Já foram lojistas mas o ‘bichinho’ da agricultura falou mais alto. Escolheram o Alentejo para produzir hortícolas e instalaram-se em Montemor-o-Novo, há cerca de três anos, com um projeto de produção de vegetais asiáticos para abastecer os restaurantes chineses da região de Lisboa. Uma exploração que aposta na agricultura familiar.
Li Yonggang e Chen Guangsong são cunhados e os seus avós eram camponeses na China. Escolheram Portugal para virem “fazer vida”. Chen chegou em 2000 e começou por trabalhar numa loja, enquanto Li veio dois anos mais tarde, também trabalhar no comércio. No entanto, a afinidade com a agricultura que ganharam na China sempre os acompanhou e, assim que foi possível, mudaram de ramo de atividade para se sentirem mais livres.
São eles os cérebros deste projeto, cujo investimento rondou os 311 900€, e que consiste na produção de hortícolas chinesas em estufa e ao ar livre.
O terreno escolhido para a instalação do projeto Proder ao abrigo da medida “Inovação e desenvolvimento empresarial” tem cerca de 9 ha e foi comprado pela família. Li Yonggang chegou à Fazenda da Lagoa do Passa Figo há cerca de três anos. Ao longo do tempo foram percebendo que em Portugal não havia produtores de couves chinesas e que todos os legumes que consumiam eram importados, sobretudo de Espanha. “Não conseguíamos comprar legumes com qualidade, com aquele sabor a fresco”, diz Li. Como já tinham alguma experiência de horticultura adquirida na China, começaram por fazer uma pequena horta onde plantavam couves chinesas e outros vegetais. Aos fins de semana, a família, composta por cerca de vinte e dois membros, já contando com as crianças, deslocava-se à fazenda para ajudar nas mais diversas atividades da horta com marca oriental. “Nós, chineses, estamos mais habituados aos vegetais que se produzem na Ásia. Eu até como os vegetais portugueses, mas gosto mais dos chineses”, acrescenta Li. Com o passar do tempo, a horta ao ar livre começou a ser pequena, dado que começou a haver procura pelos produtos que cultivavam.
Foi aí que sentiram a necessidade de construir as estufas pequenas, também chamadas estufas-túnel. “Temos três estufas-túnel, com cerca de 500 m2, e quatro, com cerca de 300 m2”, afirma Chen. Mais tarde, perceberam que este negócio seria viável e investiram na construção da estufa grande, com cerca de 1,5 ha, onde atualmente se produzem cerca de onze espécies de vegetais. “Temos a couve chinesa, o pak-choi, espécie de couve chinesa mais pequena, o pepino normal e o pepino amargo, o feijão vagem, o espinafre água, a beringela, o cebolinho, a cabaça, a abóbora e o mogango”, especifica Li.
Mercado
Os vegetais são vendidos no MARL (Mercado Abastecedor da Região de Lisboa) e em quatro supermercados chineses em Lisboa, que por sua vez, fornecem os restaurantes orientais da capital. Li acrescenta não existir mercado de vegetais chineses no Alentejo, uma vez que também há poucos chineses a viverem nesta região. “Por vezes, existe alguma procura da parte de portugueses que estão a viver, ou já viveram, na China, e que ao voltarem ao Alentejo os procuram” diz Li.
A estufa grande assenta numa estrutura metálica em aço galvanizado revestida a plástico térmico e dispõe de um sistema de ventilação automático. Como tem um pé-direito alto é possível uma maior volumetria e renovação de ar, que favorece o crescimento das plantas. Existe um sistema de deteção da temperatura exterior que permite que a estufa reaja ao clima. “Se a temperatura exterior estiver acima de 21 °C, a estufa abre automaticamente várias janelas, para que o calor exterior possa entrar dentro da estufa”, acrescenta Li.
A água utilizada na rega vem do furo e é de boa qualidade. “Usamos a rega gota a gota e por microaspersão, de forma a reduzirmos ao máximo o potencial de evaporação e o escoamento de água”, diz Li. Na sala de apoio à estufa existem quatro recipientes escritos com caracteres chineses. Um deles serve para fazer as correções de pH e os restantes são utilizados para colocar o adubo no sistema de rega.
Nesta altura do ano, cerca de 60% da área da estufa está por semear. No entanto, já se começa a preparar a terra para fazer as novas sementeiras. “Preparamos as camas com um mês de antecedência. A terra tem de secar para evitarmos o aparecimento de fungos. Usamos a charrua, a fresa, o escarificador, a máquina do camalhão e somos nós que fazemos estes trabalhos”, acrescenta Chen.
Vegetais asiáticos
Os pepinos, de origem japonesa, erguidos sobre umas canas, já se encontram em fase de maturação e estão prestes a ser colhidos. “Semeamos em roda, de maneira a que tenhamos sempre uma quantidade de vegetais adequados às necessidades de mercado”, diz Li. Ainda assim, apenas conseguem escoar 70% da produção. O restante é consumido pela família e também dão a amigos e a vizinhos, existindo uma percentagem de desperdício. “É melhor para o negócio sobrar do que faltar”, diz Li. A família é o grosso da mão de obra desta exploração que conta com dois colaboradores em regime de contrato de trabalho. Se não fosse assim, talvez o negócio fosse pouco lucrativo aos olhos de Li e Chen. “Até as crianças ajudam a tirar as ervas e a colher os vegetais”, refere Li, cujos filhos de cinco e três anos, já nasceram em Portugal.
