O Programa Carne Angus, que a Associação de Criadores Aberdeen-Angus Portugal (AAP) estabeleceu com o Pingo Doce em 2012, tem sido o grande impulsionador da raça no nosso país, atingindo no primeiro trimestre de 2015 “uma média de 250 cabeças abatidas semanalmente, a nível nacional”. Mas também há vários produtores a vender para outros canais, uma vez que “a carne Angus é muito valorizada em todo o mundo, sendo considerada um produto quase gourmet”, diz o produtor Luís Tavares da Silva. Todavia, “desde que o projeto Carne Angus está em vigor, o valor médio da mais-valia é de 15%”, adianta o produtor da Herdade das Silveiras (Silveiras, Montemor-o-Novo).
A título de exemplo, o também membro da direção da AAP refere que “o preço de mercado da carcaça de novilho de Cruzado Carne, em junho, estava em €3,65/Kg – um preço historicamente baixo –, enquanto a carcaça de Cruzado Aberdeen-Angus se situou em €4,40/Kg”.
O produtor adianta que “a marca Angus é mundial e muito forte, pelo que há outras cadeias nacionais e estrangeiras na nossa Angus, só que a carne que temos, neste momento, em Portugal não chega”, pelo que são necessários mais criadores para aumentar a produção.
A AAP tem 109 associados, mais 64 aderentes ao livro genealógico e o programa com o Pingo Doce tem 59 produtores inscritos. Em termos de produção, no primeiro semestre deste ano nasceram 417 animais puros Aberdeen-Angus e 5.453 animais cruzados Aberdeen-Angus (número estimado pela associação com base nas alterações de código de raça efetuadas).
O rótulo de certificação para o Programa Carne Angus é controlado pela Associação, que tem sede nos Açores onde há muitos criadores da raça, e contém os selos da Certis e do Ministério da Agricultura e do Mar.
Seguindo o que se faz em quase todo o mundo (exceto na Nova Zelândia, que só aceita animais puros), o caderno de encargos da Carne Angus certificada em Portugal exige um mínimo de 50% de genética da raça.
Reprodutores com procura
Luís Tavares da Silva gere a exploração de 800 hectares, que está na família (pai, mãe e irmãs) desde 1984, e explica à VIDA RURAL que a decisão de apostar na criação de animais Aberdeen-Angus, em janeiro de 2011, se deveu à valorização que a raça tem, mas também à facilidade de maneio devida à sua mansidão. Esta é também uma raça mocha (sem cornos), o que ajuda ainda mais à mansidão.
O produtor mantém sempre um núcleo puro “para venda de reprodutores”, uma vez que a procura continua elevada, e tem uma vacada cruzada, que já havia na propriedade, colocando nela os touros Angus que importou da Irlanda em 2011 e “também alguns já nascidos na herdade” e dirigindo para o Programa Carne Angus a totalidade da produção dessa vacada. “Temos oito touros, 100 vacas puras mães e 170 cruzadas de Charolês e Limousine e descendência de Alentejana e Negra Ibérica”, informa.
O responsável afirma que “tem havido bastante interesse na raça, mas há mais procura que oferta, principalmente de fêmeas, que são vendidas antes de desmamar, e os machos têm sido comprados essencialmente por pessoas que querem aderir ao Programa ou então para resolver problemas das primíparas”. As novilhas de primeira barriga têm, por vezes, problemas nos partos e ao serem cruzadas com Angus os partos ficam mais fáceis porque os animais são mais pequenos à nascença, embora depois cresçam rapidamente. “O peso médio dos novilhos Angus ao nascimento é de 34/38Kg nos machos e 32/37Kg nas fêmeas, sendo menor que na maioria das raças”, refere Luís Tavares da Silva.
O produtor reconhece que, a prazo, o interesse em reprodutores em Portugal irá certamente baixar, mas “como Espanha está mais atrasada do que nós na criação da Aberdeen-Angus, há muita procura, pelo que já exportei algumas mães de raça pura e espero que ainda venda mais reprodutores para lá nos próximos anos”. Por agora, tem tido clientes satisfeitos, que voltam para comprar mais animais, “o que é muito bom”.
