Formou-se em economia e teve várias atividades profissionais antes de se dedicar à agricultura. João Cortez de Lobão é o homem do leme da Herdade Maria da Guarda, uma exploração com 700 hectares de olival super intensivo cujo modelo de negócio passa pela produção de azeite de qualidade para venda no mercado italiano.
Como é que chega à agricultura?
Sou de uma família de gente ligada à terra há umas centenas de anos, em Serpa. Na minha geração estava a surgir um problema que era não haver ninguém que quisesse ser agricultor. O meu irmão era rendeiro do meu pai e dos meus tios e tinha a seu cargo esta Herdade e outras, mas a certa altura estava desgastado com a agricultura e quis sair.
Na altura, tinham apenas as culturas tradicionais?
Sim, essencialmente cereais, apenas culturas anuais. Vivíamos um pouco o trauma das ocupações do 25 de abril, e ninguém queria investir mais do que a um ano.
Quando é que recuperaram as herdades?
Começámos a recuperar ainda nos anos 70, aos poucos, e o processo prolongou-se até ao final dos anos 80. Recuperámos tudo e foi nessa altura que a Herdade ficou arrendada a um dos meus irmãos. Quando o meu irmão quis sair, o meu pai, na altura com 80 anos, reuniu os irmãos, somos seis, e disse que ou um de nós tomava a iniciativa ou teria de vender a terra. E eu zanguei-me com o meu pai, porque achava mal vender, provavelmente a um estrangeiro, uma terra que tinha sido nossa durante tantos séculos… E o meu pai zangou-se comigo e disse-me que ou eu tinha uma solução ou não o podia criticar.
Quantos hectares tinha na altura?
Na altura, cerca de 1500 hectares…
E o que é que estava a fazer profissionalmente?
Na altura, era administrador de uma empresa participada de um banco, uma financeira. Estava muito bem na vida, tinha vivido uns anos nos EUA, trabalhava nas Torres Gémeas, tinha uma carreira muito simpática no setor financeiro…
A experiência em jornalismo foi anterior…
Sim, 10 anos antes disso. Acabei o curso e estive 10 anos no jornalismo. Todas as fases da minha vida são muito bonitas, não me arrependo absolutamente de nada, tive muito gosto, aprendi imenso no jornalismo, mas também acho que as coisas não são repetíveis. Gosto muito do jornalismo, mas não sei se tinha capacidade para repetir. Gostei imenso do setor financeiro, mas não sei se gostava de repetir outra vez essa experiência. E estou perfeitamente confortável, nesta altura, com a gestão de uma empresa agrícola. As coisas não são repetíveis, mas vivem-se em plenitude.
Vamos regressar ao desafio proposto pelo seu pai… foi em 2005?
Sim, nessa altura estava toda a gente com medo da agricultura. E o meu pai desafiou-me a encontrar uma solução, mas como nenhum dos meus irmãos estava interessado, acabei por ser eu a apresentar. Saí do banco no dia 1 de dezembro de 2006, o dia em que celebramos a Restauração da Independência e, de certa maneira, é a data também da minha independência. Foi um risco brutal, na altura já tinha sete filhos, ainda nasceu outro a seguir e foi uma prova de fogo… Achei que tinha de tomar esta decisão por uma questão de princípio, porque em termos económicos nada fazia sentido. Estava num banco, ia ter uma reforma e direitos muito confortáveis, deitar isso tudo fora foi um risco. Na altura tinha 43 anos, estava a meio de uma carreira, mas tinha o sonho da agricultura na minha vida, não de uma forma muito empresarial, mas uma ligação à natureza. A ideia de ter uma raiz, uma âncora na terra, ter uma ligação e passar os últimos tempos da minha vida gozando esta relação que se repete todos os anos de fazer sempre. Às vezes, as oportunidades não vêm quando sonhamos, mas quando têm de chegar e ou apanhamos o comboio ou ficamos em terra a arrependermo-nos toda a vida.
Na altura, falei com um grande amigo que já morreu, e de quem ambos gostávamos muito, o engenheiro Armando Sevinate Pinto, que tinha trabalhado em jovem com o meu pai, que era agrónomo e investigador na Fundação Gulbenkian, nos anos 70. Ele encorajou-me, mas disse-me logo que me ia desiludir imensas vezes. E assim foi, fiz uma proposta e saí do Banco, onde seguramente ficaram a pensar que eu estava com uma crise de identidade [risos]. Mas, às vezes, as decisões têm mais a ver com o princípio do que com a questão económica. Curiosamente, veio a revelar-se uma decisão perfeita em termos económicos, porque do lado da Banca, a partir de 2008, foi um caos, houve regressões e os bancos passaram péssimos períodos, dizer que se trabalhava na banca era pejorativo. Mas os primeiros três anos foram muito difíceis para mim…
Percebeu logo o que queria fazer com aquela Herdade?
