A HERCULANO e o INESC TEC têm projetos de agricultura 4.0 que permitem valorizar o chorume. Juntos desenvolveram uma cisterna, equipada com tecnologia de precisão, que permite uma aplicação eficaz e diferenciadora do chorume.
Numa agricultura altamente tecnológica e com base na ciência, o objetivo passa sempre por produzir mais e melhor, poupando ao máximo o recurso mais precioso: a terra.
A agricultura tem-se tornado cada vez mais intensiva e a pecuária não é, claro, exceção. Mas a intensificação pecuária, com um elevado número de animais em áreas restritas (pocilgas, aviários e vacarias), é muitas vezes associada ao progressivo desequilíbrio da relação de complementaridade entre as produções agrícolas e pecuária, o que tem conduzido à produção e acumulação de grandes quantidades de efluentes pecuários orgânicos, geralmente sob a forma de chorumes.
A valorização agronómica destes chorumes é de grande importância para os solos agrícolas de Portugal e outras zonas mediterrânicas, onde se tem verificado uma degradação, em alguns casos acentuada, dos níveis de matéria orgânica, induzindo a perdas de solo por erosão e diminuição da sua fertilidade. Sem prejuízo do grande valor agronómico deste fertilizante orgânico, o seu manuseamento acarreta riscos ambientais diversos resultantes da emissão de gases com efeito de estufa, poluição da água e solo, os quais podem ser mitigados com o desenvolvimento de tecnologia adequada, nomeadamente na cisterna que faz a aplicação do chorume no solo.
Para responder a este desafio, a HERCULANO, empresa dedicada ao fabrico de máquinas e reboques agrícolas, e o INESC TEC – INESC Tecnologia e Ciência juntaram-se para desenvolver um equipamento de fertilização precisa, inteligente e eficaz.
Uma cisterna de precisão
O SMART FERTILIZERS é um dos projetos empreendidos que tem como objetivo desenvolver uma cisterna precisa para a fertilização. A cisterna irá dosear automaticamente a aplicação do chorume, tendo como base a necessidade efetiva de macronutrientes e a disponibilidade do chorume que está na cisterna. Uma tecnologia de automação está por detrás da cisterna que vai aplicar chorume na quantidade certa, no local preciso onde faz falta e no momento mais adequado.
Daniel Matias, da HERCULANO, explica que “para cumprir o propósito, serão desenvolvidos sistemas sensoriais e de automação para instalar na cisterna. Esses sistemas permitirão à cisterna medir a concentração de macronutrientes, o teor da matéria seca presente no material transportado, inferir as necessidades do solo e ajustar, em tempo real, o equilíbrio dos macronutrientes e a respetiva aplicação. Este processo tem em conta a informação sensorial recolhida e os dados de uma carta de prescrição agronómica, o que evita desperdícios e aumenta a eficácia, bem como a incorporação de componentes que permitem diminuir as emissões de azoto amoniacal durante a aplicação, prejudiciais ao meio ambiente”.
Valorizar o chorume
Filipe Santos, responsável pelo projeto no INESC TEC, e o seu colega Mário Cunha referem ainda que “o principal objetivo do projeto SMART FERTILIZERS é inovar as cisternas para aplicação de chorumes para aumentar a sua eficiência na operação de fertilização nas vertentes ambiental, agronómica e económica, num patamar de custo adequado e competitivo para o mercado nacional e internacional”. Filipe Santos acrescenta ainda que “a larga maioria dos agricultores, atualmente, não consegue valorizar a utilização do chorume corretamente do ponto de vista económico nem ambiental, por não ter ao seu dispor meios que lhe permitam avaliar em tempo útil a quantidade de macronutrientes (N, P e K) disponíveis no chorume e solo de modo a suportar eficientemente o seu plano de fertilização do solo”.
Os mesmos investigadores do INESC TEC recordam que “atualmente a aplicação de chorumes está condicionada a um conjunto de legislação comunitária orientada para maximizar o seu valor fertilizante, mitigando os riscos de poluição ambiental, de que se destaca o Código de Boas Práticas Agrícolas (CBPA 2018). Todavia, verifica-se que a fertilização orgânica dos solos, utilizando as atuais cisternas de chorume, é ainda realizada com muito baixa eficiência em termos ambientais e económicos e ainda pouco alinhada com conceitos da agricultura de precisão inteligente”.
O projeto prevê também o desenvolvimento de sistemas que permitam diminuir o impacto no ambiente, resultantes da emissão de gases com efeito de estufa durante a aplicação de chorumes.
A limitação legal na aplicação do azoto imposta pelo CBPA implica a redução da quantidade de chorume aplicado no solo, o que origina uma redução da quantidade de fósforo aplicado no solo e impõe uma posterior passagem para aplicação no solo de fertilizantes fosfatados. Existe, assim, uma necessidade de inovar as cisternas no sentido se efetuar um balanceamento, em tempo real, do fósforo, tendo em consideração a real composição do chorume transportado e real necessidade do solo, de modo a conseguir um melhor plano de fertilização, sem passagens suplementares sobre o terreno.
Equipamento das cisternas de precisão
Sistema DPA
A cisterna está equipada com Sistema DPA (Débito Proporcional ao Avanço), sistema de controle que garante automaticamente uma relação constante de proporcionalidade entre a velocidade de avanço da cisterna e o fluxo de saída.
O espalhador de estrume também pode equipar com DPA. Sendo dotado de uma consola, o agricultor precisará de introduzir nesta variáveis como o peso do estrume, a altura deste dentro do reboque, a largura de espalhamento do reboque, assim como, a velocidade previsível de avanço. Posto isto, a célula controla eletronicamente a velocidade de avanço do tapete, ajustada à velocidade do trator e também a abertura da porta, informando em contínuo o peso do estrume distribuído.
VRT (Variable Rate Technology)
Uma nova funcionalidade de aplicação do chorume, que permite ao agricultor espalhá-lo de forma diferenciada em função da real necessidade do solo em termos de NPK. O agricultor com esta funcionalidade, conhecendo a quantidade de macronutrientes existentes no chorume e no solo, passa a ter ao seu dispor tecnologia para espalhar autonomamente uma quantidade precisa, de acordo com um mapa de prescrição estabelecido após a análise do solo.
Análise química (NIR sensor)
Na consola montada na cabine do trator estão visíveis permanentemente os teores de azoto total e amoniacal, de fósforo, de potássio e de matéria orgânica, medidos no líquido (chorume) que, fluindo da cisterna, irriga o solo.
É possível ainda usar a mesma “célula”, que identifica no líquido estes elementos químicos, para analisar e quantificar in loco a presença dos mesmos no solo e, com a ajuda de um GPS, registar cada posição analisada, mapeando essa parcela de modo a atuar sobre cada ponto de leitura.
Então, com a ajuda de um programa Trimble de gestão (Manage Field Variability), cria um mapa corretivo, referenciando um dos macronutrientes contidos no líquido da cisterna.
Com o programa de VRT (Variable Rate Technology) disponível na cisterna, é possível distribuir diferenciadamente a quantidade de chorume em função das necessidades.
“Estas tecnologias permitem rentabilizar um resíduo, trazendo valor económico para o agricultor e reduzindo o impacto ambiental destas operações agrícolas”, conclui Filipe Santos.