O holandês Frans Elderink escolheu o Alentejo, em 1998, para criar a sua vacaria e produzir leite de qualidade. Começou com 100 vacas e hoje tem 1.000 cuidando atentamente da sua alimentação e bem-estar. Em 2016, considerando que a “matéria-prima não estava a ser devidamente valorizada” Frans e a mulher, Dulce Elderink, decidiram avançar para a transformação, alugando uma queijaria e criando uma marca: a TiPiace.
Ao fim de 17 anos a produzir leite na sua vacaria, Frans Joseph Elderink e a mulher Dulce Elderink decidiram apostar também na transformação para valorizar um produto que tem vindo a perder rentabilidade e no final do ano passado criaram a marca TiPiace para a produção de ‘petiscos’ gourmet, com base em queijo creme.
O empresário agrícola conta à VIDA RURAL que “o nosso objetivo com este projeto foi, em primeiro lugar, valorizar o leite que produzimos na vacaria, pois consideramos que a nossa matéria-prima não é valorizada da devida maneira”.
Começaram a trabalhar no projeto em meados do ano passado, com a criação da empresa Lacticínios Elderink (até aí a vacaria era empresa em nome individual de Frans Elderink) e a marca TiPiace, para um target médio/alto.
“Como conhecíamos muitas queijarias com quem trabalhamos há muito anos, principalmente na freguesia de Rio de Moinhos, Borba, decidimos alugar uma, para reduzir o risco e o investimento”, diz-nos o produtor, acrescentando que “para a parte técnica tivemos a ajuda de um holandês e começámos em dezembro a fazer massa de queijo, isto é queijo creme, vendido como pérolas de queijo e pimentinhos picantes recheados”. Este último continua a ser o produto com mais sucesso da TiPiace, cujo queijo tem um baixo ph e um reduzido nível de lactose.
Queijo creme é a base
Frans Elderink explica que “começámos por transformar 300 litros de leite, que dá 60 quilos de queijo (a capacidade da panela de pasteurização de que dispõem] no primeiro mês e agora fazemos isso por semana” e foram alargando a gama, tendo hoje ameixas, cogumelos, tâmaras, figos e azeitonas. Tudo recheado com queijo e conservado em óleo de girassol, com uma validade de 45 dias, desde que refrigerado (na queijaria está numa câmara de frio a 8°), e que é comercializado em embalagens de 100gr, 125gr (frasco) e 500gr.

A empresa produz ameixas, azeitonas, cogumelos, figos, pimentos e tâmaras recheadas com queijo creme
“Não foi fácil encontrar fornecedores que garantam o calibre e fornecimento durante todo o ano, mas encontrámos uma empresa em Évora que se tem mostrado muito dinâmica e que compra a vários produtores que garantem o fornecimento nas condições que exigimos”, afirma.
Têm dois comerciais, um a tempo inteiro, que também faz entregas, e outro em parceria, que asseguram as vendas, mas o casal Elderink também se tem desdobrado em contactos, apresentações e degustações para divulgar os seus produtos. A aposta tem sido essencialmente no canal HoReCa da região, bem como na distribuição também local, mas “já estamos a alargar a comercialização, produzimos por encomenda, com entrega em dois dias e já entregamos ate Lisboa. Vamos estar também no Pão de Açúcar das Amoreiras, já estamos no Intermarché de Montemor-o-Novo e vamos começar no da Malveira e estamos a negociar com a Auchan para entrar no Jumbo”, afirma o produtor.
Para o futuro, Frans Elderink está já a pensar “noutra marca para produtos de mais volume e maior consumo, mas queremos implantar primeiro os produtos TiPiace e depois logo veremos”.
Da Holanda para o Alentejo
Em 1998 o holandês, então com 27 anos, chegou a Portugal à procura de um local para realizar o sonho de seguir a tradição de família e ter uma vacaria. “Na Holanda a família tinha terras e engorda de animais, mas não era um negócio para continuar, e o irmão tinha uma vacaria”, conta-nos Dulce Elderink. Frans estudou e fez um estágio nos Estados Unidos e sem muitas perspetivas no seu país natal começou a procurar um local para iniciar o seu negócio, tendo falado com alguns holandeses já estabelecidos no Alentejo veio ver. Encontrou a Herdade das Pedras, com 190 hectares, em Santa Susana, Redondo, e comprou-a.