Estudei muito quais eram as possibilidades. Queria fazer monocultura, porque achei que não tinha capacidade para gerir várias coisas ao mesmo tempo. E achei que, a certa altura, ou era vinha e vinho ou olival e azeite. E, entre as duas, acabei por escolher o olival, porque alguém me disse que o azeite era fácil de vender a granel, enquanto para o vinho, normalmente, é preciso ter um segundo negócio em cima, que é ter uma marca e passar a ter dois negócios: produzir um bom vinho e depois embalá-lo e vendê-lo. Achei que não tinha as valências para fazer as duas coisas. Chegar ao final do ano e vender o azeite a alguém era aliciante e podia pensar em fazer o segundo negócio mais tarde. Foi assim que optei pelo azeite.
Ou seja, foi uma escolha já muito focada…
Ainda pensei nos pivots e nas vacas, mas tenho dificuldade em trabalhar com animais, porque me diziam que iria sempre depender do subsídio e queria um negócio que não dependesse de ajudas. Fiz imensos erros, que são conhecidos e visíveis para toda a gente, mas vamos aprendendo com os nossos erros. Alguns consultores diziam-me para nem pensar em por aramada, e eu gastava fortunas em mão de obra, e a certa altura acabei por colocar e vi que funcionava e afinal não era caríssima, como me diziam. E começámos a aprender com esses erros.
Qual foi o maior embate, quando chegou à agricultura?
Em termos pessoais, foi difícil. Tenho oito filhos, estavam todos em Lisboa na escola, uma das minhas crianças ficou gravemente doente, e eu a caminho do Alentejo e a fazer erros… Os reports com as pessoas não funcionavam, porque em agricultura ninguém estava habituado a fazer um report escrito com o historial das coisas, só queriam fazer por telefone. E quando havia um furo, ficavam à espera que eu chegasse para saber onde se mandava arranjar. A comunicação, que é tão fundamental na agricultura, não funcionava da mesma maneira. Até conseguir encontrar uma linguagem que funcionasse e que permitisse a todos comunicar de uma forma transparente, para podermos todos tomar decisões, foi o um trabalho titânico! Mas consegui formar a equipa. Não precisamos todos de estar de acordo, mas temos de ser leais. E talvez tenha sido esse o principal problema que encontrei e que hoje está perfeitamente funcional. Hoje não preciso de ir ao Alentejo, só vou porque gosto, porque não precisava. Temos 40 colaboradores, existe uma hierarquia, reportam e estou satisfeito.
Tem uma política de gestão de colaboradores pouco usual na agricultura…
Utilizo mecanismos que aprendi na banca e nos EUA, que são prémios de reconhecimento das pessoas. Não as tratamos como recursos humanos, nem como equipamentos, mas como pessoas. Sabemos o nome de cada um, se são casados, onde vivem. Todos os colaboradores com filhos com menos de 10 anos recebem, mensalmente, um cabaz de compras do supermercado no valor de 40€ por filho. Este ano temos um novo incentivo: por cada filho que nasce recebem 800€ de prémio. É uma forma de entrar na família e não ser só um colaborador, é uma família que está integrada.
Isto tem a ver com a sua visão muito pessoal e cristã do valor da família…
Sim, mas é sobretudo para criar ligação e é assim que conseguimos ter algum sucesso. Para além disso, todos os anos damos prémios de produtividade, este ano toda a gente recebeu um prémio. Quando o ano corre bem, é natural que queiramos partilhar. Obviamente que o lucro é importante, mas não é a única medição do sucesso, o que queremos é criar valor. E criar valor é na família, na sociedade, nos colaboradores, na região onde estamos implantados, é aí que se cria valor. Haverá anos que não teremos lucro, mas estaremos cá.
Eu gosto muito dos mercados financeiros, e desde que entrei nunca mais sai, mas percebo que, hoje em dia, as empresas que são as maiores do mundo têm um lucro por ação muito baixinho, mas criaram um valor brutal. Pensamos nos Facebook ou nas Amazon da vida, ou grandes empresas, como a Apple, que teve resultados baixíssimos durante muito tempo enquanto estava a criar valor para as comunidades, e hoje em dia é uma empresa global.
