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Efluentes suínos produzem energia eléctrica

Efluentes suínos produzem energia eléctrica

Juntar a produção de calor à produção de biogás e assim gerar energia eléctrica a partir de efluentes suínos. Um projecto que ganha forma na Herdade do Outeiro. As poupanças podem chegar aos oito mil euros/ano. Números atractivos que justificam o forte investimento que a exploração tem realizado nestas formas alternativas de produção e consumo energéticos.

O processo parece mais ou menos simples: através de um biogerador, os efluentes suínos dão origem a energia eléctrica. Que depois pode ser usada para as diversas actividades de uma exploração. Na prática é mais complexo e tem muitos aspectos que ainda estão a ser afinados (ver caixa). Mas é um projecto que tem vindo a ser desenvolvido desde 1997 na Herdade do Outeiro, exploração que compreende terrenos em Pombalinho e no campo da Golegã.

A necessidade existia pelo elevado consumo energético próprio de uma exploração pecuá­ria. Acrescido dos consumos na fábrica de rações, por serem auto-produtores. A filosofia era eliminar todos os gastos que poderiam ser eliminados e tirar a maior rentabilidade possível de uma activi-dade que atravessa uma fase complicada a nível de preços. “A nossa política é reduzir custos ao mínimo, com maior eficiência, seja na vertente genética, na investigação ou na fertilidade animal. A questão energética também se encaixava aqui”, explica Pedro Menderico, um dos responsáveis desta exploração familiar.

 

Do biodigestor aos painéis solares

Foi esta postura que orientou os investimentos nas energias renováveis. Em 1997 adquiriram o gerador, por 32.500€. Um projecto enquadrado no SIURE – Sistema de Incentivos à Utilização Racional de Energia, promovido pela Direcção-Geral de Energia, com uma comparticipação de 50%. O investimento incluía o biodigestor e todo o sistema de tratamento e de separação de sólidos, com quatro lagoas para esse fim.

 

O biogás que produziam permitia reduzir em cerca de 1/3 a 1/4 as suas necessidades energéticas. Pouco para as expectativas iniciais. O facto de o uso do gerador estar condicionado no Inverno é uma das explicações. A experiência diz que, para atingir o ponto máximo de produção de biogás, os efluentes animais têm de estar a cerca de 35 graus. Por isso, 13 anos passados, vão investir em painéis solares. Serão 24 nesta primeira fase. Para aquecer os efluentes suí­nos em cerca de cinco a seis graus dentro do biodigestor. O que poderá rentabilizar mais a actividade do gerador e a conse-quente produção de biogás, atesta Pedro Menderico: “Queremos que o gerador produza todos os dias, ao longo de todo o ano, com uma temperatura constante, para podermos ter ganhos de redução de consumo. Estou convencido que se conseguirmos que o gerador produza, todos os dias, cerca de oito a dez horas, vamos obter energia suficiente para toda a energia que consumi-mos, quer na suinicultura, quer na fábrica de rações”.

O investimento nos 24 painéis solares mais as quatro serpentinas em cobre foi de 42.500€. Candidataram-se aos apoios ao investimento do Proder e aguardam resposta. Que, a ser positiva, representa uma comparticipação de 40%.

 

O facto de estarem a fazer o investimento no auge do Inverno não é inocente. Esperam, na altura da Primavera, já terem “acumulado calor e estar a produzir em pleno”. Para, no Verão, “tirar o máximo partido dos painéis solares e da produção de calor”, adianta o responsável.

Se o processo decorrer como previsto, as poupanças poderão ser significativas. No projecto que entregaram para o Proder previam uma redução de oito mil euros/ano a nível de custos energéti-cos. A recuperação do investimento, acreditam que deve acontecer ao fim de seis a oito anos.

 

Efluentes para espalhamento

Os efluentes resultantes da actividade de produção de biogás são depois aproveitados em grande parte para o espalhamento em terras agrícolas. Para Pedro Menderico esse espalhamento é inevitá-vel, dado os cada vez maiores “constrangimentos ambientais”. Um processo que tem a vantagem de reduzir a factura de adubos e de melhorar bastante a fertilidade dos terrenos.

Por agora, o produtor tenta resolver ainda alguns dos problemas que se colocam à produção de biogás através de efluentes. Um deles diz respeito aos desinfectantes das lavagens dos pavilhões, que acabam por matar grande parte das bactérias necessárias ao processo de digestão anaeróbia. “Uma das preocupações que temos tido é o de fazer o desvio das águas de lavagem para fora do sistema do biodigestor e tentar que sigam para o biodigestor só os efluentes resultantes dos dejectos animais”, revela Pedro Menderico. Um sistema que confessa não ser “fácil”. E que tem implica-do investimentos no deslocamento de condutas e a realização de lavagens em horários pré-determinados para optimizar o processo.

