Maria José Macedo apaixonou-se pela agricultura e largou a vida de economista para viver no campo. Já antes sentira esse apelo, mas cedera à carreira na área da sua formação. Agricultora por paixão, em modo biológico por convicção, encontrou um nicho de mercado nos minilegumes.
O cultivo de minilegumes é hoje a principal atividade de Maria José Morgado. Na sua Quinta do Poial, em Vendas de Azeitão, cultiva também ervas aromáticas e flores comestíveis, produtos de que se orgulha de ter sido pioneira em Portugal. Entre os seus principais clientes estão vários chefes de restaurantes famosos da zona de Lisboa.
A área em que hoje labora foi outrora pinhal, por isso o terreno não necessitou do habitual período de transição para a agricultura biológica. O espaço é pequeno, apenas 1,5 hectares, dos quais 2.000 metros quadrados de estufas.
A autossuficiência é o objetivo de Maria José Macedo, pelo que produz também, sempre que possível, as suas sementes. Nos seus viveiros, apenas as novidades vêm de fora. Mas depois vão ficando, para suprir as necessidades.
Este esforço de não necessitar de terceiros faz com que a distribuição seja toda efetuada por conta própria e apenas na região de Lisboa. Embora tenha também produtos seus no Algarve, tal concretiza-se através dum cliente seu, que assume esse encargo.
De fora vem o adubo, húmus de minhoca. Chegou a fazer compostagem, mas acabou por abandonar a tarefa, de modo a poupar tempo e a gerir melhor a lavoura.
Está estabelecida há cerca de 26 anos, embora tenha tido, em meados da década de setenta, uma experiência de agricultura comunitária em Carregal do Sal. “A primeira pancada pelo campo foi nos anos setenta, quando começou a luta contra a industrialização e pela saúde pública”.
Maria José Macedo saiu de Portugal em 1975 e voltou em 1976, para a Beira Alta. “Na quinta de Carregal do Sal fazíamos muitas asneiras. Era tudo gente urbana, era um projeto de comunidade”. Em 1981 fez as malas e abalou para Paris, onde controlou o orçamento do parque de La Villette. Fartou-se e regressou em 1987. Começou com as ervas aromáticas, culturas que considera hoje estarem um pouco na moda. “Há modas, mas estou antes da moda”.
“Não quero subsídios”
Não tem nem teve qualquer apoio público para a sua exploração. “Os subsídios são interessantes para quem tem grandes áreas. O apoio é aos hectares e não à produção. Não me serve para nada participar nisso; o que iria receber não me ia aquecer nem arrefecer. Sobrevivo sem isso”.
Atualmente, os mini-legumes representam o grosso da faturação, com perto de 60%, estima esta agricultora que não esconde a dificuldade em elencar os números da sua exploração. Depois vêm as ervas aromáticas, seguidas das flores comestíveis e de plantas “pouco comuns”… além duma pequeníssima parte de fruta.
O controlo das ameaças
O controlo de infestantes não é feito com recurso a processos químicos ou térmicos. Utiliza motoenxadas e vibrocultores. Além da autossuficiência, Maria José Macedo busca a diversidade. A lista de plantas é tão vasta que até custa a enumerar todas. Ali, tudo se aproveita, “até as ervas daninhas”. Essa é uma riqueza, diz. Uma variedade que permite criar um ecossistema equilibrado e que quase não permite problemas de infestantes ou de parasitas. “Faço rotação da terra. Com centenas de variedades todos os anos, aqui é a diversidade total”.
O caracol é a principal ameaça. Porém, como as plantas foram colocadas no alto, sobre fio, nas estufas, a tarefa alimentar do molusco está dificultada. De notar apenas algum, pouco, piolho nas favas e nos feijões, que as joaninhas se encarregam de combater. Nos morangos foi necessário colocar uma rede, para evitar a visita de pássaros.
A diversidade é grande, mas a busca é constante. Esta agricultora dá um exemplo: cultiva presentemente 50 variedades de tomate. Considera que isso não é grande trabalho, que a dificuldade está na sua seleção, num grupo de perto de 400. “Continuo sempre em pesquisa” – garante Maria José Macedo.