Produção extensiva
A produção de bovinos na Herdade das Silveiras é totalmente extensiva: “os animais permanecem sempre no campo”, explica o criador, salientando que “faço o maneio reprodutivo através de monta natural, colocando os touros com as vacas (que estão separadas pelas que têm e não têm vitelos), de forma a que os nascimentos ocorram entre outubro e março”. Depois do período de cobrição os touros ficam algum tempo nos currais e são suplementados, porque devido ao esforço baixam de condição corporal. Também os vitelos são suplementados, mas os vitelos têm comedouros seletivos onde só eles entram.
A propriedade é totalmente de sequeiro (tendo apenas algumas barragens para o gado beber) e está ocupada em 90% por montado de sobro, havendo também uma parte de azinho, e o restante é utilizado para produção de fenos e fenosilagem (foragem semeada – Speedmix e Avex da Fertiprado). “Faço um primeiro corte em fevereiro para fenosilagem e o segundo para feno”, diz Luís Tavares da Silva, frisando que “as vacas mães nunca comem alimentação concentrada, no máximo são suplementadas com silagem de milho, se for necessário”. O que este ano é quase certo uma vez que choveu muito pouco no inverno e na primavera. “O mês de março foi o mais seco desde que há registos e o de maio foi o pior dos últimos dez anos”, lamenta o produtor, salientando que “isto significa um mês a menos de comida”. No entanto, Luís Tavares da Silva está a contar com os 300 hectares de pastagens permanentes biodiversas e os prados permanentes de sequeiro que tem na herdade – “AC 600 da Fertiprado para terras com alguma acidez e zonas de 600 mm de pluviosidade”, explica.
Raça com muito potencial
A Angus-Aberdeen tem uma boa produção de leite, pelo que os vitelos crescem rapidamente atingindo um bom peso ao desmame, e a taxa de sobrevivência é elevada. “Este ano tive uma taxa de 92% de desmame”, conta Luís Tavares da Silva.
“A raça Angus dá bastante tranquilidade, pois são vacas muito férteis e com intervalos muito curtos entre partos, ou seja menos de um ano, porque a tendência é parirem cedo”, refere o produtor, lembrando que na nova PAC o apoio à vaca aleitante só é dado se o intervalo entre partos for inferior a 18 meses. No maneio que faz na Herdade das Silveiras, “os vitelos são desmamados com seis meses e meio e tenho seis meses de parições. Faço três desmames por ano: a primeira em outubro/novembro, a segunda em dezembro/janeiro e a terceira em fevereiro/março”.
A vaca Aberdeen-Angus ajusta-se à criação em linha pura, mas também é muito usada em explorações de carne, como vaca aleitante, cruzada com outras raças. Estas características, bem como o facto de ser um animal com grande longevidade, confere-lhe uma elevada rentabilidade.
O criador de Montemor-o-Novo diz-nos que “tento não ter vacas de mais de 12 anos e vendo as vacas de refugo também para carne, porque a carne da vaca adulta ainda é melhor do que a da novilha, tem é de estar gorda e a carne passar por um período de cerca de 40 dias de maturação em câmara de frio entre os 0° e os 3°, por isso consigo vender cada vaca a cerca de 2.000€”. Vende para um operador que fornece o canal HoReCa.
Maturação da carne é fundamental

E Luís Tavares da Silva lamenta: “em Portugal come-se a pior carne porque não se faz a sua maturação corretamente. Este processo custa dinheiro, devido ao aluguer das câmaras de frio e porque o animal perde peso, mas é fundamental para o sabor e tenrura da carne. Nos bovinos o rigor mortis ocorre entre as 18h e as 36h e, muitas vezes os animais seguem para consumo nesse período, por isso a carne é rija”.
No Programa Carne Angus, está especificado que tem de haver um mínimo de sete dias de maturação e o produtor diz que “como todos os abates do Continente são feitos no matadouro de Santarém e a desmancha numa empresa do mesmo grupo em Torres Novas, até as peças chegarem à Azambuja à central de distribuição do Pingo Doce, nunca são menos de dez dias”.
