Agricultura e culinária estão juntas numa pequena propriedade em Vila Real. Desde ervas aromáticas a flores comestíveis, a investigação gastronómica é permanente.
Em Fonteita, no concelho de Vila Real, investigam-se ervas aromáticas e flores comestíveis. A culinária e a agricultura funcionam em parceria desde 2006, quando foi fundada a Ervas Finas.
Com uma área de cultivo de 13 000 m2 (terra própria), sendo 2000 m2 de estufa. “O solo é argiloso, pesado, mas com elevado potencial nutritivo. Como o nosso ‘jardim’ surgiu num espaço em que antes havia um pinhal, houve que corrigir muito o solo, para que ele se tornasse de textura mais leve, menos ácido e mais fértil. Para isso recorremos logo no início à correção do pH, à instalação de um prado de leguminosas em toda a área de cultivo e à preparação de toneladas de composto com os restos florestais e excrementos de uma pecuária extensiva”.
A Ervas Finas produz a sua própria compostagem e utiliza, como meio de rega, os sistemas por gota a gota, aspersão e nebulização.
“O consumo é muito variável, conforme as culturas, a técnica cultural associada e a estação do ano. Os legumes de folha para salada (baby leaves), os microverdes e as ervas mais finas são as espécies de maior consumo. As aromáticas vivazes ou com raízes mais profundas e as flores comestíveis, associadas a técnicas de economia de água (rega gota a gota, uso de telas antiervas, mulching, consorciação de culturas, são naturalmente as que consomem menos água”.
Uma paleta vegetal
A empresa tem instaladas cerca de 250 plantas diferentes, “entre espécies e variedades de ervas aromáticas e de flores comestíveis”, refere Graça Saraiva. Deste total apenas perto de 60 se encontram em produção, revela a agricultora. “As outras mantemo-las como ‘energia potencial’ ou como ‘plantas de companhia’”.
Graça Saraiva explica que a Ervas Finas é “uma espécie de jardim de biodiversidade com interesse alimentar, feito de ervas aromáticas, flores comestíveis, frutos silvestres, folhas-bebé e microverdes, característicos da flora portuguesa e dos mais diversos lugares do planeta”.
O cultivo é todo feito em modo biológico. Na exploração existe um espaço de ‘interpretação e desenvolvimento’, do qual faz parte uma cozinha experimental, onde se testam as ervas, as flores e outros ingredientes, com técnicas e procedimentos, que se traduzem em produtos genuínos e ensinamentos que se partilham”. Com base nos resultados, a empresa apresenta as propostas à hotelaria e à restauração.
Para além das vendas das plantas alimentares, nas épocas de maior abundância a Ervas Finas produz geleias, xaropes, açúcares, infusões, condimentos e “outras maravilhas que pretende oferecer o ano inteiro aos seus clientes, como se fossem ‘mimos em caixinhas’” – afirma Graça Saraiva.
A agricultora adianta que as espécies são selecionadas “pelo seu atual ou potencial gastronómico. Este potencial pode encontrar-se nas suas raízes, caules, folhas, flores ou sementes, no estado fresco ou preservado”. Os objetivos da empresa passam por “confirmar ou descobrir este potencial, recorrendo a ensaios, parcerias ou a bibliografia especializada” – salienta Graça Saraiva.
Problemas não moram por ali
Doenças e pragas não dão dores de cabeça para Graça Saraiva, que reconhece que a grande variedade de culturas pode ser um local de eleição para problemas. “Como tentamos que se estabeleça um ecossistema equilibrado, embora com intervenção ou condução humana, faz com que surjam inúmeros auxiliares para combater as mais diversas pragas. Quanto às doenças, aquelas que mais nos preocupam são as relacionadas com fungos, mais especificamente o oídio em algumas culturas em estufa; uma vez que estamos instalados em zona de vale. Neste caso temos de ter muita atenção com os arejamentos e as densidades culturais, como medidas preventivas”.
