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Floresta

Desflorestação

Desflorestação ©iStock

Catarina Pinto Correia 1

Catarina Pinto Correia
Sócia da VdA, Co-Responsável pela Área de Prática de Ambiente & Clima

Joao Almeida Filipe

João Almeida Filipe
Consultor Principal da VdA, integra a Área de Prática de Ambiente & Clima

Da neutralidade climática ao combate à desflorestação

Em 2019, a presidente da Comissão Europeia propugnou que a Europa deveria ser o primeiro continente a atingir a neutralidade climática até 2050, o que se veio tornar a bússola do Pacto Ecológico Europeu enquanto nova estratégia de crescimento da economia da União Europeia (UE), promovendo-se uma sociedade mais próspera e onde as empresas liderem pela oferta de produtos sustentáveis.
Para este propósito, tornou-se evidente a necessidade de adotar medidas a curto e médio prazo para fazer face às alterações climáticas e à perda de biodiversidade e conservação da natureza, devendo assegurar-se uma economia sem emissões de gases com efeito de estufa (GEE) e cujo crescimento não dependa de exploração negativa dos recursos naturais.
Verifica-se hoje que o nível de emissões continua a aumentar, assim como a temperatura média global do planeta, pondo em perigo o cumprimento do Acordo de Paris de 2005, que fixa a meta de suster o aumento médio global da temperatura bem abaixo dos 2 graus Celsius em relação aos níveis pré-industriais e em envidar esforços para limitar o aumento a 1,5 graus Celsius.
Acresce que, face aos dados apresentados pela Agência Europeia do Ambiente, o estado da conservação da natureza na UE encontra-se em acentuado declínio.
As alterações climáticas, a poluição, a perda de habitats e as espécies exóticas invasoras têm vindo a colocar uma forte pressão na manutenção do bom estado da natureza, a qual fornece ecossistemas associados a mais de metade do PIB mundial. Estes ecossistemas são essenciais para a atividade agrícola, mas na UE cerca de 2/3 das terras agrícolas têm os solos degradados.
É neste quadro que tem vindo a ser aprovado um conjunto de legislação de largo espectro para combater as alterações climáticas e suster a perda da biodiversidade, desde a Lei Europeia do Clima à Lei do Restauro da Natureza, integrando este pacote o designado Regulamento Antidesflorestação (EUDR).

Um regulamento UE de impacto económico mundial

O Regulamento Antidesflorestação visa assegurar que os produtos produzidos, consumidos ou disponibilizados na UE não contribuem para a desflorestação ou degradação florestal. Ou seja, fica vedada a entrada no mercado da UE e a exportação a partir da UE de produtos que contribuem para a desflorestação e a degradação florestal a nível mundial.
Numa primeira fase, as matérias-primas abrangidas incluem a palmeira-dendém, os bovinos, a madeira, o café, o cacau, a borracha e a soja, bem como os seus produtos derivados, tais como o óleo de palma, a carne bovina, o mobiliário e o papel, ou o chocolate, quando não demonstrem que a sua produção:

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  • Não está associada à desflorestação;
  • Foi produzida em conformidade com a legislação aplicável do país de produção; e
  • Estejam abrangidos por uma declaração de diligência devida.

Esta premissa implica que o regulamento imponha a proibição da disponibilização no mercado europeu, ou a exportação para fora do mercado, desses produtos quando tenham contribuído para a desflorestação ou degradação das florestas, quer sejam produzidos pelos Estados-membros, quer sejam importados de outras regiões do globo. Abrange toda a cadeia de abastecimento, desde os Operadores – quem coloque no mercado ou exporte os produtos em causa (produtores, importadores, exportadores) – aos Comerciantes – aqueles que disponibilizam os produtos no mercado (incluindo também os intermediários).
Para além disso, impõe um processo de diligência devida exigente, que deve incluir a recolha de um conjunto bastante alargado de informações, a avaliação do risco de incumprimento e medidas de mitigação dos riscos identificados. Em alguns casos, poderá recorrer-se ao procedimento de diligencia devida simplificada.
O Regulamento prevê ainda pesadas sanções para o incumprimento das regras aí previstas, entre as quais, a aplicação de coimas, o confisco de produtos ou receitas, a exclusão temporária de procedimentos de contratação pública e do acesso ao financiamento público, a proibição temporária de colocação ou disponibilização no mercado ou exportação e a proibição do recurso ao exercício de diligência devida simplificada.
Apesar dos benefícios, claros, desta regulamentação no caminho de descarbonização e proteção da natureza, têm vindo a ser assinaladas algumas problemáticas na sua aplicação.
Desde logo, por a produção destes produtos em determinados países estar conforme a respetiva legislação nacional, que expressamente admite a possibilidade de quotas de desflorestação, como sucede no Brasil que enfatiza o combate apenas à desflorestação ilegal (a não prevista e autorizada) e pediu à Comissão Europeia que revisse a abordagem do regulamento e que adiasse a respetiva entrada em vigor.
Depois, por a conversão da economia dificilmente ser tão rápida que consiga acompanhar os apertados prazos previstos, necessitando de apoios para ser efetivada. O Brasil invoca a necessidade de um grande esforço para garantir a desflorestação zero na Amazónia e o Sri Lanka avalia o impacto da sua recente política de substituição de produção de óleo de palma pela produção da borracha, quando este entra no elenco de produtos abrangidos pelo regulamento.
É também assinalado pelas vozes mais críticas que o regulamento não resolve a questão da eliminação, em regiões fora da UE, da produção à custa de desflorestação ou degradação florestal, contribuindo antes para transferir os fluxos comerciais para outros mercados importadores.

Desenvolvimentos futuros

Embora inicialmente prevista a entrada em vigor do Regulamento em 31 de dezembro de 2024, a Comissão Europeia propôs a extensão do prazo por 12 meses para garantir uma melhor adaptação pelos agentes do mercado, proposta que o Conselho já aprovou e que o Parlamento Europeu deverá vir a acompanhar. Assim sendo, os novos prazos de aplicação serão:

  • 30 de dezembro 2025, para grandes operadores e comercializadores;
  • 30 de junho 2026, para micro e pequenas empresas.

Não obstante algumas vozes contrárias, o Regulamento é de aplicação direta nos Estados-membros e impõe regras objetivas e concretas no caminho para o combate à desflorestação. Nesta medida, os operadores do mercado terão de se preparar para cumprirem as novas regras a partir do final de 2025, em especial no que diz respeito à obrigação de, antes de colocarem produtos no mercado ou de os exportarem, terem de proceder a diligências devidas com todos os requisitos de informação exigidos, sob pena de aplicação de um conjunto alargado de sanções onde se incluem o confisco de bens ou a aplicação de coimas expressivas.

Artigo em parceria com:

VdA Vieira de Almeida