Os touros adultos podem viver até aos 10/12 anos, “se não tiverem acidentes” e atingem um peso médio de 1.200Kg. A pelagem de cor preta é claramente dominante na raça, por isso os Red Angus são mais valorizados.
Nos métodos reprodutivos utiliza-se também a transferência embrionária, “quando há vacas muito boas, conseguindo aumentar exponencialmente a sua descendência, porque enquanto uma vaca teria normalmente cerca de 12 filhos, recorrendo a ‘barrigas de aluguer’ de uma vaca qualquer (desde que tenha facilidade de parto e seja boa de leite) pode ter 50 ou 60 filhos”, explica Luís Tavares da Silva.
Registos minuciosos
De acordo com o Programa Carne Angus, a idade mínima de abate são os 15 meses e os machos e fêmeas são pagos ao mesmo preço.
O produtor dividiu a herdade em dois núcleos, puro e cruzado, que funcionam como se fossem duas explorações separadas, com marcas diferentes e tudo. Segundo o caderno da Angus, todos os animais puros têm de ter um nome no registo, sendo que os vermelhos têm Red no nome. Já o passaporte dos cruzados tem apenas número e a indicação de que é Cruzado Aberdeen-Angus. Para isso o pai tem de ser puro e estar inscrito no livro genealógico, além de que só pode ter 75 vitelos registado por ano. “Quando há dúvidas da paternidade faz-se um teste de ASN, já que todos os criadores têm de fornecer à Associação pelo dos seus reprodutores”, explica o dirigente.
Os reprodutores são vendidos com registo genealógico, exame andrológico e certificação de vacinação. Na Herdade das Silveiras além do programa de vacinação da zona, definido pelo Agrupamento de Defesa Sanitária, “fazemos também a IBR e a BVD porque consideramos que é melhor, devido ao facto de os nossos touros iniciais terem sido importados da Irlanda”.
Vaca tem grande rentabilidade
A Aberdeen-Angus é muitas vezes referida como a “raça da vaca mãe” pelas excelentes qualidades como aleitante. As fêmeas possuem um tamanho médio e baixas necessidades de manutenção o que é ideal em sistemas de produção à base de erva. A produção de leite é boa pois os vitelos crescem rápido e atingem um bom peso ao desmame e a taxa de sobrevivência é elevada, cumprindo-se o objetivo de produzir 1 vitelo/ano.
É uma vaca que se ajusta à criação em linha pura mas também muito interessante em explorações de carne, como vaca aleitante, cruzada com raças Continentais.
Assim, a soma de todas estas características, incluindo o facto de ser um animal com grande longevidade, faz da vaca Aberdeen-Angus um animal com elevada rentabilidade.
Qualidade da carne
A qualidade da carne apresentada pela Aberdeen-Angus constitui, sem dúvida, a principal razão pela qual a raça tem vindo, recentemente, a crescer na sua popularidade. Mesmo que o consumidor não conheça profundamente a raça, já ouviu falar da “Angus” e relaciona logo com um produto de qualidade. Muitas vezes adjetivada como “a melhor carne do mundo”. Este facto é muito importante, pois a conquista de mercados envolve muito investimento em promoção.
A precocidade, a rusticidade e o fácil acabamento, tornam a Aberdeen-Angus adequada a regimes de produção à base de pastagem/forragem, com a produção de carcaças com adequada gordura de cobertura, o que contribui para um melhor arrefecimento da carcaça e a maturação das peças – tenrura. A elevada deposição de gordura intramuscular (i.e. o marmoreio da carne), típica da raça, confere o sabor e grande suculência.
Estes atributos têm permitido a vários países (ex: EUA ou Argentina) o sucesso na implementação e desenvolvimento de segmentos de mercado com certificação Angus, onde o símbolo é a qualidade, nomeadamente na produção 100% a partir da erva (ex. Nova Zelândia – Angus Pure).
A qualidade é tão consistente que é muito solicitada pela restauração/talhos.
Fonte: AAP
Artigo publicado na edição de julho/agosto da revista VIDA RURAL