Portugal lançou um projeto inovador de cooperação de conhecimento e tecnologia, que vai unir a Europa, África e América Latina. A plataforma, designada por SKAN (Sharing Knowledge Agrifood Networks) centra-se nas áreas da agricultura, pescas, florestas e agroalimentar.
Luís Mira da Silva, presidente da INOVISA (Associação para a Inovação e Desenvolvimento Empresarial) explica que este projeto consiste em levar conhecimento e tecnologia onde existe para locais onde não está disponível. Vai haver muito debate, muitos encontros e alguns negócios. Dinheiro não parece ser o mais importante.
É tudo muito recente. A ideia surgiu em 2012 e a constituição da SKAN aconteceu a 17 de janeiro deste ano, juntando o Instituto de Investigação Científica Tropical, o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, o Instituto Superior de Agronomia (ISA), a Universidade de Évora e a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. O Governo também deu o seu apoio institucional, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Ministério da Agricultura e Ministério da Educação.
O projeto não é um negócio que vise a transferência de conhecimento, mas uma plataforma em que diferentes organismos, nomeadamente universidades, colocam à disposição conhecimentos e tecnologias que, doutra forma, poderiam nunca chegar a ver a luz do dia.
O conceito surgiu há cerca dum ano, numa discussão entre a Comissão Europeia com o Ministério da Agricultura e do Mar, refere Luís Mira da Silva. “A ideia foi a de criar uma iniciativa focada no agroalimentar e florestas e que, no fundo, potenciasse conhecimento e tecnologia que existem na Europa e funcionassem na Europa, África e América Latina” – salienta este professor do ISA.
Questionado quanto às escolhas geográficas para pôr a rede a funcionar, Luís Mira da Silva reconheceu que as ligações históricas e culturais, entre alguns países europeus com estados de África e da América Latina, facilitam a comunicação e as relações.
“Há um foco estratégico da Comissão Europeia com a América Latina e África, quer históricas, quer económicas. Depois há outras razões, como o crescimento populacional, particularmente em África, mas também na América Latina” – salienta o mesmo académico.
Para se entender o problema, basta citar números simples e claros. A população mundial ronda as 7000 milhões de pessoas, mas com o elevado ritmo de crescimento, em breve, se poderá chegar aos 9000 milhões ou aos 12 000 milhões de pessoas.
Este número da população mundial irá criar problemas quanto à alimentação, mas também em relação a migrações de populações. Em vários países registam-se movimentos migratórios, quer para o exterior dos países, ou do campo para as cidades, tanto em África e na América Latina, ao mesmo tempo que aumenta a classe média. “Tudo isto gera um padrão de cultura na alimentação; e no médio e longo prazo, há as questões das alterações climáticas”.
Quando o assunto é crescimento populacional – nomeadamente quanto à sua localização geográfica, acontece sobretudo em países pobres ou em desenvolvimento – vem sempre à discussão o tema dos organismos geneticamente modificados. Luís Mira da Silva não vê qualquer ponto de clivagem na engrenagem da SKAN, visto a estrutura consistir numa plataforma assente no debate e na troca de conhecimento.
“Na América Latina e em África, os transgénicos são uma realidade em algumas culturas. Se o conhecimento e a tecnologia existem, e está disponível, não vejo por que não possa estar a ser debatida nesta plataforma” – sublinha Luís Mira da Silva.
Entre a ajuda e a ciência
Luís Mira da Silva prevê que os locais onde mais se sentirão as tensões e os problemas são os que apresentam maiores fragilidades. “É onde se está menos preparado. Será um impacto muito negativo, é onde é mais frágil”, que ocorrerão os principais focos de fome.
O presidente da INOVISA refere que a ajuda aos países pode ser feita de vários modos, mas que a opção de fornecimento de conhecimento e tecnologia da Europa – que a par dos Estados Unidos é onde se aposta mais em I&D – pode ser utilizada em qualquer ambiente, “mas é muito pouco usada em contextos não europeus”.