Reduzir custos em todo o processo

Estes investimentos na Herdade do Outeiro surgem numa altura em que a actividade pecuária vive uma situação difícil. A razão, os baixos preços pagos pelos animais que, por agora, apenas chegam para “cobrir os custos de produção”. O produtor conta que “a bolsa está oficialmente em 1,60/1,70€ quando, na prática, nenhum produtor consegue vender acima de 1,35€”. Valores que “dificilmente permitem a manutenção de uma propriedade” como a Herdade do Outeiro, lamenta Pedro Menderi-co.

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Os animais ficam na exploração até atingirem os 100 quilos de peso bruto, o que em média acontece na 26ª semana. São depois vendidos a um intermediário que escoa para o matadouro.

Controlam grande parte do processo de produção de suínos, o que lhes permite uma poupança acrescida. Compram varrascos alemães, produzem o sémen e realizam a inseminação. A genética tem vindo a ser adaptada para ter animais com bons níveis de carne, mas também para conseguir taxas de fertilidade óptimas. 22 leitões por porca/ano é o ideal.

Têm a vantagem de serem auto-produtores de ração. Fazem cinco fórmulas diferentes e só não produzem para os novilhos, na fase de desmame, e para os varrascos. Uma autonomia do mercado que lhes garante também a redução do impacto do aumento das matérias-primas. Produzem 120 hectares de milho dos quais metade para fabrico de ração. Dos restantes, fazem secagem e vendem grão em seco. Mas também aqui os preços têm deixado muito a desejar. Depois de um ano, como o de 2008, em que os preços rondaram os 200 euros/toneladas, em 2009 não chegaram aos 150 euros.

Para reduzir os custos têm vindo a investir em rega por aspersão, em substituição da rega por gra-vidade. Têm já 90 hectares cobertos e poupanças de água visíveis.

A volatilidade e as incertezas do mercado são as principais dificuldades que sentem. E que procu-ram atenuar com a redução de custos e o domínio transversal da actividade. “Tentamos, ao lon-go de todo o processo produtivo, reduzir custos em tudo o que nos é possível. Na matéria-prima, temos o nosso milho, produzimos as nossas rações, temos o nosso laboratório de inseminação artificial, a nossa varrascaria e o investimento em poupança de energia através do biogás”, enuncia Pedro Menderico. Um controlo de todo o processo que, assegura o produtor, é a única forma de “conseguir competir”.

Mais investimentos para o futuro

Apesar da difícil situação do mercado e da incógnita da PAC pós-2013, os investimentos não deve-rão parar na Herdade do Outeiro. Essa é pelo menos a convicção de Pedro Menderico. Ao nível do bem-estar animal estão já a antecipar aquilo que serão as obrigações da União Europeia a partir de 2013. As porcas que, na gestação, se encontram em celas individuais, terão de ser colocadas em gru-po e soltas. Na candidatura que apresentaram ao Proder incluíram já essa questão. O intuito, retirar as celas individuais e fazer compartimentos de grupo com várias porcas e uma máquina que alimente 70 animais de uma só vez.

No campo da Golegã está a ser desenvolvido um projecto de emparcelamento, através de uma associação. Um propósito que, a concretizar-se, poderá trazer novas perspectivas à exploração. Instalação de pivots de rega, por exemplo. E até investir em novas culturas, como hortícolas.

Na área da energia, os projectos também são de continuidade. Se o financiamento dos painéis sola-res correr como previsto, Pedro Menderico fala na hipótese de aumentar o seu número. Que depois poderão ser utilizados para outras soluções. Nas suiniculturas, para aquecimento das maternida-des e dos leitões, ou para outras vertentes, como os balneários dos trabalhadores. São apenas algumas das potencialidades do biogás na autonomia energética da exploração. •

Produção de biogás: Como funciona?

O biogás pode ser produzido de diversas formas, recorrendo a variadas matérias-primas. Na actividade pecuá-ria, a utilização dos dejectos animais constitui uma mais-valia.

Todos os dejectos dos suínos da exploração são canalizados para um biodigestor – um compartimento onde ficam acumulados durante uma semana. O compartimento é protegido por uma lona, onde se dá um processo de diges-tão anaeróbia, que decompõe a matéria orgânica na ausência de oxigénio. Este processo dá origem a biogás e a biofertilizante (líquido e sólido). Concluído o processo, a matéria não gasosa é canalizada para um separador, onde é realizada a divisão do estrume sólido do efluente líquido. Segue-se um processo de lagunagem, com um tanque de recepção e três lagoas, para o tratamento final dos efluentes antes de serem deitados na vala.

Com a instalação dos painéis solares na Herdade do Outeiro, esperam conseguir aquecer os efluentes e aumentar a produção de biogás. Vão instalar 24 painéis e quatro serpentinas em cobre que serão afundadas dentro do biodigestor. Essas serpentinas são alimentadas pelos painéis solares e procedem a um aquecimento contínuo das massas, que deverá potenciar a produção de biogás.