Depois de três anos a produzir hortícolas e cereais, Henrique Silvestre Ferreira, filho de António Silvestre Ferreira que lidera a Herdade do Vale da Rosa, conhecida pela uva sem grainha, aposta agora no negócio da família: a uva de mesa. Na Herdade de Vale Bom, mesmo ao lado do Vale da Rosa, andou um ano literalmente a partir pedra para poder aproveitar a água de Alqueva e lançar-se na agricultura.
Verdade seja dita: a produção de uva de mesa esteve sempre nos objetivos de Henrique Silvestre Ferreira, seguindo o negócio da família que começou com o bisavô em Torres Vedras, que o avô trouxe para o Alentejo e depois levou para o Brasil – após o 25 de abril – e que o pai voltou a trazer para Ferreira do Alentejo. Até porque, a par do irmão mais velho Diogo – que também já produz uva de mesa –, irá certamente ficar à frente dos destinos do Vale da Rosa.
Desde cedo que Henrique Ferreira se começou a preparar para a vida de agricultor, tendo feito vários estágios em Inglaterra (na área da comercialização), em Espanha e Itália e também no Chile, numa empresa de uva de mesa, estando agora a terminar o curso de Agronomia na Universidade de Évora, “já era para ter sido no ano passado, mas com o trabalho no campo ficou um trabalho para entregar”, diz-nos o jovem agricultor.
Em 2011, António Silvestre Ferreira decidiu passar para o nome do filho Henrique, a Herdade de Vale Bom, com 116 hectares, já depois de ter feito o mesmo com a Herdade do Azinhal, para o filho Diogo. Henrique Ferreira tinha logo à partida a intenção de plantar 6 hectares de uva de mesa sem grainha da variedade Crimson, muito apreciada em Inglaterra, um dos principais destinos da uva do Vale da Rosa fora de Portugal. Mas, além do investimento ser muito elevado – cerca de 80 000 €/ha – e precisar por isso de realizar algum capital primeiro, aquela terra nunca tinha sido cultivada (apesar de já ter água de Alqueva desde 2010), apenas arrendada para pastagem de gado, “porque estava cheia de pedregulhos enormes, alguns do tamanho de um carro”, conta-nos o produtor. Assim, contrariando os ‘conselhos’ das gentes locais: “Ó Henrique deixe-se mas é estar sossegado, procure outras terras” ou “Nada se faz daquelas terras, só mesmo pastagem para as ovelhas”, começou logo a pensar em soluções para os obstáculos que o impediam de fazer algo imediato na agricultura, pensando: “eu vou conseguir, vou provar o contrário a toda a gente, tenho água, não a posso desperdiçar”.
Hortofruticultura para financiar a vinha
E, como diz o povo, se assim pensou, melhor o fez. Falou com empresas da região especializadas na remoção de pedra, mas todas lhe diziam que era impossível, eram muitas pedras, grandes e pesadas, no entanto conseguiu convencer uma delas que, mesmo não acreditando na totalidade de um bom resultado, aceitou o desafio.
Foram largos meses de um trabalho intenso, com maquinaria e pessoas todos os dias a recolherem pedra. Durante este período, “até apareceram interessados na compra de pedras para construção de barragens”, lembra Henrique Ferreira.
E assim que libertou uma parte do terreno decidiu semear girassol “para experimentar”, mas como o fez já um pouco tarde, e não tinha infraestruturas para regar, acabou por não resultar muito bem. “Embora ainda tenha lá colocado um canhão para regar”, refere, por isso pensou que tinha de “fazer mais. Estamos em pleno inverno, tenho de plantar algo imediato que me permita cobrir o investimento feito nestas obras”.
Assim, em sociedade com “o Sr. Nabor, que disponibilizou as máquinas, e também com Carlos Ferreira, da Hortomelão”, em 2013 fez 50 hectares de melão e abóbora Butternut e, simultaneamente, meteu logo o projeto para plantar os 6 hectares de vinha que, “como foi plantada em maio, só este ano se deu a formação completa da planta, pelo que em 2016 já espero ter uma produção de cerca de 15 toneladas/ha”.
A vinha está em produção integrada, pelo que “fiz enrelvamento nas entrelinhas e não vou fazer mobilização do solo”, explica-nos o jovem agricultor.
Em parceria com o Vale da Rosa
Essas 90 toneladas de uva serão vendidas ao pai e serão embaladas e comercializadas através da estrutura do Vale da Rosa, “sendo tudo destinado à exportação, como o meu irmão já está também a fazer”.
Henrique Ferreira explica que “faz sentido que continuemos o negócio de família, porque o Vale da Rosa já tem mercados e clientes fidelizados e temos mais encomendas do que produção”, e adianta: “por isso há margem para crescer onde estamos e para entrar em novos mercados”.
Mas, como refere o produtor, “a horticultura é viciante, porque como são culturas de ciclo curto, só queremos é plantar mais e mais”, por isso, ainda em 2013, arrendou terras de areia em Canhestros, onde o pai também já tem outra herdade a produzir uva de mesa, para fazer 10 hectares de melancia e meloa, “também com água, ainda não de Alqueva, mas que está a chegar”.
Paralelamente continuava a investir para tirar o resto das pedras da Herdade de Vale Bom e, em cerca de um ano, conseguiu.
