A cultura da amêndoa está adaptada ao clima mediterrânico e existe uma procura crescente no mundo, logo um aumento dos preços. Especialistas e produtores parecem estar de acordo: é uma opção para o Alentejo/Alqueva, devido à disponibilidade de água e possibilidade de fazer pomares com dimensão, além da sua adaptabilidade a solos pouco profundos. Mas também há constrangimentos.
A amêndoa começa, cada vez mais, a ser encarada como uma boa alternativa às culturas mais ‘tradicionais’ para o Alentejo, como o milho ou o olival, principalmente em Alqueva. As vantagens são muitas: procura, preço, água, espaço, novas variedades… mas também há constrangimentos a ter em conta.
O diretor-geral da Consulai considera que “em termos gerais, a amêndoa é uma opção muito interessante pelo facto de ser uma cultura muito adaptada ao clima mediterrâneo, ser um produto não perecível, colhido no verão (isto como uma vantagem comparativa com a azeitona que é colhida no inverno) e com um mercado crescente no mundo”. Quanto ao Alentejo/Alqueva, Pedro Santos diz à VIDA RURAL que “é uma boa opção pela possibilidade de fazer pomares com dimensão (mais eficientes no uso da mecanização), pela disponibilidade de água e pela possibilidade de se adaptar a solos pouco ou medianamente profundos (em contraposição com as nozes, que precisam de solos muito bons e profundos)”.
Já o agricultor Pedro Branco diz que optou por juntar a amêndoa às nogueiras (para fruto e madeira) na Herdade da Lentisca porque “a conjugação de vários fatores, com especial destaque para o desenvolvimento de novas variedades de floração tardia, porta-enxertos adaptados a variadas condições edáficas e, acima de tudo, a disponibilidade de água proporcionada pelo empreendimento de Alqueva, vieram solucionar algumas das principais limitações agronómicas à implantação da cultura da amêndoa no Alentejo”. O produtor diz ainda que estas condições, associadas “aos fortes e consistentes indicadores que chegam do mercado internacional ao nível da procura e dos preços praticados, vieram potenciar a apetência dos empresários agrícolas locais e externos a investirem nesta cultura como forte alternativa relativamente às outras opções até agora privilegiadas como o olival ou o milho”. E acrescenta: “Em função disto a tendência será certamente de um acentuado incremento das áreas plantadas com amêndoa na nossa região”.
O agricultor refere que “a filosofia de investimento da Agropecuária da Lentisca é, desde há muito, baseada na aposta em culturas de alto valor acrescentado como as nogueiras para madeira e nogueiras de fruto. A decisão de investir na cultura da amêndoa surgiu quatro anos atrás, bem antes da divulgação que hoje ocorre, em linha com a ideia anterior e também em resultado de acreditarmos ser prudente uma divisão do risco associado a um período temporal de entrada em produção diferente das culturas existentes”.
Agora, Pedro Branco assegura que, “tendo passado apenas cerca de um ano e meio desde a instalação do pomar, podemos claramente afirmar que o desenvolvimento da cultura corresponde totalmente às expectativas que tínhamos relativamente à adaptabilidade e comportamento vegetativo da mesma”.
Produtores preparam Organização
Também Daniel Montes, da O Trevo em Beja, decidiu plantar “30 ha em Beja em junho de 2014” e está na génese da criação de uma Organização de Produtores de amêndoa na região. “Estamos à espera de legislação no novo quadro comunitário para fazermos a empresa e pedir reconhecimento. Temos 12 produtores e 430 ha de amêndoas já plantados. Estamos abertos a novos associados”.
Pedro Branco considera que “a existência de uma organização de produtores é, sem dúvida, muito importante no sentido em que, entre outras coisas, contribui para a construção de uma oferta organizada de produto, o que é um fator fundamental na atração dos operadores de mercado bem como na melhoria da capacidade negocial relativamente a uma oferta individual e desgarrada” e adianta: “Teremos com certeza todo o interesse e empenho em colaborar na formação de tal organização, procurando objetivos comuns que gerem benefícios para todos”.
Daniel Montes diz-nos que optou por esta cultura porque “o mercado está muito interessante, com um aumento considerável da procura mundial e consequente aumento de preços”, o produtor salienta que “os frutos secos são um snack saudável e na atualidade, além do mercado tradicional da pastelaria, existe uma nova procura relacionada com o setor da healthy food (leite de amêndoa, óleo de amêndoa, etc.)”.
