A recém-criada unidade de investigação especializada nas cadeias de valor das frutas e dos legumes, Freshness Lab, foi o mote para a conversa com Domingos Almeida, professor e investigador do ISA e especialista em pós-colheita.
O que é exatamente o Freshness Lab e porque surge dentro do ISA?
É um laboratório que surge para dar reposta aos desafios da cadeia de valor dos produtos hortofrutícolas. Temos, nas várias especialidades do ISA e no meu trabalho em particular, anos de colaboração com a cadeia de valor e existe uma compreensão grande da cadeia de valor. Desde o consumidor até à produção, temos vindo a verificar a falta de uma instalação experimental dedicada para fazer investigação de translação para estas cadeias. Há conhecimento e necessidades, mas é preciso um conjunto de recursos para levar o conhecimento de um estado que ainda não é suscetível de ser utilizado por um gestor, para o desenvolvimento de procedimentos que podem ser utilizados por quem gere, para incorporar num produto ao longo do processo. O que se montou aqui foi uma unidade a que chamamos Freshness Lab, que congrega equipamentos existentes no ISA relacionados com a caracterização e análise dos atributos de qualidade dos hortofrutícolas. Potenciamos muito a parte de instrumentação, hoje somos capazes de analisar mais de 10 000 compostos relacionados com a perceção do aroma ou com a perceção do sabor ou com o valor nutricional de qualquer fruta e hortaliça. Mas o mais interessante é que isto tudo está conjugado como uma unidade-piloto que faz estudos de último quilómetro, ou seja, o que se passa com os produtos entre o supermercado e a casa do consumidor e o que é que isso faz na qualidade do produto nas operações logísticas na cadeia de abastecimento. E está a haver enormes avanços tecnológicos e diferentes rotas de evolução da tecnologia dessas situações.
Numa lógica muito de pós-colheita?
Numa lógica de qualidade e de logística, sim, muito de pós-colheita. Da qualidade do produto na cadeia de abastecimento.
Mas também fazem análise antes da pós-colheita?
Sim. Temos um exemplo muito interessante de alguém que nos contratou este ano para ajudar a produzir, num pomar de pêssegos e nectarinas, um referencial de qualidade sensorial que desenvolvemos para uma cadeia de distribuição. Numa primeira fase desenvolveu-se aquilo que a cadeia de distribuição tinha pedido e com sucesso demonstrado, porque o índice de sabor monitorizado, semana a semana, durante toda a campanha do pêssego e nectarina do ano passado mostrou que aqueles eram os melhores pêssegos e nectarinas do mercado a nível da grande distribuição. Este ano houve uma empresa que pensou que não devia fazer isto só numa lógica de produzir e depois inspecionar e deitar fora uma grande parte do que não cumpria as especificações… E o acordo que fizemos com essa empresa foi validar todo o plano de operações, desde a poda até à colheita. E poderão falar pela diferença de resultados na forma como conduziam o pomar antes e o impacto que tiveram este ano. Tudo isso foi medido e foi feito o benchmarking desse fornecedor com outros fornecedores dentro da mesma cadeia de distribuição. Ou seja, quando nós entendemos bem a qualidade dos produtos, entendemos também como fazer no campo. A agricultura é o único setor onde as pessoas continuam a fabricar como entendem e depois a escolher…
Com enormes custos de desperdício…
Com custos enormes e com ineficiências grandes e uma forma conceptual de abordar as coisas que já não existe em lado nenhum. A conceção é a parte principal na engenharia e nós temos de perceber que quando se começa a semear ou quando se começa a trabalhar numa vinha ou num pomar, desde o ciclo vegetativo, todas as operações têm de estar orientadas para uma qualidade, não é fazer as operações e depois ver qual foi o resultado, é exatamente ao contrário… E é isto que é possível fazer…
É um mindset completamente novo…
Sim, e foi muito interessante conseguir que um produtor tivesse confiado em nós para irmos lá dizer como isto se faz e demonstrar. Naturalmente que na área dos milagres não trabalhamos, mas afinamos o nosso trabalho e as previsões materializaram-se sempre. Decidimos deixar um determinado número de ramos, de flores e de frutos porque o nosso alvo era um determinado calibre, por exemplo.