Voltemos ao azeite. Decide investir no azeite e não na vinha…
Sim, trabalhar uma marca é uma coisa muito difícil. Temos alguns bons exemplos, em Itália trabalham muito bem as marcas, e é um mercado que está constantemente a precisar de azeite, porque produzem muito, mas exportam muito mais, e vão precisar sempre de vir buscar azeite com qualidade para integrar as suas marcas.
Esse é o seu maior mercado?
Sim, sobretudo Itália. Também vendo para Espanha e para Portugal. Mas Itália é o mercado que mais valoriza. A história repete-se, desde o tempo do Império Romano que o azeite da Lusitânia era conhecido por ser o melhor do Império e ia para Roma. O Azeite da Lusitânia era considerado o melhor e mais caro para as elites romanas. E hoje temos dos melhores azeites do mundo e somos o país onde a percentagem de azeite de qualidade é mais elevada, sobre o total produzido. Não há país nenhum do mundo que tenha 80% da sua produção com virgem extra e frutado. Os italianos não têm isso e os espanhóis e gregos estão longe disto. É uma valência que temos, mas não temos os canais de distribuição dos italianos, que têm 400 000 restaurantes italianos em todo o mundo que só gostam de comprar marcas italianas. E o chinês que está em Pequim não quer outra marca que não seja italiana. Cheguei a promover uma marca minha, Lagaretta, e era um esforço brutal, não tinha margem, dá muito trabalho e gasta-se muito dinheiro. Os italianos têm essa valência e temos de aproveitar. Enquanto isso não mudar, podemos vender a nossa qualidade aos italianos e eles gostam tanto que pagam o azeite antes de o levantar, não há risco de cobrança. Não há produto financeiro melhor que este.
Mas a marca não devia ser o caminho?
Tenho pena de não ter uma marca, devíamos ir por aí, estamos a começar a fazer isso, a promover a imagem de marca do azeite português, temos azeites ótimos pelo país. Na região da Beira, há azeite ótimo, mas, infelizmente, como não têm água, não conseguem ser competitivos. O preço do azeite, em termos reais, tem baixado muitíssimo nos últimos 50 anos e só assim é que vamos conseguir chegar ao mundo inteiro. Antigamente, num hectare de olival, tinha de dar metade do azeite ao rancho que vinha apanhar a azeitona, depois mais 20 a 30% para manutenção e sobrava 15-20% de margem. Hoje, com a água e com as novas técnicas, conseguimos ter margens brutalmente acima dos 15-20%. O produtor hoje ganha mais que o embalador. A margem pode ser de 100% a vender aos italianos, o embalador tem margens de 4%, vemos as contas deles e é tudo muito apertadinho… Além disso, antigamente pagava-se uma jorna com um litro de azeite a um colaborador, que ele trocava por feijão, grão, conseguia alimentar uma família inteira. Hoje, um quilo de azeite vale, no máximo, 4€. Com 4€ ninguém sobrevive, nem um homem sozinho, nem a sua família. O preço do azeite tem baixado brutalmente no último século e vai continuar a baixar. E por isso estes novos olivais têm capacidade para ir baixando o preço real do azeite. E Espanha vai ter um problema, porque há medida que nós crescemos, como os olivais deles são ainda antigos, e em sequeiro, têm custos de produção elevados e vão perder a sua margem. E nós, que não temos a dimensão deles, estamos muito bem no olival e temos condições ímpares para continuar a crescer com olivais modernos. Nos últimos 20 anos passaram-se mais coisas no olival do que nos últimos dois séculos anteriores e acho que é por aí…
A sua opção foi pelo superintensivo…
Tudo o que tinha de olival antigo, que estava muito disperso, arrumei numa área. As cultivares Galega, Cobrançosa e Cordovil, concentrei-as em 20 e poucos hectares e coloquei rega. Com essas azeitonas faço um blend, a que chamo blend nacional, que vendo a uma empresa italiana que gosta desse azeite e vende tudo para o Japão. Os japoneses, aparentemente, gostam. Há poucos que apreciam fora do país, mas quem aprecia gosta mesmo.
