Quantcast
 

À procura de culturas alternativas

Depois dos horto-industriais, os produtores ribatejanos começam a apostar em novas culturas. Milho doce e beterraba para consumo são algumas das ideias para futuro, já em fase de experiência. Gonçalo Escudeiro, director da organização de produtores Torriba, explica por onde passa o futuro da produção agrícola ribatejana com a convicção de que é competitiva no espaço europeu. Falta apenas ‘igualdade de circunstâncias’…

Estão a começar a investir em produtos hortícolas para consumo em fresco, depois de muitos anos a trabalhar com horto-industriais…

Surgiu esta necessidade por parte do mercado e quisemos dar resposta. Mas trabalhar estes produtos obriga a ter condições para a centralização da produção, preparação e normalização. Por isso investimos numa nova central que está já equipada para podermos começar a responder ao mercado de frescos. Foi um investimento de cerca de 800?000 euros…

 

Os produtos horto-industriais vivem muito de contratos, no início da campanha já estão definidas quantidades e preços. Pretendem contratar estes produtos frescos directamente com a grande distribuição?

Iremos ter duas situações, ou seja, contratos directos com a grande distribuição, que já fazemos no caso do tomate toberry [tomate morango] e venda a grossistas, nomeadamente para o estrangeiro.

 

Que produtos exportam?

Batata para consumo e para indústria. Sobretudo para Espanha no produto industrial e para Alemanha, Holanda e França, em fresco…

 

A exportação já representa uma fatia grande das vendas?

Cerca de 20% da facturação na batata. Mas a ideia é crescer. Trabalhamos com produtos específicos e diferenciados e colocamo-los numa época do ano muito interessante para os mercados que estamos a abastecer.

 

Está a ser um ano complicado para os produtores hortícolas, com dificuldades em entrar na terra. Como é que estão a remediar esta situação?

Estamos muito preocupados. Queremos salvaguardar o interesse do produtor tentando ir ao encontro dos nossos clientes, é a única forma de nos mantermos no mercado. Neste momento a situação está muito complicada, até porque tivemos um mês de Dezembro difícil, já com bastante chuva, que se manteve nos meses seguintes até final de Março. Em Abril conseguimos trabalhar cerca de oito dias e começou a chover novamente. Quando estávamos a começar a instalar as culturas de Primavera/Verão tudo voltou a complicar-se. As instalações estão muito atrasadas, o que cria dificuldades, porque tivemos a preocupação de escalonar as culturas de forma a coincidir com a capacidade de transformação dos nossos clientes e todo o programa está comprometido porque não se consegue entrar na terra. Isto vai obrigar a uma maior concentração do processo de colheita. O período forte de instalação decorre entre a primeira semana de Abril e a última de Maio, mas neste momento estão comprometidas três semanas de Abril, o que vai obrigar a reforçar os trabalhos em Maio, de forma a ter tudo instalado até 10 de Junho, com riscos acrescidos nas colheitas que decorrem entre o final de Setembro e o início de Outubro.

 

No caso do tomate de indústria, corre-se o risco de concentrar a colheita e precipitar problemas na fábrica…

O que vai acontecer é que no início de Agosto haverá pouco tomate e no início de Setembro a quantidade será maior que o normal… Isto para tentar atingir os objectivos propostos pelos nossos clientes em termos de volume de produção.

Até agora assistimos a um aumento da capacidade de transformação da indústria, o que nos têm permido fazer campanhas mais curtas e com menor risco.

 

Prevê um decréscimo da produção?

Temos tido a preocupação de não falhar com os nossos clientes. Toda a área que ficou de alguma maneira comprometida tem sido semeada novamente à primeira oportunidade, de forma a não faltar produto no cliente. É um ano difícil, sobretudo para a ervilha, dado que o escalonamento foi comprometido e algumas áreas não foram instaladas. É um ano difícil também fruto da crise que todos os sectores estão a sentir, com redução de consumo em produtos como a ervilha, batata e tomate para indústria, onde houve excesso e acumulação de stocks. Felizmente para o tomate de indústria esta situação resulta de um ano de produção excepcional e não de uma crise de mercado. Ou seja, o consumo está a aumentar e o sector não está em crise. Nos outros produtos houve redução de consumo e redução de preços, obrigando a redução de áreas. E temos duas situações que nos dificultam muito: os custos de produção a aumentar e uma base de preços que não faz face aos factores de produção. Se a isto somarmos as condições climatéricas, ficamos numa situação extremamente difícil, porque estamos a preparar terras sem as condições ideais e isto pode comprometer as bases de contratação estabelecidas. As margens reduzem-se e os produtores não têm condições para suportar riscos.

