Portugal tem boas condições para a plantação de aveleiras em várias regiões do centro e norte. A cultura precisa de menos água que a amêndoa, o preço mantém-se em níveis que permitem rentabilidade e a Ferrero disponibiliza-se para acompanhar e comprar a produção. Por isso, o Centro Nacional de Competências dos Frutos Secos está a juntar interessados para receber uma visita técnica do gigante mundial dos chocolates.
A avelã é o fruto seco que tem a menor área de cultivo em Portugal. Mas o País tem condições para uma boa produção e a procura mundial de frutos secos tem vindo a aumentar, essencialmente por questões de saúde.
Em 2018, esta cultura ocupava apenas 350 hectares, resultando numa produção de 250 toneladas. E tem vindo a diminuir: em 2016, eram 386 ha (320 ton) e em 2017 a área de avelã representava 357ha (305 ton). Mas o presidente do Centro Nacional de Competências dos Frutos Secos (CNCFS) defende que “o potencial desta cultura é enorme no nosso país”.
Carlos Silva explica à VIDA RURAL que são duas as razões principais para esta evolução. “Não há transformação e não há consumo”, adiantando que a zona da tradição da avelã era a região de Dão-Lafões, no distrito de Viseu, mas “muitas terras têm vindo a ser abandonadas”.
O responsável do CNCFS salienta que há também muito pouco conhecimento técnico e científico sobre esta cultura, embora “não seja uma cultura muito difícil, mas requer algum conhecimento técnico”.
A nível mundial, 90% da avelã produzida destina-se à indústria (70% para chocolates e 20% para gelados e pastelaria), sendo apenas 10% consumida em fresco. Comparando com a amêndoa, por exemplo, 70% é transformada (incluindo a amêndoa palitada, laminada, etc.).
A Turquia é o maior produtor mundial de avelã, representando 75%; a Itália é o segundo, com apenas 14%, seguida dos EUA e da Espanha. Os maiores importadores são a Alemanha e a Itália. No entanto, a Ferrero – que é a segunda maior empresa mundial de chocolate, depois da Nestlé -, é um dos principais importadores deste fruto seco.
“Na Turquia, não abandonaram a cultura, aliás, até investiram”, uma vez que o país está na zona ideal de produção – entre os paralelos 40⁰ e 45⁰ de latitude -, que abrange também o Mar Negro, quase toda a Itália, a Catalunha, em Espanha, o estado do Oregon, nos EUA, e, em Portugal, a Beira Interior, Trás-os-Montes e a Beira Litoral. São precisamente estas regiões que Carlos Silva diz terem grande potencial para a cultura.
Procura aumenta
A procura de frutos tem vindo a aumentar no mundo, principalmente por razões de saúde, uma vez que os consumidores estão cada vez mais interessados em produtos saudáveis. “A avelã, tal como a castanha, não tem glúten, é rica nas vitaminas E, B1, B2 e pró-vitamina A, e em macro e microelementos benéficos para a saúde, ajudando a evitar doenças cardiovasculares e a aterosclerose”. Contribui também para manter baixo o ‘mau’ colesterol. Daí que a sua maior utilização seja na indústria alimentar, embora se use igualmente nas áreas da saúde e da cosmética.
Em Portugal, também se tem registado um ligeiro aumento na procura de frutos secos, sendo que no caso da avelã, para colmatar a baixa produção, se importaram 351 toneladas sem casca e 32 toneladas com casca em 2017, num valor de cerca de 2,4 milhões de euros.
Segundo o CNCFS, “a área de produção concentra-se nas regiões norte e centro do país, em particular na Beira Litoral, distrito de Viseu, preferindo zonas frias e de média altitude. Nos últimos anos, verificou-se uma tendência para o abandono da cultura, quer pela sua dispersão, quer pela baixa produtividade, erros de implantação e cultivo. No entanto, verifica-se o interesse em aumentar a área em pomar ordenado, como uma boa alternativa a outras culturas, face à possibilidade de apresentar custos de instalação baixos e reduzidos encargos de produção, para além de se tratar de um fruto pouco perecível e de fácil conservação e transporte”.