A couve chinesa é o vegetal produzido em maior quantidade e tanto pode crescer dentro da estufa grande, como ao ar livre, a depender da época do ano em que é plantada. “Fazemos seis sementeiras de couve chinesa por ano, o que corresponde a cerca de 1000 kg de couve chinesa por sementeira, colhidos de dois em dois meses. O preço varia entre 40 e 80 cêntimos, de acordo com o comportamento do mercado e, à partida, o produto tem escoamento garantido”, afirma Li.
Quanto ao pak-choi, também conhecido como acelga chinesa, hortaliça da mesma espécie do nabo e da couve chinesa, Li acrescenta “Colhemos cerca de 1000 kg por mês e o preço varia entre os 60 e os 80 cêntimos”. Este legume tem um ciclo de vida de um mês e as suas folhas são muito apreciadas em pratos cozidos ou refogados. Li também as consome cruas, sobretudo as folhas mais novas, e até refere que o pak-choi está para os chineses, como a alface está para os portugueses.
Caminhando pela estufa grande, deparamo-nos com uma “floresta” de feijão-verde. Chen mostra uma das muitas vagens, já secas, e afirma que estas ainda poderiam ser consumidas, sobretudo por brasileiros, que apreciam muito esta semente. No entanto, não lhes compensa venderem as vagens, devido à mão de obra que seria necessária para as descascar. Chen acrescenta. “Costumamos dar este desperdício a criadores de porcos pretos e de ovelhas aqui da região que, em troca, nos fornecem o estrume”.
O feijão vagem é vendido entre 0,75€ e 1 €/kg a depender da altura em que é produzido. “Sabemos que há alguns portugueses a produzirem este vegetal embora, em grande quantidade, penso que nós sejamos dos poucos a trabalhar no mercado”, diz Chen.
A logística
Tendo em conta a experiência que têm vindo a adquirir no trabalho da estufa, Li e Chen, têm noção das quantidades de semente que precisam para atingirem um determinado volume de produção. Além disso, na estufa, em ambiente controlado, as margens de erro são menores, pelo que já sabem que no verão mais vale produzir menos, para garantir o mínimo de desperdício. “Em agosto, notamos que a procura diminui porque as pessoas saem de Lisboa. Em contrapartida, no inverno, vendemos mais e a um preço mais elevado, porque há mais consumo na grande cidade, e há menos couves a serem produzidas ao ar livre”, afirma Li. Apesar de a estufa ter uma grande capacidade de produção, o produto é todo escoado para o mercado português. Li acrescenta que não produzem o suficiente para exportarem e que, além disso, não compensaria, devido ao preço elevado do transporte.
São eles próprios que asseguram o transporte dos legumes, embalados em caixas de plástico, descartáveis, até aos pontos de venda. Dia sim, dia não, rumam a Lisboa numa carrinha frigorífica onde vão entregar os vegetais frescos que normalmente ficam na câmara de frio da Fazenda do Passa Figo durante dois dias, após a colheita.
Para já, o projeto está a correr bem e não há ambição de aumentar o volume de produção. “Como está a funcionar, está bem. A economia portuguesa cresce pouco, pelo que a nossa ideia agora é mantermos o que já conseguimos e irmos estando atentos às tendências da procura“, acrescenta Chen, que esteve a estudar horticultura e fruticultura no Centro de Formação Agrícola de Almeirim, antes de abandonar a sua atividade de lojista.
Produzem em modo convencional e têm os produtos certificados. Não conseguem produzir em modo de produção biológica porque há sempre que controlar as pragas que vão aparecendo, como a mosca branca, os piolhos e as lagartas com alguns pesticidas adequados. “O controlo das ervas daninhas é feito à mão, uma vez que não é permitido a utilização de herbicidas em estufas”, diz Chen.
Ao ar livre crescem várias linhas de couves chinesas. Nesta altura do ano, elas não se dão dentro da estufa grande, devido ao excesso de calor que afeta a germinação. “Aqui no exterior também usamos rega gota a gota e no verão regamos entre as 18 h e as 22 h. Se estivéssemos na China o trabalho seria igual, com uma grande diferença. Lá não seria preciso investir em sistemas de rega. Há sempre água a cair do céu”, diz Li.
Junto à horta, encontram-se as estufas-túnel. Numa delas estão os espinafres água e, na outra ao lado, cresce o pepino amargo, um pepino coberto de gomos, que tem que ser plantado à parte, na estufa-túnel, uma vez que, se for plantado na estufa grande, junto ao pepino normal, altera-lhe as propriedades.
Li e Chen veem o seu futuro passar pela Fazenda do Passa Figo. Não pensam voltar à China, apesar de conservarem o gosto gastronómico lá adquirido, e que foi o principal impulsionador do negócio que sustenta a família em terras lusas.
Artigo publicado na edição de outubro de 2014 da revista VIDA RURAL