Com exceção destes 20 hectares de olival antigo, tenho todo o olival em superintensivo, cerca de 700 hectares, e não me arrependo de nada. E quero estar aqui mais 300 anos! Repare, no tempo do meu avô, com os DDT, dizimaram-se uma série de animais que viviam ali desde a pré-história, porque as mondas químicas que se faziam eram muito intensas, tínhamos pistas de aviação e fazíamos mondas químicas nos cereais com avião… O que fazemos hoje não tem nada a ver com essa fase, em que tudo se resolvia com químicos. Como tenho lagar, mando para os italianos uma série de amostras dos meus olivais em sebe e também dos de sequeiro e, normalmente, os que eles gostam mais é do olival em sebe e não sabem de onde vêm. A azeitona é sempre mais limpa, porque não chega a tocar no chão e entra muito rapidamente no lagar. O olival em sebe apanha-se muito rapidamente com máquinas e seis horas depois já é azeite, e isso é uma maneira de melhorar a qualidade. Há quem faça uma guerra com os produtos químicos, mas os portugueses têm uma preocupação diferente, estão cá para o longo prazo, os jovens têm preocupações com a relação e equilíbrio com a natureza e eu próprio, todos os anos, utilizo menos químicos no olival, hoje uso menos de 1/3 do que aplicava e a produção continua a aumentar. Nós só utilizamos químicos quando a árvore nos pede e o equilíbrio, ao contrário do que se diz, é muito maior. Dizem que os olivais superintensivos morrem muito cedo, mas tenho a certeza que vou morrer antes dos meus olivais. Desde que se faça todos os anos as podas como deve ser e se aproveitar o material orgânico para o solo…
Mas sobre os olivais em sebe, ainda estamos todos a aprender…
Sem dúvida. E quando há inovação, há sempre imensas críticas, mas estamos profundamente confortáveis com o que estamos a fazer e somos mais preocupados que os críticos com a saúde da nossa terra.
Trabalha, essencialmente, com Arbequina e Arbosana…
E também Koroneiki. São variedades muito conhecidas e aceites no mercado internacional e vendo muito bem para italianos e espanhóis. Vou começar a fazer os primeiros contactos com a China e já vendi a granel para os Estados Unidos.
Esse [EUA] é um mercado que pode vir a ser interessante para nós?
Eu acho que vai ser o grande mercado de futuro. E há uma pressão muito grande dos médicos e da população em geral para produtos saudáveis. Estão muito preocupados com os problemas com a obesidade e descobriram que o azeite é uma gordura saudável. Estão a aparecer algumas plantações em Sacramento, na Califórnia, que o ano passado tive oportunidade de visitar, e há olivais muito bons, não com tanta produtividade como a que temos cá, mas que estão bem feitos, e acho que assim que os americanos começarem a produzir em quantidade, o mercado abre. O mesmo aconteceu com o vinho, quando os americanos começaram a plantar vinha, o mercado aderiu brutalmente e começaram a exportar vinho europeu, familiarizaram-se com um produto novo, passaram a conhecê-lo e a importá-lo de todos os sítios. E no azeite está a acontecer isso, à medida que vão descobrindo que a plantação do olival é uma coisa boa, lá começam a importar mais azeite. Eu tenho esperança de vender mais a granel para lá, vendo indiretamente através de Itália, e temos a vantagem de, nos EUA, uma parte do nosso azeite ser classificado como biológico, porque não encontram os vestígios de pesticidas e pagam mais por isso. Mas são muito rigorosos com a importação de produtos alimentares…
Nestes últimos anos, nunca pensou noutra cultura?
Tenho alguma pressão para fazer amendoal, mas o que sei fazer bem é olival, não quero sair do olival enquanto proporcionar todo este equilíbrio. Sinto-me muito entusiasmado com o azeite, que é um produto bíblico, aliás, somos nós que fornecemos azeite à diocese de Beja e de Lisboa, que transformam em santos óleos.
Aposta claramente na rentabilidade e eficiência. Qual é a sua visão de gestão agrícola?
Como em tudo na vida das empresas, o que é importante é fazer circular rapidamente a informação útil, reportá-la e fazer a correção dos erros que existem. E na agricultura isso ainda tem mais importância, porque se um erro não é detetado logo pode comprometer uma boa parte da produção. Tudo passa por monitorização e comunicação instantânea de toda a informação disponível, ter capacidade de reação e corrigir, para nos preocuparmos só com a qualidade do produto final e para que a eficiência seja utilizada no máximo. O facto de estarmos a ultrapassar os 2000 quilos de azeite por hectare tem a ver com essa afinação constante de report rápido e de mecanismos de correção que permitem ter valores que eram completamente impensáveis. Há 50 anos, ‘tirar’ 50 quilos de azeite num hectare era muito difícil e hoje tiramos 2000, tranquilamente, num olival em sebe. Quando comecei, produzia apenas pouco mais de 1000, praticamente dupliquei sem grande esforço, com as mesmas árvores e menos químicos do que aqueles que os nossos consultores iniciais diziam que era importante colocar.