É fundamental que haja maior atenção por parte das entidades responsáveis em salvaguardar o produtor face aos riscos que está hoje a correr. Neste momento não está minimamente salvaguardado.

 

Sempre que há um ano difícil os agricultores queixam-se da inércia dos seguros agrícolas…

Dou-lhe um exemplo. Fazemos parte da FNOP [Federação Nacional de Organizações de Produtores] e esta federação, em conjunto com o Ministério da Agricultura, conseguiu há cerca de quatro anos incluir no SIPAC [Sistema Integrado contra Aleatoridades Climáticas] as chuvas persistentes. Isto era muito importante para nós, dado que é um dos principais riscos da actividade, ou seja, ter os investimentos feitos e não conseguir colher os produtos, que são perecíveis e perdem qualidade. Nesta situação estamos completamente desapoiados. E as companhias de seguros negam-se literalmente a cobrir chuvas persistentes. Isto não acontece em Espanha ou em França… Costumo dizer que os nossos produtores são extremamente competitivos em igualdade de circunstâncias. Mas não podemos ter custos de contexto que nos ponham em situação completamente desalinhada com os restantes produtores da Europa, seja pelas ajudas dadas localmente ou pela legislação que salvaguarde o produtor, nomeadamente na questão do seguro de colheitas.

 

Como é que se explica esta resistência das nossas seguradoras em fazer seguros agrícolas?

O mau documento que temos em termos de legislação não serve os produtores nem as próprias companhias. É importante que Ministério, companhias e produtores se sentem à mesma mesa de forma a que se chegue a uma boa legislação…

 

Andamos a falar nisso há anos…

Sim… estamos há anos nesta problemática e não se vê evolução… a única abertura foi a que já referi, com a inclusão das chuvas persistentes no SIPAC, que foi imediatamente chumbada pelas companhias… E se há cinco anos atrás 40% dos produtores faziam seguros de colheitas, neste momento esse número é de 5%. O retrocesso é enorme, e o risco também.

 

Nada indica que se possa reformular? O actual ministro já falou nisso…

Sentimos abertura deste novo Governo para reorganizar o sistema de seguros de colheita e fazê-lo aproximar-se da realidade de Espanha, França e Itália. Estamos esperançados que seja agora que este processo venha a ter a evolução que o sector merece.

Trabalhamos com margens pequenas, por isso o sector tem de estar minimamente defendido. Com a dimensão e o profissionalismo que nos é exigido, se não temos respostas a este nível, com seguros de colheitas e de rendimentos, corremos o risco de, perante um ou dois maus anos sucessivos, ver todo o ciclo produtivo comprometido.

 

Outra dificuldade prende-se com a homologação de agroquímicos para esta área…

Sim, era importante que o processo futuro fosse célere. E que se possam homologar produtos ao mesmo tempo em Espanha, França e Portugal.

 

A redução de substâncias autorizadas deixou culturas sem cobertura?

Sem dúvida que sim. Já era uma área com muitas lacunas e com a retirada de substâncias activas necessitamos que surjam novas e que venham a ser autorizadas em Portugal. A identificação das lacunas está feita por parte das organizações de produtores, reunimos todos os técnicos das grandes áreas de produtos hortícolas, sejam de usos menores ou maiores, houve uma preocupação de identificar produto a produto o que falta.

À semelhança dos seguros e dos apoios locais, não podemos estar numa condição diferente dos restantes países da Europa. Não exigimos condições especiais, apenas iguais.