Ou seja, há também um trabalho no campo que é coerente com a pós-colheita…
Se nos disserem que querem um tomate com maior sabor temos capacidade para fazer essa demonstração, estamos a fazê-lo numa colaboração entre a produção e a distribuição. Quando fazemos engenharia e gestão temos de começar a fazer medições e a ter factos. Cabe-nos a nós traduzir estas coisas que o consumidor percebe e que a distribuição, que está junto ao consumidor, está a dizer que quer. E traduzir isso em instrumentos de engenharia e de gestão onde se possa mexer. Estamos a fazê-lo com o sabor do tomate, por exemplo, daí o conceito da centralidade nas características do produto.
Quais são os principais desafios que se colocam nesta fileira? Em especial nesta fase de boom nas exportações de hortofrutícolas…
É o desafio da eficiência e de fazer chegar ao consumidor um produto distintivo. Ao contrário da retórica que se usa, os produtos portugueses nos mercados locais de destino não são necessariamente superiores aos produtos locais. Posso relatar uma experiência que fizemos, por curiosidade, em relação à pera Rocha versus pera Alexander Lucas num supermercado Lidl alemão. Isso foi noticiado em fevereiro do ano passado, quando o setor fez um acordo com o Lidl para exportar peras Rocha para o Lidl na Alemanha. E fizemos esta experiência porque representantes do setor consideram como dado adquirido que a fruta portuguesa é intrinsecamente superior. Então pedimos a um parceiro alemão que fosse buscar a pera Rocha portuguesa e o equivalente à pera Rocha alemã, que é a Alexander Lucas, uma variedade local que todos os alemães gostam e consomem. Assim podemos fazer algo que é intelectualmente correto, que é comparar lá, no mercado de destino, uma coisa de origem portuguesa e outra de origem alemã. Mas lá, caso contrário não era comparável. A pera Rocha portuguesa analiticamente tinha um brix de 10 e a Alexander Lucas de 13. Embora o brix o ano passado fosse baixo em todo o lado…
O verão foi fresco…
Sim, mas estas coisas são muito mais fruto do trabalho do homem do que da natureza. Outra questão importante é que a pera Rocha tinha resíduos de pesticidas pós-colheita e a alemã não.
Mas era produção convencional ou biológica?
Convencional. Conseguimos demonstrar como se mexe nesses atributos de qualidade. Porque comparar duas origens é um exercício sem utilidade nenhuma. A questão é de engenharia. Como é que eu vou colocar lá, na janela de mercado que eu pretendo, o produto com as características que eu quero? Mas conseguimos fazer, temos boa capacidade para o fazer, mas precisamos de melhorar imenso a nível técnico. Imenso. A logística é uma coisa fantástica e complexa. Estas operações só fazem sentido se acrescentarem valor, mas porque muitas vezes a técnica não é adequada há situações de destruição de valor brutais…
Qual é o desafio? Quando se começa a exportar há um novo mundo a nível de logística, onde é que estamos a cometer erros?
Temos de reconhecer que o setor teve um excelente desempenho em termos de aumento de exportações, reagiu muito bem às condições conjunturais que surgiram, mas esse crescimento das exportações não é sustentável. Tivemos taxas de crescimento de 10% em anos de contração de procura interna e isso não é sustentável. As extrapolações que se estão a fazer das taxas de crescimento para 2020 não são reais, não são possíveis. Até porque não estamos sozinhos no mercado e quando temos uma visão global e vamos aos locais, a Londres, a Berlim, vemos muitas outras origens com muito mais eficiência junto dos consumidores locais a reivindicar a sua superioridade.
Eficiência a que nível?
Comunicacional. Ainda trabalhamos em situações de nicho. Nas situações de logística e de transporte temos perdas muito grandes de benchmarking. Perdas de água durante o armazenamento, que são 10 vezes superiores àquilo que fazem os holandeses. Podemos dizer que 5% pode ser bom, não é importante, mas os holandeses estão a trabalhar com 0,5%… Ineficiências que têm de ser vistas caso a caso…
Isso é falha na tecnologia?
Tecnologia e gestão de operações e apreço por se fazerem certas coisas bem feitas. Curiosamente os investimentos em tecnologia que o setor tem feito são astronómicos. Tem havido muito investimento em tecnologia que não se domina…
Ou seja, como não a sabemos utilizar não é eficiente?