A somar às vantagens, Daniel Montes adianta o facto de ser uma “cultura muito mecanizada e com possibilidade de ser integrada com a produção do olival (integra-se perfeitamente com o ciclo cultural do olival e partilha da mesma mecanização ao nível da produção); a possibilidade de armazenamento e mercado desenvolvido (cotação em bolsa de commodities e novas variedades autoférteis com floração tardia e com resistências a doenças problemáticas (Fusicocum)”.
O agricultor diz que a evolução da cultura “está a correr dentro do previsto, isto é, bem! Até agora já tive ataques com algumas pragas (Anarsia e aranha-vermelha) mas tudo foi controlado. As árvores já levaram a primeira poda de formação e estão com um vigor espetacular”.
Constrangimentos
Apesar de todas as vantagens, o diretor-geral da Consulai salienta que há desvantagens, ou melhor constrangimentos que “podem ser agrupados em três grupos: técnicos, comerciais e financeiros”. Segundo Pedro Santos, os técnicos são principalmente “falta de conhecimento técnico sobre a cultura (variedades, práticas culturais, etc.), falta de plantas para as intenções existentes, falta de pessoal técnico qualificado (com exceção de alguns espanhóis)”, já em termos comerciais, o responsável refere “poucos canais de escoamento existentes (mais dramático para as variedades de casca mole), falta de alternativas de transformação, falta de estruturas de agregação (apesar de estar a ser criada a tal OP)” e do lado financeiro, Pedro Santos alerta que “a cultura implica um investimento inicial importante e um longo período até entrar em plena produção (o que obriga a uma necessidade de fundo de maneio elevada)”.
Opções culturais
Daniel Montes escolheu variedades autoférteis de floração tardia e extratardia (floração plena a partir da segunda semana de março); variedades de casca semimolar com rendimentos acima dos 30%. “As que tenho plantadas são as novas desenvolvidas no IRTA (Instituto de Desenvolvimento Agrícola da Catalunha) – Vayro e Marinada. No entanto, existem mais variedades dos programas de melhoria de diversos institutos espanhóis muito interessantes, nomeadamente a Penta do CEBAS ou a Betona e a Soleta do CITAS. Além destas também acho a francesa Lauranne, muito interessante”.
Já Pedro Branco diz-nos que “ponderados vários fatores, quer a nível agronómico quer a nível do mercado internacional, a nossa opção recaiu em dividir a área disponível por quatro variedades de casca dura, floração tardia e autoférteis, a Belona, Soleta, Lauranne e Guara, desenvolvidas no Centro de Investigação de Aragão em Espanha, utilizando um porta-enxerto adaptado a condições de solo com pouca drenagem interna”. A plantação, efetuada em terreno armado em camalhão, obedeceu a uma orientação N-S em compasso de 6,5 m × 6,0 m.
Por seu lado, Daniel Montes refere: “acho os compassos entre 7 × 5 e 7 × 6 os mais adequados e foram os que instalei. Acho o superintensivo muito arriscado uma vez que a planta é muito vigorosa e ainda não há muita experiência dos porta-enxertos ananicantes”.
O produtor de Beja refe um “investimento entre 5500 a 6500 €/ha (incluindo rega) para os compassos referidos” e espera “tirar entre 1700 a 2000 kg de miolo/hectare. De momento, as rentabilidades são muito altas uma vez que o preço está muito alto. Com custos de 2500 €/ha/ano conto ter uma rentabilidade acima de 3000 €/ha/ano, mesmo quando arrefecer esta euforia de preços”.
Pedro Branco, da Herdade da Lentisca, afirma que “ao nível do investimento, embora deva referir que cada caso é um caso com as suas especificidades, os custos de instalação da cultura em sistema intensivo, incluindo preparação de terrenos, planta, plantação e sistema de rega, rondam os 7000 €/ha. Os encargos com a gestão anual da cultura partem de aproximadamente 2000 €/ha ao segundo ano evoluindo progressivamente até aos 4500 €/ha ao oitavo ano de instalação”. O produtor de Portel refere que “relativamente à rentabilidade associada ao projeto, se considerarmos uma produção em ano cruzeiro a rondar os 2500 kg/ha de pepita e a preços de venda médios de 4,5 a 5 €/kg, é possível atingir uma TIR [Taxa Interna de Retorno] num intervalo de 25 a 30%”.
Em termos de comercialização, o produtor da O Trevo diz-nos que “de momento é para vender com casca para Espanha. Pelo menos até termos capacidade de descasque. Esperamos que na campanha 2017/2018 possamos ter uma unidade no Baixo Alentejo”.