E temos de ter noção que o nosso mercado é pequeno, por isso temos de promover junto das empresas de agroquímicos o interesse destas virem a Portugal apresentar as suas moléculas. Temos de ter sensibilidade para perceber que é importante sermos nós a mobilizar as empresas, porque o nosso mercado não é tão atractivo como o espanhol ou italiano.

 

A reforma da OCM dos hortofrutícolas veio trazer o desligamento de metade das ajudas ao tomate para indústria. Que reflexo teve esta medida na produção?

Penso que o balanço foi positivo. Os mercados reagiram em alta, felizmente. Isso foi muito importante para os produtores que viram valorizada a sua produção e puderam de alguma maneira reorganizar a sua actividade. Quem sentiu que não tinha condições para continuar nesta actividade pôde reformar a sua estratégia e iniciar outro tipo de produção…

 

Não houve quebras de produção?

banner APP

Não, pelo contrário, foram os anos de maior produção em área e produtividade.

O que veio desequilibrar um pouco os mercados são duas realidades que estão distantes de nós mas que interferem no nosso panorama: os Estados Unidos (Califórnia) e a China como a região emergente.

Temos noção que a crise dos cereais influenciou bastante as decisões dos produtores que muitas vezes, na dúvida, optam pelos hortícolas…

Vamos ter um desligamento total em 2011, é importante que o excesso no mercado seja consumido e que as próximas duas campanhas corram bem, caso contrário pode provocar uma situação mais delicada quando olharmos para o futuro. O desligamento deve acompanhar uma evolução positiva no preço, é impensável produzir aos preços em que estávamos em 2006 e 2007. É expectável que o mercado reaja face ao desligamento total. Mas não tenho dúvidas que podemos ser competitivos dentro do espaço da União Europeia…

 

Como é que tem estado a correr esta relação com a indústria?

É muito importante para o produtor ter as culturas contratadas. E também para o cliente e para o mercado. Para nós é uma garantia de que à partida tudo o que se está a instalar é feito com um propósito, com uma intenção de transformar. É fundamental que se instale de acordo com essas necessidades, até porque os preços são estabelecidos no início da campanha…

 

Tem existido evolução neste tipo de contratos? Há indexação ao mercado mundial ou são médias ponderadas da campanha anterior?

Há realmente uma indexação de preços ao mercado. Temos um período de contratação que termina no mês de Fevereiro, período que pensamos que é tardio, o ideal seria o mês de Dezembro. Por questões regulamentares Espanha e Itália definiram 15 de Fevereiro como a data de contratação, e não podemos contratar em épocas diferentes das deles, porque estes países são uma referência no nosso mercado.

 

E como estão as relações com a distribuição?

Aqui na Torriba não temos muita experiência de trabalho com retalhistas. O que sentimos é que são mercados importantes, tendo em consideração que os hábitos dos consumidores estão a mudar todos os dias. Estes grupos têm investido numa aproximação ao consumidor e são muito importantes para a produção hortícola.

Acho que há franjas de produção que ainda não estão suficientemente bem exploradas. O que temos verificado é que a própria relação de contratualização entre a distribuição e o mercado de produção tem vindo a alterar-se recentemente, mas ainda não temos essa experiência…

 

A alterar-se de que forma?

Tem havido uma expectativa, por parte da distribuição, em fixar preços junto da produção de forma a aproximar-se da realidade do processo de contratação horto-industrial.

Cada produto é uma realidade e no sector hortícola cada área de produto tem uma particularidade. O processo de contratação do tomate morango é diferente da realidade da contratação da batata ou de outro hortícola.

 

Há 10 anos ninguém fazia batata e cebola para indústria no Ribatejo, mas hoje são culturas muito importantes. Que novas oportunidades culturais existem para os produtores da região?

É fundamental procurar alternativas, tendo em consideração as condições edafoclimáticas da região. As organizações de produtores têm um papel muito importante na criação de alternativas para o regadio do Ribatejo e do Alentejo. Penso que ainda há espaço para o tomate de indústria crescer. Isso tem acontecido e tem sido acompanhado por investimentos sérios por parte da indústria…

 

O tomate está a crescer em detrimento da área de milho?