De acordo com esta agricultora transmontana, é difícil estimar as quantidades produzidas, pois o trabalho baseia-se “essencialmente com a diversidade”. Os preços têm-se mantido, “continuando a apostar na fidelização dos clientes”.
Quanto ao significado do negócio, Graça Saraiva prefere não divulgar e a crise parece ser algo relativo. “Sinto a crise, mas não me sinto em crise. Vejo-a como grande oportunidade de reajuste, entre o que realmente gosto de fazer e aquilo que o mercado precisa que eu faça, com o menor gasto e com a maior satisfação pessoal possível. Torna-se um exercício difícil, mas muito útil, que apenas se faz em alturas de crise”.
“Apesar da Ervas Finas ser uma empresa com fins lucrativos, não visa estritamente o lucro. A sua atividade assenta também fortemente em atividades de criação, desenvolvimento e pedagogia, que não se traduzem em resultados económicos a curto prazo. Por isso, o volume de negócios atual não serve para medir o potencial económico da empresa. O que posso dizer é que não tem dado prejuízo e, a breve prazo, dará com certeza mais lucro”.
A venda ao exterior não esteve na génese do conceito, pelo que as exportações não têm significado na atividade. Todavia, há aproximações.
“O que nos motivou, no início do nosso projeto, não foi a exportação, mas a possibilidade de oferecer aos profissionais de cozinha produtos de características especiais, genuinamente portugueses, que lhes permitissem trabalhar uma cozinha de autor, com produtos de melhor qualidade, a mais baixo preço e de uma forma mais identitária com a gastronomia portuguesa. Para mim é tão importante este aspeto como a exportação, embora, pela nossa participação em eventos gastronómicos e feiras empresariais, tenhamos sempre despertado interesse ao estrangeiro pelos nossos produtos. Estamos a preparar-nos para isso, não com os frescos, mas com os nossos produtos preservados”.
Selecionar as melhores espécies
A aposta vai agora para o reforço da área de cultivo de algumas espécies, consideradas estratégicas, investimento em estruturas e equipamentos de apoio à transformação, embalagem, imagem e comunicação, adianta a agricultora.
Atualmente, a empresa encontra-se em reorganização, com vista a uma maior rentabilidade, o que passa pelo “conhecimento sobre as plantas e o seu potencial gastronómico”, capacidade de desenvolvimento de produtos preservados de valor acrescentado, tendo por base ervas e flores, e “gosto pela pedagogia e comunicação”.
Graça Saraiva insiste no ponto de que o negócio passa pela personalização dos produtos para cada cliente. “Uma vez que fazemos um trabalho muito personalizado e cuidado para os nossos clientes, tentando manter sempre quase intacta a estrutura de cada erva ou flor, a colheita tem de ser manual. Atualmente os frescos são produzidos, de forma personalizada para o canal HoReCa”.
Quanto a especificidades dos cultivos, a atenção não se centra em apenas meia dúzia de plantas. “Uma vez que trabalhamos com uma grande diversidade de plantas, focamos mais a nossa atenção no conhecimento das necessidades de cada planta e na seleção das variedades adequadas ao nosso terroir, bem como na adaptação de algumas que consideramos interessantes, mas que são mais caprichosas; por serem autóctones portuguesas ou originárias de locais ambientalmente bastante diferentes daquele que temos”.
Graça Saraiva afirma que conta com muita “ajuda da própria natureza. Deixamos que algumas nasçam onde querem e se possam tornar plantas-mãe de culturas subsequentes. Neste processo conseguimos obter plantas bem adaptadas e, por vezes, variedades novas, resultantes de cruzamentos inesperados. É também importante o sucesso das culturas e o rendimento, mas nunca podemos falar em toneladas por metro quadrado”.
Por tudo isto, “os trabalhos são muito diversificados e permanentes, como se de uma horticultura intensiva se tratasse, passando por sementeiras, plantações, sachas e mondas, fertilizações” – salienta Graça Saraiva.
Artigo publicado na edição de outubro de 2014 da revista VIDA RURAL