Pedro Branco lembra que “embora a venda seja normalmente efetuada com casca, o preço praticado é sempre indexado ao peso líquido da pepita em função de análises de rendimento. Relativamente aos canais de mercado, estes estão perfeitamente identificados e disponíveis para os produtores através de vários operadores, sendo que não tardará muito para que estes tomem a iniciativa de procurar esta região em busca de amêndoa em quantidade e qualidade”.
Rega gota a gota dupla
No início de março, a Irricampo organizou em Beja uma Jornada Técnica sobre a Cultura da Amêndoa, como mais uma opção cultural para a zona do Alentejo. O diretor-geral da empresa explica-nos porquê: “Nos últimos meses vínhamos assistindo a uma forte solicitação de orçamentos para instalação de sistemas para a cultura da amêndoa, nomeadamente na zona do Alentejo”. João Ferreira adianta que “ao questionarmos os clientes, na maioria dos casos, relativamente a algumas das práticas culturais sobre a amêndoa, nomeadamente marcos de plantação, necessidades hídricas e gestão da rega, invariavelmente não se conseguia ouvir duas respostas iguais, o que nos levou a ‘concluir’ que existia de facto um grande desconhecimento sobre esta cultura e, em simultâneo, uma vontade de investir na mesma, isto como forma de diversificar a produção da sua exploração”.
Nesse sentido, diz o responsável, “procurámos montar uma Jornada Técnica que focasse todos os pontos primordiais numa cultura ‘nova’ para que a aposta na mesma seja um sucesso no futuro”.
Uma das empresas que participou na jornada foi a espanhola Nogaltec que trabalha com amêndoa e outros frutos secos desde sua fundação em 1998. Federico López Larrinaga, diretor-geral da empresa, explica à VIDA RURAL que “em Portugal trabalhamos em consultoria a plantações de amêndoa desde 1999, assessorando, entre outros produtores, a COFRAL (Cooperativa de Fruticultores do Alentejo)” e acrescenta que pessoalmente trabalhou como diretor técnico da Frusesa (Borges) de 1988 a 1998, que tinha 400 ha de amêndoa, 600 ha de nogueira e 100 ha de pistacho. A Nogaltec dedica-se a desenhar as plantações e à gestão técnica e assessoria, principalmente em Espanha e Portugal, mas também faz consultoria na África do Sul, Turquia, Roménia, Moldávia, Chile e Argentina.
Também Federico López Larrinaga considera que as novas variedades autoférteis e de floração tardia, em conjunto com a disponibilidade de água e a dimensão das propriedades permitiram apostar no Alentejo. O responsável diz que a escolha das variedades e os compassos de plantação dependem das características edafoclimáticas da propriedade”, mas em termos de rega “recomendados sempre o sistema duplo lateral gota a gota”.
Também Miguel Reis, delegado de Portugal da Regaber (outra empresa que participou nesta Jornada) refere que “o amendoal é uma cultura tradicionalmente de sequeiro, mas que responde muitíssimo bem à rega, melhorando substancialmente, tanto a produção como o tamanho dos frutos”.
Por isso, o responsável salienta que “a rega deve ser aplicada somente para evitar fases de stress hídrico excessivo e não deve ser aplicada regularmente. De facto, a rega deficitária controlada é utilizada com muito bons resultados nesta cultura. Assim, a melhor opção de sistema de rega é a que molhar o maior volume do sistema radicular evitando alagamentos e otimizando cada gota de água”. Miguel Reis lembra que “os solos em Beja são pesados, possuem um alto teor de argila, isso implica que as melhores regas sejam de baixa pluviometria. Unindo todas estas premissas, a nossa recomendação é a utilização de um sistema de rega gota a gota de baixo caudal, que permite regar sem provocar alagamento evitando ao mesmo tempo possíveis problemas fitossanitários”. E conclui: “Finalmente, é importante ter duas linhas de gota a gota por fila de árvores, já que em todos os ensaios acompanhados, há uma relação direta entre o volume da raiz molhada e a produção”.
Por seu lado, o diretor-geral da Nogaltec adianta que, dependendo das variedades, a primeira colheita comercial poderá ser entre o terceiro e o quarto ano, embora seja cada vez mais frequente que a colheita do segundo ano já tenha interesse”.
Artigo publicado na edição de abril de 2015 da revista VIDA RURAL