São Miguel chegou a produzir 2000 toneladas de ananás, mas hoje a produção não chega às 1000. A aposta passou pela certificação DOP e está agora na valorização como produto biológico e de nicho, e também no turismo que tem crescido fortemente na ilha, principalmente oriundo do Continente devido aos voos low-cost.
A cultura do ananás dos Açores/São Miguel – DOP demora dois a dois anos e meio da plantação à colheita. É produzida em estufas tradicionais de vidro, alvenaria e madeira, com elevados investimentos, só rentáveis pelo apoio que os produtores recebem através do programa comunitário POSEI – que contempla medidas específicas no domínio agrícola para os Açores – de 6,53 €/m2 de cultivo, valor equiparado ao que é atribuído ao ar livre nos territórios ultramarinos franceses (DOM, nomeadamente Martinica) e nas Canárias (Espanha), “embora aí seja por quilograma, o que acaba por ser mais compensador”, conta-nos Rui Pacheco, presidente da Profrutos – Cooperativa de Produtores de Frutas, Produtos Hortícolas e Florícolas de São Miguel, que detém a DOP (ver caixa).
O mercado nacional absorve a quase totalidade do ananás, com cerca de metade da produção a ficar no arquipélago, e a exportação destina-se essencialmente à numerosa comunidade açoriana nos Estados Unidos da América e Canadá. Mas José Augusto Pavão de Sousa, produtor que visitámos e também dirigente da Cooperativa, diz-nos: “iremos avançar também para França e estamos em negociações com Alemanha, Holanda e Reino Unido”, este último que foi em tempos o principal mercado do ananás açoriano. Rui Pacheco adianta que “tem sempre de ser tudo muito selecionado, devido aos elevados custos de transporte”. José Pavão de Sousa explica que o envio tanto para o Continente e Madeira (que representa cerca de 5% das vendas) como a exportação são feitos por barco já que “o avião é muito caro, pelo que só recorremos em casos pontuais de frutos já maduros que têm de chegar ao destino com rapidez”.
Além da valorização com a certificação DOP, os produtores estão também a tirar partido do facto de a cultura ser biológica, estando isenta de pesticidas e herbicidas, procurando também nichos de mercado específicos para este produto que tem bromelina – uma enzima com propriedades digestivas e anti-inflamatórias – num nível bem maior do que o ‘rival’ abacaxi. Os produtos transformados (para gelados, iogurtes, sumos, etc.) e a IV Gama, que está em desenvolvimento na Profrutos, são outros caminhos para escoamento do produto com mais-valia.
Para ajudar a baixar os custos e o tempo de produção o INOVA – Instituto de Inovação Tecnológica dos Açores tem estado também a investigar novos métodos de propagação e de compostos para esta cultura (ver caixa).
Pressão imobiliária e abacaxi
Mesmo assim, e apesar de os novos investimentos em estufas tradicionais poderem receber até 70% de apoio a fundo perdido através do PRORURAL+, Rui Pacheco alerta que o risco de a produção de ananás em São Miguel desaparecer é real, sublinhando que sem os apoios os produtores de ananás não sobreviveriam, “não teríamos ananás”.
A ‘culpa’ da forte queda da produção é, principalmente, da expansão habitacional – já que a produção está concentrada maioritariamente nos arredores de Ponta Delgada – e da concorrência do abacaxi, que chega ao mercado com preços mais competitivos, pela mão de grandes marcas, mas também, da dificuldade em encontrar trabalhadores para as quentes e húmidas estufas, além dos custos da insularidade (nomeadamente os de transporte) já referidos.
Olhando para as características do cultivo percebe-se bem a dificuldade em encontrar pessoal: desde que a planta entra na estufa decorrem cerca de dois anos até que o fruto esteja pronto a ser colhido e enviado para o mercado. Dois anos de trabalho dentro de estufas com temperaturas médias que rondam os 35 °C e que no verão chegam a atingir os 50 °C.
Mas é precisamente o modo de produção tradicional e a localização (não há mais nenhum ponto do globo em que se produza ananás à latitude dos Açores) que distinguem o sabor deste fruto dos outros ‘irmãos’.
Um longo processo
O ananás de São Miguel é originário da América do Sul e Central, tendo sido introduzido no arquipélago como planta ornamental em meados do século XIX, com as primeiras explorações de carácter comercial a surgirem em 1864. O maior número de estufas situa-se hoje em Ponta Delgada (freguesias de S. Vicente Ferreira e Capelas), mas também em Lagoa e Vila Franca do Campo.