Exato. Daí a necessidade de experimentação. Por isso um conjunto significativo de empresas na área da pera Rocha ter apoiado uma unidade de experimentação dedicada às questões de pós-colheita aqui no Freshness Lab, que lhes pode dar coeficientes técnicos para que possam escolher a tecnologia mais adequada. E a mais adequada para uma empresa não tem de ser a mais adequada para a outra. A decisão empresarial e o resultado da negociação entre os fornecedores de tecnologias credíveis e os diferentes utilizadores dessas tecnologias é um processo que tem a sua dinâmica própria… mas como é que hoje alguém consegue tomar a decisão de adquirir a tecnologia a ou b, com o estado de conhecimento que temos ao nível da investigação de translação? Qualquer pessoa dá uma palestra sob a forma como as coisas funcionam em geral, mas ninguém diz quais são os coeficientes técnicos para um decisor poder escolher e reduzir a sua incerteza de escolha e melhorar o seu processo de negociação.
Esse é um desafio extremamente importante. Note-se também que na questão da tecnologia, o setor hortofrutícola português está totalmente dependente em termos de inovação de fornecedores que não têm capacidade nenhuma instalada em Portugal. Quer na área dos fatores de produção, quer na área das tecnologias, desde sementes, árvores, moléculas de pesticidas, novas formulações de adubos, tecnologia de conservação, sensores, estufas, toda esta gente, ninguém tem unidades de experimentação para fazer a demonstração…
Esse trabalho também pode ser feito aqui pelo laboratório?
Nas questões da pós-colheita pode ser feito, e são estes os públicos que nos interessam.
Estas empresas podem ser vossos clientes?
São nossos parceiros, podem ser nossos clientes. O que a unidade permite fazer é que alguém que tenha uma tecnologia e que acredita nela possa vir cá adaptá-la às situações dos nossos operadores. Mas há uma fase em que é mais eficaz trabalhar à escala-piloto, porque conseguimos controlar muito mais as variáveis e otimizar mais rapidamente, do que se tentar fazer isso à escala comercial. E com menos riscos, a escala-piloto existe para diminuir riscos e acelerar a otimização de processos. E é isso que o Freshness Lab permite fazer em todas as questões relacionadas com a área da pós-colheita.
Onde é que estamos mais atrasados? Falava das perdas de água…
Sim, é um custo escondido. Quando perde 5%, e em muitas situações perdemos 15%…
Mas está a falar no armazenamento ou transporte?
Em ambos.
E esse é o principal problema?
Não, o principal problema é uma má gestão da temperatura na cadeia de abastecimento. Desde o momento da colheita até chegar ao consumidor. Globalmente…
Mas esse é um processo complicado, com vários intervenientes…
Tem vários intervenientes, mas é fácil de controlar. Existem todos os mecanismos de controlo e de monitorização, o que não há é um apreço pelo rigor que é necessário ter por estas coisas…
Porque se considera isso um custo?
Porque considera-se que a necessidade de rigor não é tão grande como na realidade é.
Onde é que as falhas são maiores?
Na colheita, armazenamento e transporte…
Ponto de venda não?
O ponto de venda o que tem de fazer é vender rapidamente. Estamos muito interessados no que se passa no ponto de venda.
Mas nota-se muitas vezes que as temperaturas não são adequadas, que há demasiada luz…
Mas aí há dificuldades que já trabalhei especificamente, no entanto existe um equilíbrio entre as condições favoráveis para as pessoas e as condições ideais para os produtos. Ninguém compraria morangos se eles estivessem no ponto de venda nas condições ótimas para o produto, porque teriam de estar muito frios, e precisam de estar a uma temperatura que permita libertar os aromas. Quanto menos tempo o produto lá ficar melhor. Fomos aprendendo muito sobre a voz do consumidor e ele toma decisões de forma diferente.
O consumidor de frutas toma uma decisão emotiva e o consumidor de legumes toma uma decisão racional. Os legumes vão na lista de compras e compram-se batatas com base no preço, ou couves com base no preço. Nas frutas colocamos três frutas na lista. Vamos com intenção de comprar banana ou laranja ou maçã. Depois tomamos a decisão no ponto de venda porque vemos a cereja, o morango e a melancia… A decisão é tomada lá e é emotiva, daí o aroma e o sabor serem importantes. Daí a necessidade de sabermos como o consumidor se comporta na loja, para introduzirmos na engenharia da qualidade do produto coisas que hoje não estão bem explícitas, caso desta questão do aroma e do sabor. E por isso não se pode vender da mesma forma uma coisa que o consumidor compra racionalmente com outra que o consumidor compra com emoção. E é essa diferença entre o morango e a cenoura, que vai para a sopa. E é isso que nos interessa desmontar.