De milho e de trigo… Mas sem dúvida que há espaço… ficámos sem beterraba sacarina recentemente e todas estas áreas que vão deixando de ser interessantes do ponto de vista da produção têm de encontrar alternativas interessantes…

 

A beterraba foi substituída pelo tomate?

Sim, em parte, daí o nosso interesse pelo crescimento da indústria na região. No entanto há também uma área importante que é a indústria de congelados. Não tenho dúvidas que tem um papel muito interessante da região. A ervilha, por exemplo, é um dos horto-industriais de frio que mais se consome em Portugal. É importante que aquilo que se consome seja produzido em Portugal. São culturas onde temos condições para abastecer o mercado nacional e para exportar, caso do pimento, uma cultura com condições ímpares de produção no nosso país.

 

Mas vê novas oportunidades, há experiências com outras culturas?

Sim, já fizemos experiências com milho doce e com beterraba de mesa. São culturas que têm potencial e estão mecanizadas. Face à realidade agrícola do Ribatejo, permitem-nos sonhar que serão importantes… será uma óptica mista de horto-industrial com mercado de fresco. A cenoura também tem muito potencial no mercado de exportação, bem como a batata, com variedades específicas e diferentes. Há uma grande proximidade do retalho alemão e holandês, as cadeias deslocam-se aos nossos campos e pedem­-nos diferentes produtos, com características apropriadas para determinados pratos culinários. Há uma maior aproximação do produto logo no campo.

O tomate toberry, por exemplo, é uma inovação e tem estado a ser desenvolvido pela Torriba. O consumidor quer coisas novas, quer ser atraído na prateleira e quer produtos diferentes. Isso é muito importante, é uma tendência.

 

Com excepção do tomate para indústria nenhuma outra hortícola tem uma ajuda associada. Como é que os produtores de hortícolas encaram a nova PAC e a intenção de remunerar a actividade agrícola como ‘bens públicos’?

A Europa tem de ser suficientemente inteligente para poder exigir com uma mão e dar com a outra as devidas contrapartidas. Isto quer dizer que os produtores desta região vão ter que respeitar um conjunto de regras, as chamadas boas práticas agrícolas, extremamente exigentes. Isto a nível do controlo da rega, dos nitratos, dos agroquímicos, da rastreabilidade obrigatória das culturas… Aquilo que antes era impensável solicitar à produção hoje é obrigatório. O consumidor europeu está hoje muito defendido em termos de segurança alimentar. Mas, face a estas regras, temos de promover o produto europeu junto do consumidor, temos de lhe de explicar o que está a comer. Se exigem estas regras, como é possível pegar numa lata de concentrado de tomate ou de ervilhas e não saber se estamos a comer um produto produzido na Ásia ou na Europa?

 

A ‘origem’ já é obrigatória em muitos produtos…

Nos frescos, no leite e há expectativa no azeite… mas os produtores de horto-industriais vêm na origem uma questão essencial. Tem de passar a constar no produto. •

 

 

 

Torriba 

Profissionais de hortícolas 

 

Nascida em 1997, esta organização de produtores de hortofrutícolas da região ribatejana iniciou a sua actividade com 57 agricultores de tomate de indústria.

Em 2000, já com cerca de 100 associados, iniciaram a diversificação para outras culturas, caso da ervilha para indústria e batata para consumo. No mesmo ano formaram um agrupamento de produtores de batata dentro da Torriba, uma opção justificada pelo facto de a batata não fazer parte da OCM (Organização Comum de Mercado) das hortofrutícolas.

Com forma jurídica de sociedade anónima (os sócios são accionistas e donos da empresa), a Torriba conta actualmente com 110 associados que produzem tomate de indústria, que continua a ser o core desta organização, batata para indústria e consumo, cenoura para consumo, brócolos para indústria, curgetes, beringela e pimento para indústria. O mercado dos frescos é a próxima aposta, bem como a produção de meloa, uma frutícola que farão em 2010 pela primeira vez.

A Torriba já transacciona cerca de 300?000 toneladas que representam uma facturação anual de 25 milhões de euros.

As novas instalações, em Convento da Serra, implicaram um investimento de cerca de 800?000€ em equipamentos, um projecto no âmbito da COM que deve ascender ao milhão de euros na fase de conclusão.