Baixámos os químicos e regámos melhor, ou seja, regar menos, mas mais vezes, e garantir que a árvore está a receber aquilo que precisa. E há ainda a consolidação do material orgânico na terra. Quando comecei, as terras vinham cansadas de anos de cereais. As análises que fizemos indicavam menos de 1% de material orgânico na terra e hoje temos mais de 2%, crescemos muito em matéria orgânica e é isso que é importante para alimentar a oliveira. Estamos há 15 anos a trabalhar isto. Por outro lado, temos de ser mais drásticos na poda, porque as árvores não podem crescer muito e temos de fazer podas de dois em dois anos, é mais caro, mas não podemos deixar que a árvore comece a ganhar lenha, porque, quando é abanada, se rachar por dentro, a seiva não chega às pontas. Mas, aqui, no olival em sebe, ainda estamos todos a aprender e a poda, para mim, nesta altura, ainda é um enigma que vamos percorrendo… Começamos a fazer umas linhas depois da apanha e cortamos um ramo por cada árvore, o maior e mais grosso, no máximo dois. Assim conseguimos que fique uniforme, não queremos uma sebe de jardim, mas sim que a árvore fique arejada. Este ano tivemos fundas mais altas que no ano passado, produzimos os mesmos quilos de azeitona, mas a funda aumentou brutalmente, tivemos mais rendimento de azeite. Mas não sei explicar porquê, ainda não temos conhecimento total, mas interessa perceber as causas para saber o que temos de fazer. Este ano fizemos quase só adubo sólido, os nossos consultores iniciais diziam-nos que devíamos colocar tudo na fertirrega, mas colocámos adubo sólido uma só vez, felizmente antes de uma grande carga de água. Tivemos sorte, mas também vimos qual era a probabilidade de chover, espalhámos adubo e com a chuva ficou mais distribuído no terreno… Pensamos que possa ter sido isso…
Desenvolveram um sistema interno para monitorizar…
Sim, temos um telemóvel que todos os colaboradores usam. Como o terminal está no trator ou com o colaborador, ao marcar um evento, como uma árvore com folhas amarelas, por exemplo, tiram a foto, carregam, o GPS diz logo onde está a árvore e ficamos com a informação. Esse terminal reporta ao escritório, onde existe uma espécie que cockpit que tenta resolver. A partir daqui, o relógio começa a contar até o assunto ser tratado e, com isto, temos baixado o tempo de correção. Antes disto, cada colaborador tinha um caderno e ao fim do dia relatavam, mas sentimos que era um esforço adicional. Sabemos a velocidade a que as coisas vão sendo feitas, isto leva a um rigor que, no limite, melhora a eficiência e baixa custo de produção. Porque o que queremos é produzir azeite de primeira qualidade, a um preço imbatível. E temos de estar nos melhores do mundo e não tenho dúvida que, nesta altura, estamos a par dos melhores do mundo em termos de custos de produção de quilo de azeite e eu já visitei olivais muito bons, em muitas partes do mundo. Nos Estados Unidos encontrei um olival de um português, com 20 hectares de superintensivo que estava um primor. A terra nem era muito boa, mas era um rigor de linhas, árvores muito bonitas. Mas era ele e a família que tratavam aquilo tudo. Era um olival claramente melhor que o nosso e disse-lhe que era o autor do meu maior pecado: a inveja que tinha do seu olival…
Este ano, aumentámos a área em mais de 100 hectares, vamos chegar aos 700, é um investimento de mais de 5 milhões de euros. Tivemos de comprar terra, esgotámos a nossa. E foi uma proposta da equipa, 40 pessoas, todas da região. Enquanto houver desemprego em Serpa ou na região, preferimos pessoas locais. Estamos ali no longo prazo, queremos criar valor na terra. A plantação está um primor, em termos de custos e da qualidade do olival, e vamos continuar a plantar mais olival, se houver mais oportunidades e se os colaboradores concordarem. Quanto mais fizermos, mais emprego se cria e se pode pagar às pessoas. Temos reinvestido tudo o que ganhamos.
Falou na promoção dos azeites portugueses lá fora. Pensa que pode acontecer o mesmo com o azeite do que aconteceu com a indústria do calçado, ou seja, através do marketing promover a nossa qualidade e ficar taco a taco com os italianos?
