavor Cot, Bergevale, Kioto, Magic Cot e Perle Cot, com áreas semelhantes.
Nos pomares de ameixeiras e damasqueiros o compasso predominante é de seis por três metros, sendo as árvores regadas pelo sistema de gota a gota. A exigência em termos água, o consumo anual situa-se entre os 5000 e os 6000 metros cúbicos por hectare.
João Mota Barroso não tem intenções de fazer novos investimentos nos pomares de prunóideas. A comercialização compete à Fruteco e os preços não têm tido grande flutuação. “Não sinto variação anual. O preço indicador depende da oferta e da procura, e as variações interanuais têm sido regulares”.
Nas nogueiras, as variedades são Chandler, Howard e Tulare e estão plantadas em compassos de oito por cinco metros, sendo também regadas pelo método de gota a gota. Estas árvores consomem anualmente entre 7000 e 8000 metros cúbicos de água.
Quanto a problemas, “são as ameaças normais”. As ameixas sofrem com a moniliose, afídios e mosca da fruta. Já os damasqueiros só têm uma ameaça a ter em conta, a moniliose. Nas nogueiras o problema é o da bacteriose. Na vinha são o míldio e o oídio.
Em termos de tratamentos tanto as ameixeiras como os damasqueiros conhecem entre dois a cinco, as nogueiras de três a seis e a vinha de quatro a cinco.
As lebres só têm custos porque roem os tubos da rega. Pior do que estes roedores selvagens são os caçadores, que muitas vezes apontam à lebre e acertam no cano, diz sorrindo.
Um ano bom
João Mota Barroso diz que o ano está a ser positivo, apesar das temperaturas atípicas. As ameixas Rainha Cláudia são pouco produtivas, dão entre nove e dez toneladas por ano, enquanto as variedades japonesas podem chegar às 30 toneladas. O nogueiral é recente, pelo que não deverá dar mais dos que três ou quatro toneladas por hectare.
O nogueiral tem apenas sete anos e João Mota Barroso aponta para um intervalo entre a década e a dúzia de anos o tempo para chegar a uma produção a ter em conta. A título de exemplo refere que em 2013 apenas geraram 1200 quilogramas.
Os pomares de ameixeiras e damasqueiros têm a mesma idade, sete anos, embora algumas árvores de ameixas tenham mais um. Na vinha, a antiguidade varia: 5, 9, 15, 20 e 30 anos.
A diversidade de cultivares de ameixeiras faz com que a época de apanha decorra nos meses de junho, julho e agosto. Nas variedades de damasqueiros a recolha é de maio a junho. Nas nogueiras do final de setembro a outubro. Na vinha vai de final de agosto até setembro.
As ameixas e damascos são colhidos manualmente. É uma apanha cara, afirma o agricultor, pois para conseguir a fruta no seu melhor momento é preciso ir várias vezes às árvores. A vindima é parcialmente mecanizada, cerca de 30% – esclarece.
Uma vinha variada
As uvas tintas ocupam 70% da área, cabendo, obviamente, os 30% a brancas. Nas tintas, as castas são Aragonês, Trincadeira, Castelão, Tinta Caiada, Alicante Bouschet, Touriga Nacional, Touriga Franca, Syrah e Alfrocheiro. As brancas são Roupeiro, Tamarez, Antão Vaz, Arinto, Verdelho, Alvarinho e Fernão Pires.
As uvas praticamente não têm rega, “é pontual”, esclarece o agricultor. O preço que a Adega Cooperativa de Borba paga pelas uvas “pode variar de um para três. É um intervalo muito largo e os parâmetros são muitos”.
Artigo publicado na edição de julho/agosto de 2014 da revista VIDA RURAL