Henrique conta à VIDA RURAL que “o meu avô também já fazia hortícolas – tomate, brócolos e couves e metia tudo numa camioneta e ia vender ao mercado da Ribeira em Lisboa, mas regava apenas com água de uma barragem o que dava muito pouco e, logo, uma produção muito baixa. Agora, com a água de Alqueva, a produção é consideravelmente maior e, por isso, mais rentável”.
O produtor, que recebeu o prémio de melhor jovem agricultor nacional em 2014 (relativo precisamente a 2013), diz que “a produção correu tão bem que eu nem queria acreditar, com 25 anos cheguei a ter aqui cerca de 30 pessoas a trabalhar e o telefone não parava de tocar”.
Henrique Ferreira vendeu parte da produção diretamente e outra parte através da Hortomelão, “mas o investimento em plantas, etc., foi todo nosso”.

Centrar atenções na uva de mesa
Nesse ano ainda fez também 15 hectares de brócolos, sendo 10 hectares em parceria com a Monliz, empresa de vegetais ultracongelados do grupo Ardo, sediada em Alpiarça. E em 2014 plantou toda a área da sua propriedade (fora os 6 hectares de vinha) com hortofrutícolas: melão, meloa, melancia, abóbora, brócolos e também pimento (igualmente em parceria com a Monliz), porque “fui a Santarém e vi lá campos de pimentos e achei que também os podia fazer aqui”.
Mas este ano, Henrique Ferreira decidiu que “a minha aposta tem de ser na uva de mesa, por isso fiz apenas 2 hectares de um produto novo – a baby watermelon – melancia pequena, de cerca de 1,5/2 kg e sem sementes”, a par de alguns cereais de sequeiro, como cevada, trigo, aveia e também girassol, que comercializou através das cooperativas de Beringel e de Beja e Brinches.
“O meu objetivo é ampliar a área de uva de mesa, com novas variedades mais precoces e mais tardias, que possam estar nas câmaras frigoríficas algum tempo, para podermos ter uvas no Natal”, por isso, salienta: “não posso pensar na horticultura”.
Mesmo assim, o produtor não para e já está a pensar em plantar nogueiras ou amendoeiras, como fez o irmão Diogo, “numas terras que tenho aqui em frente, do lado de lá da estrada Ferreira/Beja, que também têm água de Alqueva. Posso fazer para já 25 hectares, mas com possibilidade de expandir”.
Alargar ciclo e mercados
Rita Parrinha, namorada de Henrique e assistente de marketing do Vale da Rosa, explica-nos que “neste momento, jogando com as 13 variedades que temos, sendo sete sem grainha – que vão principalmente para Inglaterra e os países nórdicos –, e também com o sistema de plásticos e redes, que reduz o tempo de maturação (e também permite fazer menos tratamentos), já conseguimos ter uva no mercado durante seis meses, de junho a novembro, mas ainda queremos alargar mais o ciclo, porque temos procura por parte do cliente e o mercado nacional já consome 65% do nossos produtos, pelo que há espaço para crescer, principalmente na exportação”.
António Silvestre Ferreira, antes de sair para uma viagem a Inglaterra, ainda teve tempo de receber a reportagem da VIDA RURAL, e de nos dizer que “esta intenção de alargarmos a nossa presença no tempo e em novos mercados não vai comprometer o nosso objetivo principal que é fazer qualidade. E isso é fruto de um trabalho contínuo no campo, de escolha de cachos e de bagos, que é continuado no embalamento, por isso, 99% dos nossos bagos são comestíveis e temos uma uva crocante, mais resistente e que se comporta melhor no frio”.
A Herdade do Vale da Rosa tem 300 hectares, 250 com uva de mesa, e exporta para toda a Europa, com destaque para Inglaterra, Holanda e países nórdicos, e também para Angola e China. Emprega uma média de 450 pessoas, que podem chegar às 800 em plena campanha.
Na linha de embalamento é feito também o controlo de qualidade e todas as embalagens têm um código de barras com toda a informação sobre aquela uva “quem colhe, em que quadra, em que dia e a que horas, qual a variedade, etc., para podermos ter uma rastreabilidade total”, informa Rita Parrinha.
Depois de embalada, a uva passa pelos túneis de arrefecimento rápido que descem a temperatura até aos 0 °C e vai para as câmaras de armazenamento, também em temperatura controlada, até que a transportadora ou o cliente a vá buscar.
Sempre à procura de embalagens inovadoras e que melhor preservem a qualidade das uvas que produz, depois das embalagens termosseladas para as uvas sem grainha, o Vale da Rosa lançou agora também uma embalagem de 150 g de uva sem grainha “pronta a consumir em 2 passos”.
“Não fazemos uva de 4.ª gama porque é necessário colocar sempre alguns conservantes que alteram as características e o sabor da uva, por isso decidimos fazer esta embalagem destinada a máquinas de vending, áreas de serviço, entre outros locais, e que basta pressionar, lavar e comer”, conta Rita Parrinha.
A empresa quer apostar no facto de ser prático, mas mais saudável, pelo que António Silvestre Ferreira refere também a possibilidade de “as crianças poderem levar para a escola”, acrescentando que “o mercado é muito recetivo aos produtos embalados”.
Artigo publicado na edição de novembro de 2015 da revista VIDA RURAL