José Pavão de Sousa explica à VIDA RURAL que o cultivo começa “após colher o ananás, com a desfolha da planta, ficando o rizoma: a chamada ‘toca’, que se planta a cerca de 15/20 cm de profundidade”. Muitas vezes esta operação é feita em estufas de plástico, sendo as novas plantas que nascem da ‘toca’ transplantadas para as estufas de vidro “ao fim de cinco a sete meses para a plantação intermédia, que tem um compasso de 25/25 e onde as plantas ficam por mais cerca de seis meses, passando depois para a plantação final, onde o compasso é de 50/50 e onde o ananás se desenvolve por mais 12 a 15 meses”, revela o produtor que tem 36 estufas, seguindo a tradição familiar iniciada pelo avô há cerca de 100 anos.
José Pavão de Sousa lembra que “a temperatura ideal para a cultura do ananás situa-se entre os 20 °C e os 30 °C, pelo que como as estufas de vidro aquecem muito temos de fazer a caiação [por fora e por dentro] no verão e de jogar com a abertura dos alboios [janelas no teto das estufas] para ventilar e arrefecer”. O produtor diz-nos que o solo é fino e arenoso, tendo o ananás uma raiz de cerca de 15 cm, “usamos principalmente rega de aspersão, mas já há muitos produtores a optar também pelo gota a gota, sozinho ou em conjunto”. Como ‘cama’ e fertilizante o tradicional é “lenha moída, ramada de incenso e serradura das criptomérias” abundantes na ilha, refere, mas acrescenta que “também já experimentei o novo composto FO-MUSAMI resultante do projeto de investigação do INOVA [ver caixa] e tive bons resultados, mas o problema é que ainda não conseguem garantir um fornecimento regular”.
Já com a plantação definitiva, provoca-se a florescência das plantas através do fumo, uma operação que consiste na queima de verduras dentro das estufas de modo a ‘intoxicar’ as plantas, obrigando-as a florescer todas ao mesmo tempo e que normalmente dura cerca de nove dias.
Como não se usam herbicidas é necessário fazer mondas à mão, duas a três vezes nas duas primeiras fases e duas a quatro na fase final. Mas, ultimamente “temos começado a usar tela para cobrir o solo e evitar as infestantes e o resultado tem sido muito positivo”, afirma o produtor. A rega é feita geralmente uma vez por semana e na fase definitiva da plantação é necessário fazer também corte de folhas, uma a duas vezes, e capação da coroa em cada fruto.
Natal e verão com maior consumo
Agora há produção de ananás durante todo o ano, mas a maior parte é preparada de forma a coincidir com as alturas de maior consumo: Natal e verão. “Mas antes, 90% era no Natal, só que com o aumento do turismo, o consumo nos meses de verão tem vindo a crescer, além de que se consegue ter produção mais rapidamente: no inverno a florescência demora 60 a 90 dias, enquanto no verão leva apenas 30 a 40 dias”.
Uma das dificuldades referidas por José Pavão de Sousa é a negociação com as grandes superfícies, que “com o rappel, fazem descer drasticamente o preço que pagam à Profrutos e a situação começa a ser insustentável”, lamenta.
A Cooperativa, que tem 170 associados, fez recentemente um grande investimento numa central fruteira, com capacidade para transformar 2000 toneladas de ananás, mas as dificuldades financeiras fizeram com que alguns produtores deixassem de entregar os seus frutos, pelo que “agora recebemos apenas cerca de 500 toneladas”, admite José Pavão de Sousa, estando tudo a trabalhar “a meio gás”. A Profrutos possui uma linha de lavagem, escolha e calibração do produto que vem em caixas, onde é colocado à mão, e “aqui faz-se escolha por ponto de maturação – maduro, meio-maduro e verde”, conta-nos o dirigente, acrescentando: “também pretendemos fazer triagem por produtor para podermos pagar o ananás de forma diferenciada aos produtores, pela qualidade, mas ainda não foi possível fazê-lo”. A organização recebe ainda outras frutas dos seus associados, “cerca de 100 toneladas de banana e quatro de anonas e abacates [duas de cada]”.
Outro produtor e dirigente da Cooperativa, João Paz, diz-nos que “os principais concorrentes são a Costa do Marfim, que tem um ananás muito parecido ao nosso, e o Equador, enquanto o abacaxi é cultivado principalmente ao ar livre e tem mais água”. O responsável adianta que, apesar de ser cultivado sem pesticidas, o ananás dos Açores tem poucas pragas e doenças, sendo a cochonilha a mais comum, ou então a podridão das raízes, em alturas mais húmidas. “Para controlar a cochonilha usamos infusões de folha de tabaco e controlamos com os alboios, porque a doença é propagada por um inseto”, afirma João Paz.
O Ananás dos Açores/São Miguel (Ananas comosus L. Merril, variedade Cayene) é produzido em estufas de vidro utilizando técnicas de cultivo tradicionais: aplicação de “fumos” e utilização de “camas quentes” à base de matéria vegetal. Ao fim de um período de dois anos, desde a plantação até à colheita, obtém-se um fruto de qualidades ímpares de aroma e sabor. A cultura foi introduzida em S. Miguel por volta de 1840/50, sendo comercializado na Europa há mais de um século.