“As primeiras 100 vacas, da raça Frísia Holstein, vieram da Holanda e algumas também da Alemanha”, diz o produtor “e vivi ali no primeiro pavilhão ao lado das vacas, onde é hoje o escritório, durante um ano e meio”.
Em 2000 conheceu Dulce Elderink, mãe da sua filha adotiva e dos quatro biológicos. “A menina vivia com os avós numa casita ali ao fundo e passava aqui todos os dias”, lembra Dulce, “acabou por ficar connosco, tinha 11 anos, hoje tem 25. Fui mãe antes de ser mãe, quando nasceram os nossos já tínhamos treino”, diz sorrindo. A casa foi crescendo com a família, a par da vacaria que hoje tem cerca de 1.000 animais, rondando as 500 vacas em produção e 13 colaboradores permanentes e mais quatro na queijaria, em Rio de Moinhos, Borba, a que se junta ainda o casal.
Sempre a crescer
Com recurso a fundos europeus, e sempre apostando em regras de bem-estar animal, algumas que Frans Elderink já tinha visto no seu estágio nos EUA, “a vaca produz mais leite quando é bem tratada”, salienta o agricultor, que se preocupa também sustentabilidade ambiental.
Foram sendo construídos pavilhões cada vez mais modernos, com sistema de flushing – cujo chão tem uma ligeira inclinação e que permite a limpeza da zona suja com um botão que aciona uma descarga de água – e com equipamentos como ventiladores e chuveiros “que se ligam automaticamente aos 27 graus, porque há estudos que dizem que a partir dessa temperatura os animais podem entrar em stress térmico”, explica Frans Elderink.
As construções têm vindo a ser cada vez mais abertas porque “o problema é o calor, as vacas dão-se bem com o frio” salienta o agricultor, “temos seguido as indicações do nosso nutricionista e consultor”, o espanhol Juan Jose Vizuete, da Dairy Consultancy, que acompanha algumas das melhoras vacarias europeias, segundo nos diz o empresário holandês.
“O acompanhamento veterinário é feito pela empresa Diessen – Servicos Veterinários, trabalhando o Sr. Juan Vizuete em sintonia com a nossa equipa de veterinários”, adianta.
Dulce Elderink mostra-nos a evolução do pavilhão mais antigo para o mais moderno “sem paredes laterais, e já tirámos algumas dos mais antigos, e mais altos para o ar circular melhor”.

Alimentação é feita na herdade
Frans Elderink explica também que as camas das vacas “a partir dos seis meses, são de areia, porque temos a indicação que é melhor, a areia é inorgânica, não desenvolve microrganismos e elas preferem. Nós fizemos a experiência: colocámos palha e areia e elas escolhiam sempre a areia”. A mulher refere que “a areia é ‘penteada’ todos os dias com uma máquina que tem um ancinho acoplado para arejar e não ficar dura e é acrescentada todas as semanas”.
Produzem na herdade azevém e triticale ou aveia e milho em cerca de 180 hectares, “mas como temos pouca água, porque somos os últimos a receber a água da barragem da Vigia, de onde bombamos para uma charca porque não tem pressão, e este ano choveu muito pouco não conseguimos fazer tanto como habitualmente”, conta Dulce adiantando que também arrendam alguns terrenos e para a produção principalmente de milho e compram ainda a outros produtores, “compramos ainda no campo”.
Por conselho do nutricionista, “adquirimos um moinho e, além dos minerais e melaço, compramos tudo em grão (soja, milho, etc.) e moemos aqui. Sai mais caro mas garantimos uma melhor qualidade”, assegura Frans Elderink. “E comprámos também o ‘rotomix’ que faz depois as misturas de acordo com as indicações do consultor”, acrescenta a mulher.
Fazem também silagem de palha e milho, tendo o casal apostado recentemente na construção de dois silos de cimento para melhor acondicionamento da silagem. “E a forragem para ensilagem é aconselhada anualmente pelo consultor, que também nos diz como vamos cortar e triturar”, explica Frans Elderink.
