O defeito do ‘brett’ nos vinhos, vulgarmente designado por ‘suor a cavalo’, tem agora um modo de deteção mais rápido. O preço de cada análise situa-se entre 2,5 euros e 3 euros. A investigação decorreu no Instituto Superior de Agronomia.
O processo de deteção da Brettanomyces foi encurtado para cerca de um terço do tempo. A investigação, realizada no Instituto Superior de Agronomia de Lisboa (ISA), foi um aprofundamento do sistema anteriormente desenvolvido.
Manuel Malfeito, professor que ministra a cadeira de Microbiologia Enológica nesta universidade, salienta que já tinham conseguido um meio de cultura seletiva, mas que conseguiram melhorar a deteção desta levedura, registado como DBDM.
O sistema anterior (DBDM) requeria 12 a 14 dias para dar um resultado. O Brett Allert Agar resolve em cinco dias. O modo do processo encontra-se em segredo industrial.
“Neste laboratório somos especialistas neste domínio, referências mundiais, com vários artigos em publicações científicas e convites para palestras em todo o mundo” – realça o académico.
A Dekkera bruxellensis ou Brettanomyces bruxellensis é uma levedura que, normalmente, surge associada a problemas de higiene nas adegas. “Resolvemos pegar neste problema, porque é dos principais no setor do vinho. Já trabalhamos nesta levedura desde 1996” – avança Manuel Malfeito. “Tem muito a ver com a higiene, pois precisa de resíduos de vinho, de mosto, de engaços, etc. Numa adega higienizada não há Brettanomyces” – salienta o académico.
O docente sublinha que o ‘brett’ é um dos quatro maiores problemas, conjuntamente com o TCA (Tricloroanisol – responsável pelo odor e sabor a rolha), o reduzido (microbiano ou químico) e o oxidado (microbiano ou químico). Malefícios que são investigados em todo o mundo, realça o professor.
A Brettanomyces bruxellensis é uma levedura que existe na natureza e que encontra nicho em ambientes de fermentação, como o vinho, cerveja, leite fermentado, chá fermentado e bioetanol.
Manuel Malfeito recusa-se a considerar o ‘brett’ como puro defeito, realçando que não é uma situação de preto ou branco, mas com uma escala de cinzentos, o que permite muitas considerações. O problema está no que se considera deficiência e complexidade.
Tal como aconteceu em 2014, Manuel Malfeito tenciona realizar um seminário internacional com especialistas desta matéria.
O agente do avanço
Miguel Fernandes, de 24 anos, foi o operador da descoberta do meio de redução do tempo de deteção da levedura da Brettanomyces bruxellensis, após a licenciatura em Biologia Celular, na Universidade Nova de Lisboa.
O gosto pelo vinho levou-o a querer aprofundar o seu conhecimento, tendo-lhe sido indicado o professor Manuel Malfeito para orientar o mestrado. Um ano formativo e outro com uma bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia deram-lhe direito a entrar no laboratório do ISA.
“Foi mais um aprofundamento, devido à formação de Miguel Fernandes, pois este tipo de trabalho está mais de acordo com a sua formação, do que Agronomia. É um projeto que tem sido feito e para onde se entra para melhorar” – afirma Manuel Malfeito.
Manuel Malfeito e Miguel Fernandes referem que não houve nenhum momento em que se tenha gritado “eureka” no laboratório do ISA. “É um processo de tentativa e erro para se chegar a um ponto melhor do que o anterior”.
Neste caso, o desafio foi o de reduzir o tempo de resposta sem que fosse perdida a seletividade do meio. O processo tem de ser seletivo, “porque senão a presença da levedura não se consegue identificar, por o vinho ser um meio onde existe um grande número de microrganismos, em que a taxa de crescimento é mais rápida do que a Brettanomyces”.
“A Brettanomyces cresce lentamente”, pelo que é necessário criar uma forma de outros organismos se desenvolverem. A Brettanomyces tem um tempo de crescimento que é o dobro de outras leveduras. “Daí a importância desta cultura” – realça Manuel Malfeito.