O presidente da INOVISA sublinha que a transfusão de conhecimento não tem de se fazer a partir de um só ponto emissor. As universidades e organismos africanos e da América Latina podem também colocar na rede os seus avanços de conhecimento”.
“A plataforma tem de ser tão inclusiva quanto possível e potenciar a rede a mais gente que pensa”. Aliás, a SKAN mostra-se interessada em atrair para a sua teia um conjunto de universidades africanas que tem vindo a estudar plantas nativas, com utilização, entre outros setores, como os da cosmética e de estética.
Não há almoços grátis
Investigar e desenvolver custam dinheiro. Os países da União Europeia vão dar de mão beijada os seus trabalhos de anos a outros países? Quem paga a conta? Luís Mira da Silva responde que essa questão não é, de todo, relevante. Todavia existe um custo, ou melhor, um valor.
O responsável da INOVISA relativiza ainda mais… pois trata-se de dar uso a conhecimento e tecnologia que já tiveram um custo e, por qualquer razão, estão por utilizar. Ou seja, o custo já é passado, logo à partida.
Luís Mira da Silva insiste na referência ao caráter de rede entre organismos de diferentes países. Grupos que se podem ir alargando, criando, assim, mais argumentos e assuntos para o debate, tal como soluções. Ou seja, uma espécie de fórum em ponto grande.
O funcionamento da SKAN tem três fases, sendo que apenas na última etapa haverá uma fatia com dinheiro envolvido. Essa verba irá reverter para as instituições que criaram esse saber e/ou tecnologia. Ou seja, o dinheiro da transação transforma-se em contributo para o financiamento de mais atividades de I&D.
O primeiro passo do funcionamento da SKAN é numa rede web, onde universidades, institutos e organizações não governamentais se podem encontrar e debater problemas e pensarem em soluções.
O círculo do segundo patamar da rede vai juntar fisicamente, em workshops, seminários e eventos, organizações que, na primeira fase, encontraram pontos de convergência de interesses e de complementaridade. “Funciona um pouco como brokers tecnológicos, juntando quem produz tecnologia a quem dela precisa”, explica Luís Mira da Silva.
O presidente da INOVISA reconhece que investigar é uma atividade “com um custo muito elevado”, pelo que é preciso apostar no que já existe. É na terceira fase, depois de ultrapassadas as duas etapas anteriores, que entra algum capital da União Europeia, “para garantir a sustentabilidade do projeto e que consiga ir para a frente”.
Para que isso possa surgir, têm de ser criados consórcios e é quando se chega a esse segundo degrau da terceira etapa da SKAN que se aborda a questão da remuneração. O custo é, todavia, baseado na questão da viabilidade: “Mas numa base de sucesso”.
Luís Mira da Silva diz que, no referente a montante de apoios, não ter qualquer valor em mente quanto ao bolo financeiro. “O valor depende do valor do projeto. A percentagem varia conforme o montante elegível”.
A INOVISA (associação sem fins lucrativos) assume o papel de project manager. Por seu turno, os Ministérios da Agricultura e da Educação avançam com funções de categoria educativa e o Ministério dos Negócios Estrangeiros com alguma diplomacia geoestratégica e económica.
Quem diz uma, diz muitas
O livro de presenças na SKAN não está fechado, garante Luís Mira da Silva. Outras universidades, portuguesas ou estrangeiras, que se queiram juntar à rede podem fazê-lo. Não querendo revelar identidades concretas, o presidente da INOVISA adianta existirem conversações com estabelecimentos de ensino da Alemanha, Espanha, Reino Unido e Suécia.
O modelo criado com o SKAN não terá de ser exclusivo, nem quanto a nacionalidades nem quanto a áreas de conhecimento, explica Luís Mira da Silva. “Pode ser qualquer projeto europeu que tenha ideia de criar uma rede a nível europeu”.
Artigo publicado na edição de fevereiro de 2014 da revista VIDA RURAL