“A alimentação dos animais é feita de acordo com o seu estado ou necessidades, não têm todas a mesma alimentação, variando consoante os grupos”, afirma o agricultor.
Reprodução e genética apuradas
A vacaria de Frans e Dulce Elderink usa “sémen sexado e genómico, nas novilhas e primeiras barrigas, porque tem 90% de probabilidade de gerar fêmeas e devido aos testes de ADN feitos anteriormente, garante uma genética superior e boa descendência”, explica a produtora, adiantando que “temos já filhas de touros desse sémen genómico e que estão a provar essa boa descendência com muito boas produções de leite”.
A empresa R. Amorim & Cª, Lda, é responsável pelo melhoramento genético da vacaria nos últimos dez anos, com a produção da Herdade das Pedras a rondar atualmente os 20 mil litros de leite por dia, com uma média de 41 litros por vaca, sendo que há algumas ‘estrelas’ que produzem 60lt e até 100lt.
Os machos são vendidos para engorda bem como as fêmeas que atingem o limite de produção (com cerca de seis anos) ou se mostram défice de produção. “Mais recentemente devido ao melhoramento genético, também já vendemos algumas fêmeas a outros produtores”, diz Dulce Elderink.
Quando nascem as fêmeas são separadas dos machos e todos os animais recebem o colostro que é pasteurizado na herdade. As vitelas são alimentadas através de um sistema tecnológico, onde uma máquina faz a leitura do código de um brinco (cada animal tem um código de identificação), recebendo a dose de leite nas quantidades necessárias para cada uma. As fêmeas são inseminadas com cerca de 14 meses de idade, ocorrendo o primeiro parto com 23 meses. Durante o seu período de vida as vacas podem ter entre cinco a seis partos.
As vacas secas e as novilhas prenhes e andam a campo, “pelo que fazem exercício e têm muito poucos problemas com os partos”, refere Frans Elderink.
Poucas mastites e doenças
Ao longo dos 17 anos de existência a vacaria tem tido sempre níveis elevados de sanidade e uma taxa reduzida de mastites, porque “implementamos um programa de qualidade do leite e hoje os colaboradores já sabem perfeitamente qual o protocolo de ordenha: usam luvas, fazem pré e pós dipping e tiram sempre um pouco de leite para amostra e análise visual e se notam algo fora do normal é separado e vai para análise”, assegura o agricultor, adiantando que “toda a água também é desinfetada”.
A sala de ordenha funciona 20 horas, uma vez que os animais são ordenhados três vezes por dia (às 6h, 14h e 22h), trabalhando os colaboradores por turnos.
Apesar de todos os cuidados, a vacaria teve um surto de brucelose em 2005, “que apanhou as vacas secas e as novilhas que andavam a campo, e contagiou até o meu marido e colaboradores nossos. A herdade está vedada, mas passavam alguns pequenos animais, como raposas e javalis, e pensa-se que o contágio terá vindo deles. Tivemos de abater todo o efetivo e fazer vazio sanitário”. O prejuízo foi enorme, mesmo com os apoios à compra de animais que rondavam os 30 a 40%. A vedação foi reforçada e os animais continuam a andar a campo
Queijarias locais são a prioridade
Os colaboradores da herdade trabalham na vacaria e no campo, embora haja um que trabalha apenas na manutenção das máquinas e outro que “faz a entrega do leite nas queijarias da região, com quem trabalhamos há muitos anos. Anteriormente eram eles que vinham buscar mas, para garantir a qualidade e gerirmos melhor o escoamento, decidimos comprar dois camiões cisterna refrigerados e fazemos nós as entregas a estas empresas”, diz Dulce Elderink, frisando que “a grande maioria da nossa produção é vendida à Lacticoop, que vem buscar o leite”. A recolha não é sempre nos mesmos dias e com a mesma frequência “nós entregamos um planeamento com as expetativas de produção de acordo com as alturas do ano e de animais que temos em produção e eles organizam a recolha”.
Ler o artigo na íntegra na edição de maio de 2017 da revista VIDA RURAL