Trabalhar da voz do consumidor para trás, aquilo que chamamos estudos do último quilómetro. Há mecanismos para levar o consumidor a estar em contacto com o produto. Depois há a decisão da compra e o consumo. Não pode estar tudo no mesmo saco. E 65% das vendas de frutas e legumes são feitas na grande distribuição. Pessoas que estejam em mercados muito competitivos, com clientes muito exigentes ou em cadeias de distribuição longas precisam de manter o aroma e o sabor. Queremos traduzir isto para requisitos e especificações para se poder fazer engenharia destes produtos.
Nunca ninguém se preocupou muito com isso…
Nem era fácil. A nossa abordagem aqui é totalmente multidisciplinar e temos um método, mas não temos uma disciplina, porque as disciplinas nestas áreas têm uma divisão que vem da década de 50, que já não se ajusta minimamente às necessidades e problemas que as cadeias de valor estão a enfrentar. Falei-lhe de coisas que têm claramente a ver com Sociologia da Alimentação, coisas que são claramente ciências cognitivas e vamos falar com pessoas dessas áreas para perceber, dentro do produto, como é que esses novos atributos de qualidade vão marcar o futuro…
Deixe-me voltar atrás, quando falava do problema de controlo de temperatura, porque é que isso acontece? Por desconhecimento? Não há regras para as diferentes fases do produto ou não são seguidas?
Não sei se as pessoas sabem ou não. Já assisti a formadores de HACCP a recomendarem temperaturas totalmente desaconselhadas para a conservação do tomate, naturalmente mal informados. Mas sabe-se.
As recomendações variam de variedade para variedade?
Em algumas situações deviam ser específicas. Se trabalhássemos com rigor e com os níveis de eficiência dos nossos concorrentes teríamos esse cuidado, até podíamos diferenciar para distintas zonas de produção. Mas em geral não é necessário ir a esse detalhe. Temos feito muitos trabalhos de monitorização, colocamos sensores de temperatura e vamos acompanhando. Muitas vezes sabe-se como se deve fazer, mas não se tem apreço pelas consequências que uma má gestão da temperatura tem na frescura e na qualidade dos produtos. As empresas têm de se capacitar nessa área. Na área da fruticultura só reconheço dois técnicos competentes na área da pós-colheita em Portugal…
Ligados às empresas?
Sim. As pessoas que têm qualificações, mas não estão a exercer não têm competências… Ou se está a fazer ou não se está a fazer.
Tendo em consideração o nosso universo de empresas é preocupante…
Eu acho que sim. E eles reconhecem isso… O setor hortofrutícola nacional justifica que haja 300 pessoas a trabalhar em conhecimento ao serviço deste setor. Todos os produtos que faturam mais de 100 milhões de euros justificam este número de especialistas de cultura, de cirurgiões da cultura. Sem ser na área dos vinhos não temos especialistas, nem no azeite temos, fomos buscar toda a agronomia do olival a Espanha, o que é triste. E precisam de um nível de financiamento que seria compatível com 1% deste volume de faturação. O setor globalmente tem possibilidade de crescer na cadeia de valor. Não vai crescer exportando para geografias que estão demograficamente em crescimento, como a Ásia ou África, por causa da perecibilidade dos produtos. A Europa e o Atlântico são as nossas geografias e as dinâmicas de fundo nestas geografias fazem com que a classe média esteja a perder poder de compra, e é difícil crescer na cadeia de valor. A demografia não está a aumentar e nós já ingerimos alimentos a mais. Não havendo mais estômagos, só é possível crescer sem novas bocas se ganharmos quota a outros setores da alimentação. Não há muito espaço para crescer globalmente. Vejam-se os relatórios de contas das multinacionais cotadas, ninguém liga à Europa. Mas como dizia, as curvas tecnológicas destes produtos são extremamente rápidas. Refiro-me aos fatores de produção como as sementes, que são a principal fonte de inovação na área das hortícolas… E nas áreas tecnológicas. Nas estufas, na revolução que está a existir a nível dos LED e da iluminação…
Isso está a passar ao lado da nossa agricultura?
Está a passar ao lado da maneira correta. As pessoas que estão a trabalhar e têm tecnologia também vêm cá. Mas o mercado português não é suficientemente interessante para nenhuma empresa de sementes, por exemplo. O campo de ensaios da Monsanto está onde? Em Múrcia ou Almeria. Depois há cá um comercial e há uns ensaios técnicos comerciais junto dos utilizadores. Mas veja qual é a curva. Só quando os nossos concorrentes já têm a tecnologia instalada é que a começamos a testar. A adaptação de lá para cá é outro ciclo e as curvas são rapidíssimas. A duração média de uma variedade de tomate no mercado são cinco anos, estão sempre a mudar.