Acho que sim, que é possível fazer um trabalho semelhante no azeite, embora seja necessário que o consumidor comece a valorizar a diferença entre azeite de qualidade e azeite de má qualidade. No mundo inteiro, as pessoas olham para o azeite como azeite, ao contrário do vinho, onde vamos a uma loja e a diferença entre o preço mais baixo e o preço mais alto pode ser enorme. No azeite, o consumidor não é capaz de pagar esse prémio, a diferença entre o mais baixo e o melhor é de 1 para o dobro e é muito difícil conseguir colocar o nosso azeite no mundo inteiro com o prémio que ele merece… É um trabalho lento, mas não tenho dúvida que é por aí que vamos caminhar, criar a imagem de que o azeite português é, de facto, ao longo dos séculos, ou dos milénios, dos melhores azeites do mundo e levar a que o consumidor premeie a qualidade e não ponha tudo a monte. O azeite tem uma limitação: quando não é vendido no final de 12 meses perde essa qualidade, ou se é colocado à luz ou com uma temperatura alta, quando o comprador o for comprar transforma-se num azeite banal e o consumidor sente-se defraudado. Ao contrário do vinho, que pode ficar à espera dois anos no gourmet e não perde qualidade. O mercado é muito fininho para se poder colocar um prémio de qualidade, porque em toda a cadeia ainda não há a sensibilidade para saber como se trata o azeite. Não é tão fácil como o calçado, em que a pessoa experimenta, é bom, está disposta a pagar o prémio. O azeite, até chegar ao consumidor, pode perder muita qualidade.
A força do azeite italiano tem muito a ver com a força da sua gastronomia. Com o turismo a aumentar muito em Portugal, pensa que podemos catapultar a nossa gastronomia, que toda a gente adora mas não tem expressão em lado nenhum?
Porque é considerada, agora já não é tanto assim, mas era considerada uma gastronomia um pouco esotérica… No restaurante português, que estava ao lado do tailandês no SoHo, em Nova Iorque, ardiam os chouriços numa taça de barro com álcool… era divertido, mas não saía desse registo de esoterismo… [risos].
E também não há propriamente um prato que nos defina…
Temos pratos muito bons, estamos a percorrer esse caminho e já existem bons restaurantes portugueses. Temos de trabalhar muito o conceito de culinária mediterrânica e à sombra disso, do que é considerado saudável, poder ter também a cozinha portuguesa. Ganhamos todos, se formos por aí. De uma forma geral, não lidamos bem com o marketing. No azeite é o mesmo, temos o melhor azeite do mundo, apreciamos, partilhamos, mas não fazemos o marketing que precisávamos de fazer para explicar ao mundo inteiro que temos produtos espetaculares, como os queijos e azeites, e os vinhos. E quando se consegue é muito por mérito de pequenos e grandes empresários, que lutam muito por marcar presença no mundo, é um povo de heróis. Um agricultor tem esta coisa notável que é ser resiliente. Quantas pessoas, que tivessem apanhado a tareia das ocupações do 25 de abril, teriam continuado na agricultura? Estou na Olivum e tenho muito orgulho naquela gente toda, muito empenhada e que faz por paixão, e que passa anos quase sem ganhar dinheiro e com grandes sacrifícios, mas não sai dali. É muito bonito ver este povo herói de agricultores, que foram tão traumatizados nos últimos 40 anos e que voltam de novo, desta vez com uma geração mais preparada, mas que não desiste, cria valor e é muito patriota. Em Espanha, somos uma referência no olival e os espanhóis, neste momento, dizem “vejam o que eles estão a fazer”.
Para onde quer levar a Herdade Maria da Guarda, a médio/longo prazo?
Quero continuar a ser eficiente. Se daqui a 50 anos a eficiência não for no olival, por uma razão qualquer, que não acredito, quero que quem quer que assuma a Herdade tenha mérito em ser o gestor das propriedades, não deve ser necessariamente um membro da família. Hoje em dia sou dono, mas tenho gestores que cresceram na propriedade e que a sabem gerir, tem de existir meritocracia, não sei se serão os meus filhos a trabalhar lá…
Os seus filhos gostam de agricultura?
Adoram, fazem muitas perguntas.
Veja lá se não vão para jornalistas [risos]!
Curiosamente, o meu mais velho está a trabalhar em jornalismo fora de Portugal. Mas diz-me que um dia, tal como o pai, também acaba na agricultura…