Algumas características do produto: Fruto de forma cilíndrica, ligeiramente afusado, com casca laranja forte e polpa amarela. A polpa do ananás apresenta uma coloração amarela translúcida, um sabor agridoce sui generis e um aroma muito agradável.
Caderno Especificações DOP Ananás
Área geográfica de produção: Ilha de S. Miguel.
Entidade Certificadora: Comissão Técnica de Certificação e Controlo (Despacho Normativo n.º 259/93, de 30 de dezembro).
Agrupamento detentor da DOP: Profrutos – Cooperativa de Produtores de Frutas, Produtos Hortícolas e Florícolas de São Miguel.
O INOVA – Instituto de Inovação Tecnológica dos Açores desenvolveu um composto orgânico para utilizar em culturas, nomeadamente a do ananás dos Açores, em alternativa à leiva, o manto vegetal rico em matéria orgânica que se retirava das montanhas e cuja apanha foi proibida para preservar o seu valor ecológico.
O projeto “Cultura do Ananás dos Açores” tem vindo a ser desenvolvido pelo INOVA em associação com o Instituto Superior de Agronomia (ISA), com a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Departamento de Biologia Vegetal), com a Universidade dos Açores (Departamento de Ciências Tecnológicas e Desenvolvimento), e com a Cooperativa Profrutos, e incide sobre a “utilização de diversos substratos orgânicos verdes, provenientes de cortes de árvores, de ramadas e da jardinagem após compostagem e vermicompostagem, como substitutos de alguns substratos utilizados nas camas das estufas”, mas também o “estudo da fisiologia da planta, com o intuito de um conhecimento mais profundo sobre o efeito da temperatura e da irradiação na qualidade do fruto” e a “multiplicação de plântulas por micropropagação, com o objetivo de padronizar a qualidade das plantas, encurtar o ciclo de produção e ajustar mais rapidamente as necessidades de oferta de plantas à procura”, entre outros estudos.
A reportagem da VIDA RURAL visitou as estufas do INOVA no Parque Industrial da Ribeira Grande onde, para além das estufas da Profrutos, o novo composto (FO-MUSAMI) tem sido testado em várias culturas, principalmente na produção do ananás, e falou com o coordenador do projeto, Carlos Arruda, professor aposentado do ISA, que assegura que “tem excelentes características do ponto de vista da física, química e biologia, atestadas por estudos realizados pelos vários parceiros no projeto” e salienta que não existe qualquer adulteração das características biológicas do ananás.
O FO-MUSAMI é um fertilizante orgânico (FO) que resulta da valorização de materiais verdes tratados pela MUSAMI – Operações Municipais do Ambiente, sob orientação da Associação de Municípios da Ilha de São Miguel e “apresenta resultados melhores que os substratos tradicionais usados na cultura do ananás, embora não muito significativos” e tem estado a ser testado também para outras culturas, como tomate, morango, banana e melancia.
Carlos Arruda explica-nos que agora “entramos numa fase em que a MUSAMI está a aumentar a recolha e tratamento de materiais para dar resposta à procura do FO e em que é preciso dar formação aos produtores para saberem como usar e conservar o novo composto de forma adequada” e adianta: “estamos também à espera de financiamento para implementar ensaios diretamente em produtores”.
Estufas industriais com melhores resultados
Falando de outra área do projeto, Carlos Arruda revela que as estufas industriais estão a dar melhores resultados que as tradicionais de vidro, porque “nas estufas baixas de vidro, há necessidade de caiar, porque senão a estufa aquecia excessivamente, o que tira cerca de 70% da radiação solar, mas o ananás precisa de radiação solar”. A acumulação de açúcar no ananás dá-se nas últimas quatro a seis semanas antes do corte. Isto significa que a época do ano em que o ananás se corta é determinante para a riqueza em açúcar, o grau brix. Por isso os frutos de verão são mais doces, que os da época de novembro/dezembro, que são muito ácidos porque a radiação é muito mais baixa. Carlos Arruda salienta que as estufas industriais são também menos onerosas e, além do ananás, os produtores podem ter outras culturas.
O projeto do INOVA tem estado também a estudar várias formas de propagação em alternativa às ‘tocas’, nomeadamente através de rebentos da coroa, bem como outras formas de induzir a floração, com etefon, “uma hormona cuja eficiência é de 98%”.
Destes estudos podem certamente resultar novas práticas que ajudarão a manter, e até crescer, a cultura do ananás nos Açores, tornando-a mais competitiva e rentável.
Artigo publicado na edição de março de 2016 da revista VIDA RURAL