Como é que contornamos isso? Não temos capacidade para sermos nós a desenvolver…
Não é viável. Deixe-me dizer-lhe que na década de 40 descobriu-se um gene em Portugal que revolucionou o germoplasma do tomate que se chama Alcobaça. Ficou depois Alcobaca por causa dos ingleses, mas revolucionou a genética do tomate. Mas isso passou tudo ao lado de Portugal, nunca conseguimos criar um verdadeiro cluster apesar de haver muitos polos e clusters, até de mais, nunca conseguimos criar um cluster. É como o presunto de Parma, tem o presunto, tem a marca, tem a embalagem, as máquinas… e vai-se lá e tem a NASA dos presuntos… Porque é que os italianos são tão fortes nos seus produtos? Porque existem estes clusters e em Portugal isso não existe. E em todas as discussões de documentos estratégicos nunca vejo isso, leio todos os estudos e relatórios e vejo gente que não estudou a extrapolar as coisas. Há gente a definir prioridades, mas quando acabarem de as definir já nada existe…
Mas como é que podemos contornar esta situação de sermos os últimos no processo?
Uma tecnologia dá-nos benefícios até certa altura. E depois temos um momento, como aconteceu com o DPA [difenilamina, antioxidante utilizado na pós-colheita para prevenção do ‘escaldão superficial’ em peras e maçãs que foi recentemente proibido]. Era previsível que isso fosse acontecer, e foi a razão pela qual 14 empresas se associaram a nós há um ano quando desapareceu o DPA… Mas leva 5 anos a encontrar alternativas. Em 2010 quantifiquei os custos das perturbações no mercado na ausência do DPA. Porque reduzir o período de conservação e colocar tudo no mercado num período mais pequeno teria consequências a três níveis: por um lado aumentaria a oferta num período mais curto com baixa de preço, por outro lado os custos fixos estão lá e não os estamos a secar. Finalmente, os clientes e as pessoas que trabalham circuitos comerciais mais sofisticados estão à espera do produto, se tiverem de se ir abastecer nos outros nove meses noutro lado depois voltam? Isto não se faz de um dia para o outro. Mas ninguém estuda a pera Rocha, porque só a nós é que nos interessa, e tem particularidades de conservação que mais nenhuma tem. A maneira inteligente de fazer isto não é fazer listas de investigação nem prioridades, mas é ir vigiando tecnologias. Quando esta desaparecer ou deixar de ser eficaz entra numa fase perigosa e aí não há boas decisões. Não sabemos o que vai prevalecer no futuro e lidamos com incertezas, não sabemos se vai vingar o VHS ou o Beta.
Quando estou a trabalhar com uma tecnologia que está a resultar já devo estar a testar outras?
Tem de ter uma instituição que o faça. Se for a Nestlé faz isto em casa, mas a Nestlé tem uma faturação da ordem do PIB de alguns países. Num país que tem um PIB pequeno e tem um setor que vale o que vale, não se consegue fazer isto sozinho. Das várias tecnologias alternativas que surgem em cada momento não sabemos o que vai vingar, muitas vão desaparecer e o salto de uma tecnologia para a outra é um momento extremamente crítico na estratégia de uma empresa ou setor. Porque se se salta demasiado cedo, ou demasiado tarde, é fatal.
Isso deve ser feito por uma entidade?
Deve haver capacitação no país, no setor. Mas como somos pequenos não conseguimos manter o grau de especialização que outros países conseguem, não fazemos vigilância tecnológica.
O Freshness Lab está capacitado para isso?
Sim, todo o modelo é com base nisto. Neste momento estamos a olhar especificamente para a questão da pera Rocha, porque foram eles que se comprometeram connosco com este modelo. Esta atitude requer um modelo de gestão completamente diferente. Estamos a olhar para a substituição dos fungicidas pós-colheita, para alterações nos métodos de desinfeção da água, que são coisas que vão acontecer, estamos a olhar para as tecnologias emergentes de monitorização da atmosfera controlada com base nas respostas fisiológicas dos frutos… Neste momento há cinco boas propostas no mercado, cinco conceitos e tecnologias. E uma vai prevalecer e as outras vão morrer. Não sabemos se será Beta ou VHS, cada empresa terá o que escolher ter, mas nós aqui para percebermos isso temos de ter o Beta e o VHS. E quando o vídeo desaparecer e passar a MP3 temos de ter visto logo isso, não podemos é perceber depois de fecharem os Blockbusters…
Artigo publicado na edição de setembro de 2015 da revista VIDA RURAL