A grande variedade de espécies obedece também ao critério da sazonalidade. Maria José Macedo não cultiva fora das épocas. E muito embora siga o calendário de cultivo da biodinâmica, esta agricultora não a pratica.
Todos os legumes são apanhados em jovens, quando o tamanho é menor, com exceção das ervilhas. Os mais pequenos seguem para a restauração e os que estão um pouco maiores vende ao consumidor comum, nomeadamente no mercado de produtos biológicos do Príncipe Real, que ocorre todos os sábados em Lisboa.
Iguarias das melhores mesas
Começou com o Ritz (que ainda hoje se mantém como cliente) e com o supermercado Jumbo das Amoreiras. Tem-se recusado a abastecer outros estabelecimentos de distribuição moderna, mas mantém-se ligada ao grupo Auchan, com que tem uma relação “especial”.
Maria José Macedo diz que hoje são os chefes de cozinha que vão ter com ela: “são já muitos anos”. Os chefes fazem pesquisa, veem o que os outros fazem, falam entre eles… Sabe o que cada um gosta e responde-lhes aos desejos particulares.
A lista dos seus clientes é seleta, formada por muitos restaurantes de topo ou de referência da região de Lisboa: Ritz, Tomo (cujo chefe lhe leva sementes de plantas que gostaria de ter na sua cozinha), Belcanto, Café Buenos Aires, Champalimaud Café, Assinatura, Pedro e o Lobo, York House, Talho, Oitavos, Café Itália…
As superfícies da moderna distribuição não lhe interessam, devido às exigências a que obrigam os agricultores, nomeadamente no que aos preços diz respeito. Apologista duma agricultura de quilómetro zero, não lhe agrada as vendas para exportação; mas não só. “Já recusei exportar para a Suíça. Aliás, as empresas seduzem os agricultores com grandes propostas e depois acabam por escolher quem vende mais barato. As pessoas avançam, investem, vão pedir dinheiro aos bancos e depois…”
Crise? Já foi pior…
A Quinta do Poial é certificada pela Certiplanet, que Maria José Macedo diz ser a empresa “a mais exigente”. Para esta agricultora, a regulamentação de agricultura biológica “é o mínimo”, defende que se devia ir mais além e critica quem importa produtos biológicos, estando, por isso, a aumentar o impacto ambiental.
Quanto a custos, a produção de minilegumes exige mais mão-de-obra, maior especialização e qualidade. “Não dá para mecanizar, porque se estraga o trabalho. Os legumes têm de ser tratados como joalharia”.
O preço de venda dos minilegumes é só um, custam todos o mesmo. Ou seja, ganha nuns o que deixou de ganhar noutros. Os custos de produção têm peso, mas, mesmo assim, afirma que o das suas cenouras é mais baixo do que os verificados na dimensão convencional, “quase metade”.
Quanto a crise… ela apareceu em 2007 e 2008, quando um cliente seu, que lhe vendia os produtos no Algarve, foi à falência. Mas se diminuiu a Sul, o negócio cresceu em Lisboa. Diz não ter do que se queixar e que este ano está a correr bem. “Até na produção. Este ano há boa qualidade e boa quantidade”.
A faturação é pequena e o número de empregados cinge-se a uma pessoa. Tempos houve em que foram cinco, em 2008. A água não tem custo, pois é proveniente de furo próprio e limita-se a 60.000 a 80.000 litros no verão.
Aumentar a área está fora de questão. “Para quê? O que importa é controlar aquilo que se faz”. Embora a atividade nobre seja efetuada à mão, este ano, Maria José Macedo iniciou trabalhos com trator, mas apenas para a monda. A máquina poupa tempo e dinheiro e, embora “desperdice terra, produz melhor”.
É natural de Braga e não tem ninguém na família ligada à terra. Agora que muitos jovens apostam uma vida na agricultura, comprova-se o caráter precursor de Maria José Macedo. Chegou ao campo quando todo o país queria ir para as cidades.
Artigo publicado na edição de maio de 2013 da revista VIDA RURAL