Miguel Fernandes afirma não ter encontrado um problema de dimensão especial. “Não houve nada que se destacasse muito. É sempre difícil melhorar o que já é suficientemente bom, e tentar manter a seletividade do anterior meio e diminuir o tempo de resposta”.
A análise é “inimiga” do investigador
Manuel Malfeito brinca, dizendo que se fizerem os testes, os professores de Microbiologia são dispensáveis. O académico refere que a prática das empresas deveria ser de verificação sistemática e rotineira da presença desta levedura. No entanto, o recurso acontece muitas vezes “quando a casa já está a arder”.
“Esta levedura, quando dispara, é difícil de controlar. O controlo tem de ser preventivo, pois só para quando morre ou termina o substrato”, explica Manuel Malfeito. As análises devem ser realizadas no inverno, quando o calor aumenta (antes das vindimas – em julho) e por altura do fim das vindimas (outubro). As análises devem fazer-se sempre que existam vinhos em stock. Barrica a barrica, ou depósito a depósito, e a garrafas, por amostragem.
Manuel Malfeito refere que por não ser um agente patogénico, em termos de saúde pública, o mundo do vinho tem, de alguma forma, ignorado. Ao contrário do que acontece com o leite. “Se hoje queremos trabalhar de forma sensata e adequada, precisamos de fazer o controlo” – acrescenta o docente.
Miguel Fernandes refere que a deteção é fácil, quando se verificam – apenas com observação básica, visual e olfativa – os “três C”: crescimento, cor e cheiro. Se estes três aspetos não se encontrarem na amostra, o resultado é considerado negativo.
O braço empresarial
A Ambifood é uma empresa de biotecnologia, sediada no Porto, e que tem a função de comercialização do sistema. Inscrita num sistema de ‘brokerage’ – um modelo que junta empresas a unidades de investigação – respondeu a um alerta do ISA.
Artur Melo, chief executive officer (CEO), da Ambifood contactou Manuel Malfeito para desenvolver a descoberta como potencial negócio. A empresa contribuiu também com algumas verbas para a investigação.
O Brett Allert Agar tem um período de vida reduzido, pelo que a produção é feita conforme as encomendas. “Estamos a dar quatro meses de tempo de vida” – informa o empresário, que acrescenta estarem a ser desenvolvidos testes de validade para mais tempo.
Ainda que seja por encomenda, Artur Melo sublinha que a produção é rápida, levando cerca de cinco dias. Juntam-se até mais dois para a colocação no cliente. O preço por cada teste situa-se entre os 2,5 e os 3 euros, conforme a encomenda. A Ambifood comercializa embalagens de 60 placas, 80 placas e 120 placas.
“A reação do mercado tem sido muito boa. Temos alguns clientes regulares” – informa Artur Melo, acrescentando que vão das grandes empresas até às pequenas sociedades.
Mais do que negócio, o Brett Allert Agar é um chamariz; um cartão de visita que chama a atenção para os restantes produtos que comercializa. “Não é um produto de venda massiva, mas que nos diferencia no setor”. Dá notoriedade, pois o volume de negócios é reduzido, adianta o empresário.
A Ambifood emprega sete pessoas e realizou um volume de negócios de 1,5 milhões de euros, em 2014. Fundada em 2002, tem quatro unidades de negócio, comercializando produtos e instrumentos de análises ambientais, alimentares, industriais e veterinárias. “Estamos no vinho desde o início, com testes enzimáticos e químicos” – Artur Melo destaca a deteção de alergénios, como os obrigatórios da caseína, do ovo e lisozima. “Mas há mercados, como o Japão, que exigem a histamina”.
Um outro produto que está a comercializar é um aparelho de análises enzimáticas no vinho, o Rida®Cube Scan. Os parâmetros principais são de ácidos e açúcares. Artur Melo refere que são procedimentos demorados em laboratório.
De acordo com o empresário, este aparelho efetua em 12 minutos o que no modo tradicional leva entre 30 ou 45 minutos, bastando colocar a amostra dentro do equipamento.
Artigo publicado na edição de abril/maio/junho de 2015 da revista ENOVITIS