Quanto à primeira transformação – a britagem – onde é retirada a casca dura da avelã, Carlos Silva diz-nos que “há quem o faça em Portugal, mas de uma forma muito rudimentar”. Depois, para retirar a pele do fruto, é feita uma pequena torra.
A casca pode ser aproveitada para biomassa, tal como já acontece com a amêndoa e outros frutos secos.
No site do Centro de Competências afirma-se que “após a colheita e secagem torna-se necessário a sua armazenagem e conservação de modo a garantir a sua qualidade e integridade, evitando alterações irreversíveis, nomeadamente a perda de valor nutricional e alterações nos seus atributos sensoriais, originando perdas substanciais em termos de rendimento”, salientando-se que “a apetência para a transformação deve-se essencialmente às suas caraterísticas organoléticas, levando a que seja uma matéria-prima importante na elaboração de produtos bastante consumidos e apreciados, como é o caso dos cremes de avelã e chocolate para barrar o pão, bem como a sua introdução na manufatura de chocolates com avelãs”.
Novos pomares ordenados
“Já há ‘meia-dúzia’ de pomares mais recentes, que têm vindo a ser plantados nos últimos 15 anos de forma mais intensiva”, refere o presidente do CNCFS, mas acrescenta que, por exemplo, em Itália a realidade já é muito diferente.
Por isso, o objetivo do Centro é estimular o investimento na cultura, em pomares com rega e porta-enxertos e variedades mais adequadas, “trabalhando também de outra forma a própria planta, com podas a orientar o seu crescimento”.
Nos pomares tradicionais as variedades eram nacionais, como a Grada de Viseu (que deriva de uma variedade italiana), mas também espanholas, francesas ou italianas, como a Negreta, a Fertile de Coutard ou a Tonda di Giffoni, respetivamente.
Mas nos pomares novos, mais intensivos e com rega, já se encontram variedades mais produtivas, como a Butler ou a Ennis, que já produzem ao terceiro ou quarto ano.
O sistema de rega escolhido é, normalmente, o gota-a-gota, mas Carlos Silva salienta que “na avelã o importante é conseguir-se manter um volume de cerca de 800mm/ano, distribuído ao longo do ciclo”, sendo que a plantação pode ser feita em quase qualquer altura do ano e “na visita que fizemos a Itália, disseram-nos que a colheita tem lugar entre setembro e outubro”, embora existam variedades mais precoces ou tardias.
Semelhante à amêndoa, mas com particularidades
A cultura da avelã tem um comportamento semelhante ao da amêndoa e da noz, uma vez que, normalmente, também se dá em zonas de clima idêntico, mas “precisa de menos água que a amêndoa e os solos ideais são profundos e francos ou franco-argilosos e com subsolos permeáveis, com um ph entre 6 e 8, embora a cultura se possa adaptar a phs mais baixos, mas não solos marginais”, explica o responsável do CNCFS, sublinhando, no entanto, que “a avelaneira é sensível à salinidade”.
No que diz respeito ao clima, a avelã prefere climas temperados, mas “precisa de 700 a 1.200 horas de frio (abaixo de 7°), tolerando temperaturas mínimas até -8°, não gosta de temperaturas acima de 35° e é sensível à geada”.
Tendo em conta estas características, bem como vários estudos e manuais técnicos (disponíveis para consulta e download no site do CNCFS) Carlos Silva afirma que “as zonas com muito potencial para esta cultura em Portugal são o vale da Covilhã, o vale Chaves até Vila Real e as zonas de Vila Pouca de Aguiar, Pedras Salgadas, Vidago, Viseu, Beira Interior, Castelo Branco, Valpaços, Vinhais e Macedo de Cavaleiros”. O presidente do Centro de Competências adianta que “a avelã é uma boa opção para diversificar culturas e que pode ser rentável”.
