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Bens alimentares versus bens públicos

O futuro da PAC depois de 2013 esteve em debate e ficou claro que agricultores e políticos têm, logo à partida, diferentes formas de abordar a questão: os primeiros insistem nas ajudas à produção de bens alimentares enquanto os segundos alertam para a necessidade de se legitimar socialmente essas ajudas, centrando­-se nos bens públicos – a função ambiental e social da agricultura.

A União Europeia (UE) começou este ano a debater a Política Agrícola Comum (PAC) para o período pós-2013 e em Portugal a discussão também já começou. Em Abril, por iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e do Grupo Socialista e Democrata do Parlamento Europeu (GSDPE), teve lugar na Assembleia da República um debate com presença de políticos, técnicos, especialistas e dirigentes de associações do sector.

Ao eurodeputado Luís Capoulas Santos, coordenador para os assuntos agrícolas GSDPE (o segundo maior), coube explicar as propostas já que foi ele quem elaborou o documento que constituirá a linha de orientação política do Grupo nesta matéria.

Salientando que é fundamental garantir um financiamento adequado da PAC no orçamento da UE, Capoulas Santos defendeu que “é preciso encontrar uma nova legitimidade para que a sociedade perceba porque os agricultores devem continuar a ser apoiados”. O eurodeputado afirmou que “há que abandonar a actual divisão do 1º e 2º pilar, propondo uma PAC com três componentes tendo por base critérios de Ambiente e de Social (Emprego)”. Os socialistas europeus defendem a manutenção das ajudas directas e uma regulação dos mercados mas apostam no apoio sócio estrutural.

Dois dos especialistas chamados ao debate – Francisco Avillez, professor no Instituto Superior de Agronomia, e Lima Santos, também do ISA – defenderam igualmente uma PAC que remunere os agricultores pela produção de ‘bens públicos’. A função ambiental e social da agricultura (combate às alterações climáticas, preservação da biodiversidade, da paisagem, evitar desertificação, etc.) é o factor que melhor ‘justificará’ perante a sociedade da UE o pagamento aos agricultores, disseram. Embora tenham salientado que há que manter as ajudas directas, já que a função principal da agricultura é a produção de bens alimentares.

António Covas, da Universidade do Algarve, apresentou uma visão de futuro da PAC a longo prazo e enquadrada na política global da UE. “A PAC deve ser entendida dentro do princípio geral da coesão e depende mais da política comercial externa da União com a OMC, sendo, por isso, um problema geopolítico”, disse.

 

Agricultores defendem ajudas directas

No painel com representantes das associações de agricultores, Francisco Silva admitiu uma PAC entre 2014-2020 baseada em três critérios – 1º ajudas directas ao rendimento, 2º desenvolvimento rural e 3º alterações climáticas. “Um terceiro eventual porque o que a PAC deve apoiar é a produção de bens alimentares, ou isso não é estratégico para a UE?”, questionou o secretário-geral da CONFAGRI, frisando: “as ajudas não devem contemplar o não produzir”.

Uma posição secundada por João Dinis ao defender que “precisamos de uma PAC muito diferente, uma PAC cujo objectivo seja a produção de bens alimentares e os alimentos não podem ser tratados como qualquer outra mercadoria”. O membro da direcção nacional da CNA afirmou que “falar de PAC depois de 2020 e de ‘bens públicos’ é uma conversa filosófica interessante, o problema é que os agricultores estão ‘à rasca’ para chegar a amanhã”.

Os dois dirigentes alertaram também para a ‘ditadura’ que as cadeias de distribuição exercem sobre a produção.

Firmino Cordeiro, presidente da AJAP, e Luís Saldanha Miranda, presidente da CNJAP, salientaram igualmente que a PAC deve apoiar prioritariamente a produção de alimentos. “A alimentação é a legitimação da PAC a não ser que a UE entenda agora que a alimentação não é fundamental e que os outros é que têm de nos alimentar!?”, frisou Luís Saldanha Miranda.

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O secretário-geral da CAP preferiu salientar que não adianta o País negociar muito bem em Bruxelas e depois não usar todo o dinheiro que é colocado à sua disposição. “Dos 17 países da UE que têm RPU, Portugal é o que tem a subutilização mais alta – 12%, sendo a média de 2,5%, com França a ter apenas 2% e Espanha a não chegar aos 4%. Por isso precisa de resolver este problema profundo de ineficácia da utilização dos fundos comunitários”, disse Luís Mira.

Para esclarecer as ‘dúvidas’, Capoulas Santos pediu de novo a palavra para frisar que concorda com as ajudas à produção mas que “temos pôr os pés na terra: os compromissos da UE na OMC não nos deixam grande margem…”.

Certo é que nos vários painéis do debate a grande participação da audiência, com perguntas e sugestões, indica que, durante os próximos dois anos, muito vai haver para discutir sobre o futuro da PAC pós-2013. •

 

 António Serrano: é “prematuro” definir “posições concretas”

 

No encerramento do debate, o ministro da Agricultura considerou ser “prematuro” definir “posições concretas” sobre a reforma da PAC, reconhecendo, todavia, que Portugal tem ainda “um caminho longo a percorrer no aproveitamento de recursos”.

“É prematuro, neste momento, definir já posições concretas sobre tópicos específicos da reforma da PAC”, afirmou António Serrano, salientando que “Portugal pode ser ganhador nos vários planos”, pelo que “não pode rejeitar à partida determinadas abordagens, na medida em que pode perder ou ganhar com elas”.

“Portugal é, naturalmente, favorável a uma reforma que contribua para uma efectiva renovação da PAC, de modo a reforçar aquilo que são os princípios que têm vindo a ser enunciados – legitimidade, equidade e eficácia na resposta a novos desafios”, disse.

“Temos que reafirmar a importância de uma PAC forte e equilibrada, definida por regras comuns, simples, dotada de meios financeiros suficientes para a implementar”, defendeu.

“No plano nacional, temos, até 2013, um caminho longo a fazer para recuperar e aproveitar melhor os recursos que podemos ter e não estamos a receber na totalidade”, reconheceu o ministro.