Mecanização é fundamental
O presidente do Centro salienta que “a produtividade depende muito das condições climatéricas e das variedades, mas nas mais estáveis e produtivas a produção ronda os 2.500/3.000kg/ha, sendo que atualmente a produção nacional não chega a 1.000kg/ha”.
A maior parte dos pomares mais recentes aposta num compasso de 3,5/3,5, mas há alguns com compassos mais apertados de 1,5/3,5, sendo que “a mecanização, com equipamentos idênticos aos usados noutros frutos secos, como a noz ou a castanha, é a parte principal deste sistema mais profissionalizado, nomeadamente em Itália, porque, por exemplo, na Turquia a mão-de-obra ainda é barata”.
A avelã é colhida no chão, por isso as máquinas da castanha podem ser adaptadas, tanto máquinas automotrizes como para acoplar a tratores.
“As avelãs são colocadas nas entrelinhas com um separador e depois a máquina, tipo aspirador, colhe-as”, explica Carlos Silva, acrescentando que a Ferrero compra as avelãs com casca, para irem mais protegidas no transporte, mas já depois de ser feita a primeira desidratação, ou seja: “com um pequeno secador baixa-se a humidade da casca e do grão, para os 4 a 6% – que se situa nos 12 a 14% após a colheita -, para evitar bolores e podridão”, embora saliente que este fruto se conserva melhor do que a noz, por exemplo, que te mais tendência a rancificar.
Apesar da baixa produção nacional, o responsável afirma que “já há algumas OP a receberem avelã, como a Cooperativa de Penela da Beira, além de outras que já comercializem outros frutos de casca rija”.
Sobre os custos de instalação de um pomar moderno de aveleiras, o presidente do CNCFS refere que “é necessário estudar bem os custos em cada local, mas a indicação que nos deram em Itália é que rondará os 15.000 a 20.000€/ha, sendo que os valores de referência do PDR são 4.000 a 5.000€/ha” e adianta que para rentabilizar máquinas próprias será necessário uma área mínima de 10 hectares. Abaixo disso poderá trabalhar-se com equipamentos partilhados, de uma OP, por exemplo.
Carlos Silva assegura ainda que “a aveleira não tem grandes problemas de pragas e doenças que obriguem a muitos tratamentos químicos, nem é muito esgotadora do solo e usa máquinas básicas, pelo que é uma cultura com baixa pegada ambiental”.
Outro fator importante (talvez mesmo fundamental) que pode levar os produtores a interessarem-se pela cultura da avelã, é que numa recente visita a Itália promovida pelo CNCFS “a Ferrero se mostrou interessada em comprar toda a avelã que houver”. Por isso, o presidente adianta que “o Centro está a preparar, já para o início da primavera de 2020, uma visita técnica de agrónomos da empresa a Portugal para visitarem áreas com potencial produtivo e conversarem com agricultores, empresas do setor dos frutos secos e outros interessados na cultura”.
Entretanto, o CNCFS comprometeu-se a enviar para a Ferrero cartas de solos e de precipitação anual e a preparar sessões em várias localidades.
Carlos Silva diz ainda à VIDA RURAL que “a Ferrero está disponível para fazer o acompanhamento da cultura cá em Portugal, sendo que o requisito que impõe é que numa determinada zona exista um mínimo de 500 hectares, geridos por uma cooperativa, Organização de Produtores, etc., e oferece também um contrato de 20 anos, pagamento acima do valor de mercado (publicado semanalmente em Itália), mas dá liberdade ao agricultor de vender fora se conseguir um preço mais alto”. O responsável garante ainda que a expectativa é que os preços se mantenham interessantes.
Em Itália, a empresa tem estado a investir fortemente no aumento da produção, tendo já cerca de 85 mil hectares, de um objetivo de 100 mil.
Nos contratos com os produtores, a Ferrero fornece também as plantas das variedades que pretende.